VOTO-EMENTA.TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA PROVIDO.
1. Trata-se de ação proposta contra a União Federal, visando a declaração de inexigibilidade do IRPF sobre os valores recebidos em razão de transferência definitiva do local de trabalho, bem como a repetição de indébito.
2. Conforme consignado na sentença:
“(…) O imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza (IR) “tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: (i) de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; (i) de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior”. “A base de cálculo do imposto é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis” (artigo 43 e seguintes do CTN), cuja apuração é feita a partir da diferença entre as somas “de todos os rendimentos percebidos durante o ano-calendário, exceto os isentos, os não-tributáveis, os tributáveis exclusivamente na fonte e os sujeitos à tributação definitiva” e as “deduções” (artigo 8º da Lei nº 9.250/1995).
No caso concreto, afirma o autor que recebeu verbas nomeadas ajuda de aluguel e ajuda de realocação, como segue:
O Autor é funcionário da empresa multinacional Philip Morris. Em abril de 2019, ele foi transferido, a trabalho, da cidade de Porto Alegre/RS, para a cidade de Barueri/RS, local onde passou a residir. Foram pagos ao Autor – como ajuda de custo pela transferência para outra cidade (…)Tudo isso em conformidade com o art. 470 da CLT. Tais valores foram recebidos em 30/04/2019, junto com o salário do mês. Conforme explicado na política de transferência da empresa, tais valores não possuem natureza remuneratória, mas sim indenizatória. Foram pagos em virtude das despesas que o Autor teve que suportar com a sua transferência para outra cidade. Gastos de mudança, nova moradia, realocação etc. Tanto que, se o Autor rescindir o contrato de trabalho antes do prazo de três anos, ele deve devolver os valores de ajuda de custo pagos pela empresa em relação ao período não trabalhado. Mas foi descontado IRRF – Imposto de Renda Retido na Fonte em parte dos valores pagos a título de ajuda de custo. Foram descontados os seguintes valores de IRRF (27,5%)
O cerne da controvérsia consiste, portanto, em saber se incide, ou não, imposto de renda sobre a verba recebida pelo trabalhador em razão de alteração do local de trabalho.
O autor informa a aplicação do art. 470 da Consolidação das Leis do Trabalho. Assim, reconhece que as verbas recebidas correspondem ao adicional de transferência de que trata o § 3º do art. 469 do mesmo diploma legal. A jurisprudência do STJ reconhece a natureza salarial das verbas recebidas a título de adicional de transferência, do que resulta a incidência do Imposto de Renda. Nesse sentido:
TRIBUTÁRIO. ADICIONAL DE TRANSFERÊNCIA. ART. 469, § 3º, DA CLT. NATUREZA SALARIAL. INCIDÊNCIA DE IMPOSTO DE RENDA. 1. “O adicional de transferência possui natureza salarial, e na sua base de cálculo devem ser computadas todas as verbas de idêntica natureza, consoante a firme jurisprudência do TST. Dada a natureza reconhecidamente salarial do adicional de transferência, sobre ele deve incidir imposto de renda” (REsp 1.217.238/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 3/2/2011). 2. Agravo regimental a que se nega provimento.(STJ, AgRg no REsp 1432886 / RS, AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2014/0019929-3, Relator(a) Min. OG FERNANDES, Segunda Turma, julgado em 25/03/2014, DJe 11/04/2014)
O mesmo entendimento é adotado pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, que firmou a seguinte tese – Tema 79 (PEDILEF 2010.70.62.000859-0/PR): “ Incide Imposto de Renda sobre o adicional de transferência, previsto no art. 469, § 3º, da CLT, em face de sua natureza remuneratória ”.
Ressalto que não há prova de que a transferência tenha ocorrido de forma compulsória. Nem mesmo há prova de que o montante integral tenha sido gasto exclusivamente com transporte, frete e locomoção, o que afasta a aplicação do disposto no inciso XX, do art. 6º, da Lei nº 7.713/88, que trata da isenção do imposto de renda incidente sobre valores recebidos a título de ajuda de custo destinada ao custeio das despesas relativas à remoção do empregado de um município para outro. Em decorrência, fica prejudicado o pedido de repetição de indébito.
