Vetos geram dúvidas sobre alcance do IBS/CBS nos fundos de investimentos
17/01/2025
Na sanção da reforma, fundos de investimento deixaram de ser considerados não contribuintes dos tributos. Advogados entendem que regime deve ser avaliado caso a caso
Ao todo, 18 trechos do PLP 68/2024 foram vetados e os dispositivos devem voltar para análise do Congresso Nacional. Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Um dos principais vetos do governo federal ao PLP 68/2024, primeiro projeto de regulamentação da reforma tributária, trata dos dispositivos que previam os fundos de investimento como não contribuintes do IBS e da CBS. Na prática, a medida abre a possibilidade para que os fundos imobiliário e do agronegócio sejam submetidos à incidência dos tributos.
Advogados ouvidos pelo JOTA, porém, destacam que ainda há muita incerteza em relação ao assunto e não descartam a judicialização da matéria. Os especialistas também apontam que a tributação vai exigir a análise de cada tipo de fundo. A depender do seu objetivo, eles podem estar sujeitos aos regimes especiais voltados às financeiras, ao setor imobiliário e ao regime regular, por exemplo.
No mercado financeiro também se gerou dúvida sobre se os fundos em geral, com os vetos, acabariam sendo contribuintes do IBS e da CBS nas suas aplicações em títulos e ações. Embora a interpretação nos bastidores da Fazenda seja de que não, a pasta reconheceu que há dúvidas sobre isso e risco de insegurança jurídica, por isso admitiu a possibilidade de rediscutir o tema no Congresso.
“O Ministério da Fazenda defende desde o início que as aplicações de fundos de investimentos em títulos e valores mobiliários não sejam sujeitas à incidência de IBS e de CBS. Alguns analistas estão avaliando que o veto ao inciso V do art. 26, que previa que os fundos de investimento não seriam contribuintes, poderia permitir a interpretação de que as operações dos fundos com títulos e valores mobiliários poderiam ser tributadas. Embora essa não seja a interpretação do Ministério da Fazenda, caso seja necessário fazer algum ajuste no texto para deixar claro que não há incidência de IBS e CBS sobre as aplicações dos fundos de investimento em títulos e valores mobiliários, a pasta irá trabalhar para fazer esse ajuste”, disse a pasta ao JOTA, por meio de nota.
Caso a caso
Murillo Allevato, sócio do Bichara Advogados, afirma que, “para saber em qual regime um fundo de investimento se enquadra, é preciso analisar o seu objeto”. Por exemplo, diz, o fundo de investimento imobiliário pratica atividade de locação e tem regime especial para essa atividade, previsto a partir do artigo 251 da Lei Complementar 214/2025. A norma é decorrente da sanção do PLP 68/24.
Se um Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas do Agronegócio (Fiagro) aluga imóvel para exploração de atividades agrícolas, essa atividade entra no regime de imóveis. Mas se esse mesmo Fiagro investe em debêntures agropecuárias, ele não paga o IBS e a CBS, já que rendimentos financeiros não são tributados por força do artigo 6º, inciso V, da LC 215/2025. “Então, será preciso analisar cada fundo”, explica Allevato.
Ainda segundo o especialista, se for um Fundo de Investimento em Participações (FIP) com investimento em participações societárias, por exemplo, não há incidência do IBS e da CBS. Isso porque o artigo 6º, inciso III, define que o IBS e a CBS não incidem sobre “baixa, liquidação e transmissão, incluindo alienação, de participação societária”. Ou seja, no caso do FIP, ele deixa de ter a previsão de não contribuinte que constava de um trecho vetado da reforma, mas continua na regra de não incidência dos tributos por outro artigo da lei.
Gustavo Brigagão, presidente nacional do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa) e presidente honorário da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), também afirma que é preciso analisar o objeto do fundo. “Está nos parecendo que a tributação dependerá do objeto do fundo. Se for a prestação de ‘serviços financeiros’ previstos no artigo 171, o fundo ficará sujeito ao regime próprio dessa atividade. Se a natureza do serviço for outra, ou ele ficará sujeito ao regime normal, ou a um outro regime específico, caso aplicável”, diz.
Outra dúvida que foi levantada no mercado foi se haveria a possibilidade de bitributação com os vetos. A avaliação de tributaristas é que a discussão não faz sentido nessa hipótese, porque bitributação seria dois entes (por exemplo, dois estados distintos) cobrarem o mesmo tributo do mesmo contribuinte. O que há é o pagamento pelo fundo e pela gestora, dois contribuintes distintos. Há a tributação do mesmo valor duas vezes, mas não tecnicamente o que se chama de bitributação. Assim, pode-se falar em aumento da carga tributária, mas não em bitributação.
Funcionamento atual
Atualmente, os fundos de investimento são isentos do Imposto de Renda para pessoa física, do PIS e da Cofins. Os tributos são cobrados dos gestores dos fundos, a partir do seu faturamento, e também podem ser cobrados dos investidores sobre os rendimentos auferidos.
Os vetos excluíram os Fundos de Investimento Imobiliário (FII) e os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas do Agronegócio (Fiagro) do rol de não contribuintes do IBS e da CBS. A justificativa foi a de evitar a criação de um regime especial para além do que já está delimitado pela Emenda Constitucional 132/23.
Para a tributarista Thais Veiga Shingai, sócia do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados, a exclusão dos fundos do conceito de contribuintes gera uma isenção para as operações com bens imóveis que eles realizam. Para além da questão constitucional, ela aponta impactos negativos com relação à não cumulatividade e à neutralidade.
“Primeiro porque acabaria não havendo creditamento sobre alugueis pagos a FIIs, por exemplo, deixando resíduos na cadeia, que aumentam a tributação de forma não transparente. Quanto à neutralidade, essa verdadeira isenção pode levar alguns contribuintes a optarem pela estrutura de fundos, em vez de uma simples pessoa jurídica imobiliária, por exemplo, exclusivamente em razão da carga tributária”, pondera. Ela entende que, com os vetos, o FII e Fiagro ficarão sujeitos ao regime específico de bens imóveis, porque fornecem esses bens e o regime se aplica conforme o tipo de bem ou serviço.
De acordo com Caio César Morato, sócio do Rayes & Fagundes Advogados Associados, a alteração proposta surpreendeu os contribuintes e gestores dos fundos, “tornando a sua rentabilidade menor e aumentando a complexidade com apuração de novos tributos”.
O advogado Allan Fallet, sócio do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra, destaca que as receitas de alugueis agora passam a ser tributadas, o que impacta as operações e financiamentos em andamento. “Também acendem um alerta para uma análise mais assertiva dessas operações no futuro, principalmente em razão dos custos administrativos dos fundos e da comparação com a tributação incidente sobre as holdings imobiliárias”, diz.
Próximos passos
Ao todo, 18 trechos do projeto foram vetados. Os dispositivos devem voltar para análise do Congresso Nacional, que pode derrubá-los. Caso os vetos sejam mantidos, os tributaristas não descartam que a matéria dos fundos seja questionada judicialmente.
Na área econômica, admite-se que os vetos sobre os fundos podem cair quando forem examinados por deputados e senadores. A razão principal dos vetos foi não haver previsão constitucional para a isenção dada aos fundos patrimoniais, FIIs e Fiagro. Mas também há um temor de que o benefício seja usado para planejamento tributário, por meio da criação de fundos menores para administrar imóveis de forma a evitar que o aluguel, por exemplo, não seja alcançado pela tributação sobre o consumo, mesmo em um regime favorecido.
Fernanda Valente
Repórter
Cristiane Bonfanti
Editora-assistente
Fabio Graner
Analista-chefe em Brasília