Em tramitação desde 2008 no Supremo Tribunal Federal (STF), um recurso extraordinário envolvendo a Zona Franca de Manaus trata de uma disputa bilionária que pode ser encerrada na primeira semana de trabalho do ano da Corte.
Por maioria de seis votos a quatro, o plenário do STF negou, em abril do ano passado, os Recursos Extraordinários (RE) 592891, com repercussão geral reconhecida, e 596614, para admitir a utilização de créditos de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), por empresas de todo o Brasil, ao comprarem insumos isentos da Zona Franca de Manaus (ZFM). A decisão, embora tenha seguido alguns precedentes da Corte sobre o tema, foi contrária aos interesses da União.
No dia 7 de fevereiro está pautado, no plenário virtual do STF, o julgamento dos embargos de declaração opostos pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) sobre o caso. A PGFN pretende, dentre outros esclarecimentos, incluir na tese a especificação do creditamento de IPI pelo contribuinte fora da ZFM e a exclusão de itens não tributados.
Os ministros aprovaram a seguinte tese: “Há direito ao creditamento de IPI na entrada de insumos, matéria prima e material de embalagem adquiridos junto à Zona Franca de Manaus sob o regime de isenção, considerada a previsão de incentivos regionais constante do artigo 43, parágrafo 2º, inciso III, da Constituição Federal, combinada com o comando do artigo 40 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT)”.
Segundo a ministra Rosa Weber, relatora do caso, há cerca de 600 empresas instaladas na Zona Franca de Manaus. Estão presentes na área de livre comércio companhias de setores como eletroeletrônicos, eletrodomésticos, motocicletas, produtos químicos e refrigerantes.
Este processo está no topo da lista de atenção do Ministério da Economia, segundo o critério cronológico. É o primeiro do ano a ser apreciado dentre os 25 casos acompanhados de perto pela pasta no STF. A lista dos processos monitorados pela Economia foi obtida com exclusividade pelo JOTA. A Fazenda se preocupa com a liberação da possibilidade de empresa situada fora da Zona Franca de Manaus obter créditos de IPI quanto aos insumos isentos, não tributados e sujeitos à alíquota zero, comprados das empresas que se encontram na ZFM, com base no princípio da não-cumulatividade e nos benefícios setoriais concedidos no local.
Caso a decisão do STF seja mantida completamente, empresas de qualquer setor econômico situadas fora de Manaus e que compram insumos da Zona Franca serão beneficiadas. Para a Fazenda, este critério é extremamente amplo. Um dos exemplos mais sintomáticos é o de refrigerantes. Empresas como Coca-Cola e Ambev receberam autuações milionárias da Receita Federal nos últimos anos por tomarem crédito sobre o concentrado, produto isento produzido na Região Norte. Com o fim do julgamento, se o entendimento for mantido, as multinacionais contariam com o aval do Supremo.
Os ministros que votaram com os contribuintes afirmaram que, sem o crédito de IPI, os insumos saídos da ZFM não teriam competitividade em relação à matéria-prima produzida em outros estados. Isso prejudica o objetivo de assegurar o tratamento fiscal diferenciado conferido à região amazônica pela Constituição para garantir a preservação da floresta.
Já os que votaram com a Fazenda, e ficaram vencidos, avaliaram que a permissão do crédito atrairia para a Zona Franca empresas produtoras de insumos e afastaria aquelas que realizam todo o ciclo de industrialização na Região Norte e geram mais empregos, com salários mais altos. Na visão deles, em vez de incentivar a ida de empresas para o Amazonas, no longo prazo, a permissão do crédito transformará o local em pólo de produção de insumos e créditos tributários.
Embora esteja marcado para o plenário virtual, a PGFN quer levar o caso para o plenário físico. Isso porque entende que se trata de um leading case e que a tese firmada acabou por estabelecer muitas incongruências em relação a julgados anteriores da Corte.
De acordo com a PGFN, em 1998 houve o julgamento em que foi autorizado o crédito, mas, a partir de 2002, o tribunal passou a revisitar o tema, ainda que não referente à ZFM, e julgou de forma a impedir empresas que trabalham com insumos desonerados de tomar o crédito de IPI. O Supremo entendia, ainda segundo a PGFN, que esse creditamento geraria distorções na via produtiva, mas agora a tese não explica como superar esses óbices. Há uma inversão do princípio da seletividade. A ideia seria a de que a alíquota seria mais baixa quanto mais essencial for o produto. E a tese, tal como foi escrita, gera efeito inverso. Por isso a Fazenda pede os esclarecimentos.
Os números envolvidos no julgamento também são objeto de divergência. A Secretaria de Fazenda do Amazonas chegou a cifras mais modestas que as da União, bem como os contribuintes calcularam de outra forma. A Sefaz do Amazonas estimou em R$ 900 milhões o impacto fiscal decorrente da decisão do Supremo, além de ter contestado a projeção da Fazenda.
O Ministério da Economia, por outro lado, aponta impacto fiscal anual de R$ 13,6 bilhões. Em cinco anos, o rombo pode chegar a R$ 49,7 bilhões, segundo estimativas do próprio órgão. Estes dados constam no anexo 5, que trata dos riscos fiscais, do texto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2020, mas, segundo o JOTA apurou, a Economia alterou a metodologia de cálculo e reduziu os valores.
Jota – Por Ana Pompeu – 15 de janeiro de 2020