Por esses fundamentos, julgo improcedentes os pedidos e resolvo o mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do CPC. Sem custas e honorários advocatícios sucumbenciais, conforme previsão do art. 1.º da Lei n.º 10.259/2001 c/c arts. 54 e 55, da Lei n.º 9.099/1995. (…)”
3. Recurso da parte autora (em síntese): Alega que a verba recebida não se trata de adicional de transferência, mas sim de ajuda de custo pela transferência definitiva de local de trabalho. Aduz que “a ajuda de custo possui caráter indenizatório, não pode incidir IRPF – Imposto de Renda da Pessoa Física, tampouco IRRF -Imposto de Renda Retido na Fonte. Valores de ajuda de custo pela transferência do empregado sempre terão caráter indenizatório (e não remuneratório). Eles apenas objetivam recompor as despesas do empregado com a mudança de cidade e não remunerar o trabalho prestado, pois ele continuará recebendo o seu salário. Portanto, não constituem acréscimo patrimonial duradouro e definitivo e, deste modo, não estão sujeitos à incidência do IRPF”.
4. A parte autora anexou aos autos (Id 178118913): declaração de transferência, comprovando que mantém vínculo empregatício com PHILIP MORRIS BRASIL IND E COM LTDA. desde 24/09/2007 e que foi transferido de Porto Alegre para a filial da empresa em Barueri em 01/04/2019; documento informando a alteração das condições de emprego da parte autora em 27/03/2019; demonstrativo de pagamento, referente ao mês de abril/2019, comprovando o pagamento de “Ajuda de Realocação” (R$ 21.977,58) e “Aj Aluguel – Pgto único” (R$ 85.620,00).
5. Outrossim, os valores supra apontados, recebidos sem habitualidade e com caráter indenizatório, não devem sofrer incidência do imposto de renda, prescindindo-se, para tanto, da comprovação efetiva dos gastos e despesas com a mudança, posto que presumidos. Evidencia-se o caráter indenizatório de tais verbas. Da mesma forma, não descaracteriza a natureza indenizatória a obrigatoriedade de devolução dos valores à empregadora, de forma proporcional, na hipótese de rescisão do contrato de trabalho. A respeito do assunto em questão, assim decidiu o E. TRF da 3ª Região:
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. TRANSFERÊNCIA DE LOCALIDADE. AJUDA DE CUSTO. VERBA DE NATUREZA INDENIZATÓRIA. Lei nº 7.713/88, ARTIGO 6º, INCISO XX. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL DESPROVIDAS. 1. Inicialmente, dou por interposta a remessa oficial, nos termos do disposto no artigo 14, § 1º, da Lei nº 12.016/09. 2. É certo que o imposto de renda, nos termos do art. 43 do CTN, tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I) de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II) de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior. 3. No entanto, se a verba recebida pelo trabalhador se destina a cobrir as despesas envolvidas na mudança de domicílio por conta de alteração do local de trabalho, hipótese dos autos, não deve incidir sobre ela o imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza. 4. A ajuda de custo destinada a cobrir despesas de transferência do empregado, como transporte, nova residência, entre outras são efetuadas em situações excepcionais, com a finalidade de compensar tais gastos ocasionais para o exercício do trabalho. Não se insere, portanto, no conceito de renda e não constitui acréscimo patrimonial, dado seu caráter compensatório. Precedentes. 5. Apelação e remessa oficial, tida por interposta, desprovidas. (TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApCiv – APELAÇÃO CÍVEL – 5003233- 22.2019.4.03.6114, Rel. Desembargadora Federal MARLI MARQUES FERREIRA, julgado em 16/03/2020, Intimação via sistema DATA: 19/03/2020).
6. Destarte, as verbas recebidas pela parte autora a título de Ajuda de Realocação e Ajuda Aluguel possuem natureza indenizatória, razão pela qual não deve haver a incidência de imposto de renda.
7. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO para condenar a União Federal a restituir o valor recolhido indevidamente a título de Imposto de Renda Retido na Fonte, sobre a “Ajuda de Realocação” (R$ 21.977,58) e a “Aj Aluguel – Pgto único” (R$ 85.620,00) recebidos pelo autor em abril/2019. Cálculos pela Contadoria de origem, devendo ser refeito o cálculo do IRPF devido no exercício em questão, considerando tais verbas como não tributáveis. A diferença deverá ser corrigida monetariamente e acrescida de juros moratórios de acordo com a Resolução CJF 658/2020.
8. Sem condenação ao pagamento de verba honorária por inexistir recorrente vencido (artigo 55, da Lei nº 9.099/95).
9. É o voto.
PAULO CEZAR NEVES JUNIOR
JUIZ FEDERAL RELATOR
(TRF 3ª Região, 11ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, RecInoCiv – RECURSO INOMINADO CÍVEL – 0002712-26.2020.4.03.6342, Rel. Juiz Federal PAULO CEZAR NEVES JUNIOR, julgado em 05/05/2022, DJEN DATA: 09/05/2022)