De acordo com os levantamentos mais recentes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), estima-se que mais de 70% das operações globais de importação e de exportação envolvam partes relacionadas. Essa particularidade dificulta a precificação das mercadorias, já que nem sempre há bases objetivas para alocação adequada das margens de geração ou de agregação de valor entre diferentes unidades da mesma empresa. Além disso, abre espaço para práticas abusivas de modulação do preço da importação e da exportação. O controle comum, afinal, permite a redução artificial da base de cálculo do imposto ou, por meio do superfaturamento, o aumento do custo aquisição do produto, com o consequente deslocamento de lucros do grupo econômico para países com tributação favorecida. A valoração aduaneira oferece os parâmetros para a redução dos efeitos dessas distorções nos tributos sobre o comércio exterior. Trata-se de matéria que, como se sabe, é disciplinada internacionalmente no Acordo de Valoração Aduaneira (AVA), incorporado ao direito brasileiro pelo Decreto Legislativo nº 30/1994, promulgado pelo Decreto nº 1.355/1994. Esse Acordo foi relevante porque, antes de sua implementação, muitos países adotavam a chamada “Definição de Valor de Bruxelas”. Nesse modelo, a base de cálculo correspondia ao “preço normal”, que consistia no valor teórico ou conceitual da mercadoria em uma venda realizada por partes independentes e em condições de livre concorrência. Sua aplicação gerou uma série de distorções, porque, além de não ser adotado por nações economicamente relevantes – como os Estados Unidos da América do Norte, Canadá e Austrália -, permitia ajustes arbitrários na base de cálculo pelas administrações aduaneiras. O AVA proporcionou um avanço no comércio internacional. De um lado, afastou a possibilidade de adoção de bases fictícias e arbitrárias. De outro, implicou uma inversão no balanço de poder entre o importador e as administrações aduaneiras. De acordo com os métodos de valoração nele previstos, não é mais o importador que deve provar a compatibilidade entre o preço pago e um valor teórico ou conceitual. O preço declarado é considerado verdadeiro, salvo quando contestado pelas autoridades aduaneiras a partir dos parâmetros objetivos, equitativos e neutros nele estabelecidos. Apesar disso, o direito brasileiro ainda não experimentou todas as potencialidades que poderiam advir da aplicação plena do AVA às operações de comércio exterior. Isso ocorreu porque, em um primeiro momento, não havia instrumentos normativos para um controle eficiente da classificação fiscal das mercadorias e da identificação do real destinatário as importações, o que, em parte, foi resolvido com a Medida Provisória nº 2.158-35/2001 e com a Lei nº 10.637/2002. Atualmente, o problema reside na falta de compreensão adequada dos objetivos e dos métodos de valoração do AVA pelos operadores do direito aduaneiro8. Em razão disso, como será examinado, casos de simples aplicação equivocada das regras de valoração (subvaloração) acabam recebendo o tratamento punitivo exacerbado da fraude de valor (subfaturamento), gerando graves distorções no comércio exterior.
Solon Sehn é Doutor e Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. Graduado pela UFPR. Professor Conferencista no Curso de Especialização em Direito Tributário do IBET (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários). Ex-Conselheiro do CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda. Advogado.