TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. NULIDADE. CRÉDITO TRIBUTÁRIO. ILICITUDE DA PROVA. ENTIDADE FILANTRÓPICA. COMPROVADA. REQUISITOS PROVENIENTES DA INTERPRETAÇÃO CONJUNTA DOS ARTIGOS 9º, IV, “C”, E 14 CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. No feito nº 2005.34.00.027701-7, a AERP postula a concessão de provimento jurisdicional que lhe reconheça o benefício da imunidade tributária, enquanto nesta parte autora pleiteia a declaração de nulidade da NFLD n. 35.806.907-6, alegando, para tanto, a observância dos requisitos legais para a manutenção da imunidade tributária. Assim, uma vez constatada a ausência de identidade de partes, causa de pedir e pedido, não há que se falar em litispendência.
2. A alegação da ré de que não participou da relação processual entabulada nos autos RCH n. 16.414, razão pela qual não poderia ser afetada pela decisão nele proferida, não se sustenta, tendo em vista os fiscais da Receita Federal e da Previdência são agentes de órgãos que integram a estrutura administrativa da União, e nessa qualidade atuam em nome do ente estatal, de modo que os efeitos das suas condutas devem ser suportados pela Administração Pública.
3. O procedimento fiscal n. 10840.002934/2005-61 que resultou na suspensão da imunidade da autora, no que se refere aos anos-calendários de 1999 a 2003, foi lastreado em prova reputada ilícita pelo Superior Tribunal de Justiça. Em momento algum a ré demonstrou que os documentos utilizados para o lançamento tributário não decorreram da prova de busca e apreensão considerada ilícita pela decisão proferida no RHC n. 16.414.
4. Quanto à alegação da ré de que a ação fiscal que resultou na constituição do crédito NFLD n. 35.806.907-6 (desmembrada da NFLD n. 35.502.668-6) resultou de uma auditoria de rotina, que teve início em 14/10/2003, com expedição de mandados de Procedimento Fiscal e Termos de Intimação para apresentação de documentos, e não da ação cautelar penal de busca e apreensão ajuizada pelo órgão do Ministério Público Federal (autos n. 2003.61.02.003308-6), não se sustenta.
5. No que se refere à questão tributária emergente de fraude (instituição gratuita de usufruto/aluguel de imóveis), nota-se que a documentação que serviu de respaldo à conclusão da fiscalização, ao contrário do sustentado pela ré, foi obtida a partir do uso da prova de busca e apreensão ilícita produzida nos autos n. 2003.61.02.003308-6.
6. Quanto à alegação de que à autora caberia identificar todos os fatos geradores e bases de cálculo da contribuição previdenciária cujo lançamento alega provir de prova ilícita igualmente não merece acolhimento, pois demonstrada nos autos que o conjunto probatório de que se utilizou a fiscalização tributária para constituir o crédito decorreu do compartilhamento de prova reputada ilícita. Assim contrariamente à alegação da apelante, ao Fisco, sim, caberia o ônus de demonstrar a licitude da prova constitutiva do lançamento tributário, fato não comprovado nos autos.
7. A alegação da ré de que desde 1999 a fiscalização da Receita Previdenciária já tinha conhecimento das fraudes contábeis e fiscais também não procede, pois aquela ação fiscalizatória apenas teve por fim averiguar o cumprimento dos requisitos de imunidade tributária, e não a realização de procedimento para fins de lançamento tributário e criminal.
8. Uma vez ilícito referido material probatório, o qual foi objeto de compartilhamento e uso pelo órgão de arrecadação, conforme restou demonstrado nos autos, torna-se irrelevante a alegação de que a Receita Federal sempre deteve o poder investigatório e o poder de colher as provas necessárias à apuração do crédito fiscal e de eventuais fatos materializados como crimes contra a ordem tributária, pois a constituição do crédito resultou de prova ilícita.
9. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 566622, ao apreciar novamente a imunidade tributária, por maioria, fixou a seguinte tese de repercussão geral: Os requisitos para o gozo da imunidade hão de estar previstos em lei complementar.
10. Depreende-se, do voto proferido pelo Eminente Ministro Marco Aurélio, que o artigo 55 da Lei nº 8.212, de 1991, prevê requisitos para o exercício da imunidade tributária, abordada no § 7º do artigo 195 da Constituição Federal, devendo, assim, ser reconhecida a inconstitucionalidade formal desse dispositivo no que ultrapassa o estabelecido no artigo 14 do Código Tributário Nacional, por descumprimento ao artigo 146, II, CF, concluindo, assim, que os requisitos impostos na parte final do referido § 7º, enquanto não editada nova lei complementar sobre a matéria, são somente aqueles indicados no artigo 14 do CTN.
11. Portanto, diante de nova orientação do STF, há somente a necessidade de verificação do cumprimento dos requisitos provenientes da interpretação conjunta dos artigos 9º, IV, “c”, e 14 do Código Tributário Nacional.
12. Na hipótese dos autos, as exigências contidas nos incisos I e II são devidamente comprovadas através do Estatuto da Autora, que ordena em seus arts. 8º e 22.
13. Quanto à exigência contida no inciso III, muito embora o MM. Juízo a quo tenha desconsiderado o depoimento da testemunha Nelson Cazarotti, auditor da Receita Federal do Brasil, que confessou a regularidade dos livros contábeis da autora, nota-se que os elementos probatórios de que se utilizou a fiscalização para afastar a referida regularidade decorreram do compartilhamento e uso da busca e apreensão, bem como da quebra do sigilo bancário. Logo, a irregularidades apontadas não podem ser aceitas, pois derivadas de material ilícito.
14. A Ação Civil Pública nº 2007.34.00.033801-1 ajuizada pelo Ministério Público Federal, visando obter a declaração judicial que reconhecesse ser a Associação de Ensino de Ribeirão Preto contribuinte obrigatória das contribuições da seguridade social, por não ser uma entidade beneficente da seguridade social, com a devida anulação do registro e dos CEBAS concedidos pelo CNAS (fls. 703/750), foi julgada extinta sem resolução do mérito.
15. A Ação Popular nº 2007.34.00.040282-2 ajuizada por uma servidora do INSS (Maria Bernadete Lima dos Santos), em face da Associação de Ensino de Ribeirão Preto, visando anular o certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS) concedido pelo CNAS à referida associação (fls. 757/782), foi julgada extinta sem resolução do mérito.
16. Os Certificados de Entidade Beneficente de Assistência Social foram lançados e renovados em todos os períodos em que aconteceram os lançamentos fiscais.
17. Os documentos comprovam que a autora cumpriu as exigências das Leis nº 8.212/91 e do art. 14 do CTN, não havendo qualquer ato legal por parte da Administração Pública para a suspensão do benefício da imunidade tributária concedido à autora.
18. No caso concreto, observo que o fato da União ter deixado de instruir a contestação com a cópia integral do procedimento administrativo que deu origem à NFLD n. 35.806.907-6, por si só, não configurou ocultação, porquanto, assim que intimada a providenciar a referida documentação, deu cumprimento à determinação judicial, sem ofertar resistência. Portanto, afasto a imposição de multa por litigância de má-fé.
19. No que se refere aos honorários advocatícios, muito embora não se desprestigie o trabalho dos advogados da autora, a fixação em 10% (dez por cento sobre) o valor da causa (R$ 95.232.914,92) revela excessivo, porquanto o desenvolvimento do feito não requereu produção de outras provas, além da documental juntada pelas partes e da testemunhal, de modo a configurar maior complexidade, tanto é que distribuída a demanda em 111/05/2009 e a prolação da sentença ocorreu em 12/08/2010. Assim, reduzo os honorários advocatícios para R$ 100.000,00 (cem mil reais), adequando-o aos parâmetros estabelecidos por esta E. Quinta Turma.
20. Apelação parcialmente provida.
(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, ApelRemNec – APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA – 1614543 – 0005854-65.2009.4.03.6102, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES, julgado em 28/03/2022, DJEN DATA:26/05/2022)