Surgem indagações com relação a um aspecto tributário da mais alta importância no que se refere à base de cálculo de tributos como a Cofins
A pandemia decorrente da covid-19 provocou, como se sabe, uma generalizada onda de renegociações nos contratos de locação comercial em nosso país. Tal fenômeno tem se verificado, especialmente, no setor do varejo.
Com a repentina e drástica redução das atividades do comércio, os empresários desse segmento passaram a sofrer com uma das mais graves crises de sua história. Em tal contexto de recessão, grande parte deles tem enfrentado dificuldades para o pagamento integral e em dia do aluguel em suas operações.
Surgem indagações com relação a um aspecto tributário da mais alta importância no que se refere à base de cálculo de tributos como a Cofins
As empresas empreendedoras de shoppings centers e boa parte das demais pessoas jurídicas que atuam no ramo da locação comercial, por sua vez, passaram a adotar medidas de gestão da crise. Nesse sentido, para evitarem a evasão e a impontualidade generalizada dos lojistas, pelo menos duas práticas têm sido verificadas: (i) descontos concedidos como “prêmio pela pontualidade”, isto é, reduções condicionadas ao pagamento em dia do aluguel mensal; e (ii) descontos concedidos por mera liberalidade do locador, sem a necessidade de verificação de qualquer condição a ser cumprida pelo locatário.
Nessas hipóteses, surgem indagações com relação a um aspecto tributário da mais alta importância no que se refere à base de cálculo de tributos como a Cofins, a saber: Os valores desses descontos deveriam ser tratados como receitas da locadora e, portanto, deveriam ser incluídos na base imponível de tal tributo? Em outras palavras, tais reduções no valor do aluguel mensal seriam considerados, para fins tributários, como descontos condicionais ou como descontos incondicionais?
A importância desses questionamentos decorre do fato de que, conforme dispõe o art. 1.º, § 3.º, V, “a”, da Lei nº 10.833/2003, os descontos incondicionais não se incluem na receita bruta da pessoa jurídica locadora. E, do ponto de vista da pessoa jurídica locatária, constituem parcela redutora do preço, também não configurando receita, razão pela qual não compõem a base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS/Cofins, IPI e ICMS das partes contratantes.
Quanto ao tema, a Receita Federal do Brasil entende que os descontos incondicionais são “parcelas redutoras do preço de venda, quando constarem da nota fiscal de venda dos bens ou da fatura de serviços e não dependerem de evento posterior à emissão desses documentos. (IN SRF n.º 51, de 8.11.1978)”
Tal entendimento é confirmado em outras manifestações do mencionado órgão fiscal, as Soluções de Consulta nº 72/2019, nº 380/2017 e nº 531/2017. De acordo com a RFB, para ser excluída da base de cálculo dos tributos federais, a redução de valor, além de ser desvinculada de evento futuro, deve ter sido concedida no momento da consumação do negócio jurídico, não depois disso.
Descontos concedidos depois de a operação econômica já ter sido realizada, não seriam chamados de “incondicionais”. Isso ainda que sua concessão tenha sido desvinculada de qualquer tipo de condição futura (vide Carf, acórdão nº 3401-004.011, de 28.9.2017).
Em face desse contexto normativo, entende-se acertado afirmar, com relação às indagações antes formuladas, o seguinte: Primeiro, no caso do chamado “prêmio pela pontualidade”, podem os contribuintes se valer, ao que tudo indica, da ideia dos chamados “créditos promocionais”, assim denominados pela Receita Federal do Brasil na Solução de Consulta nº 49 – Cosit, de 26 de fevereiro de 2015. Essa hipótese consistiria em “premiar” o lojista por meio de desconto por conta de comportamentos por ele realizados no passado, não no futuro. Ou seja, o desconto resultaria da pontualidade “já ocorrida”, não “a ocorrer”.
Em outras palavras, significa dizer que o lojista que realizar o pagamento pontual em determinado mês, ganhará, por assim dizer, um “crédito” de “x%”, que poderá ser descontado nos próximos aluguéis. Por exemplo, se o lojista pagar integralmente e pontualmente o aluguel referente à competência de certo mês, então ele terá um “crédito promocional” correspondente a, por exemplo, 50% do seu aluguel, válido por determinado período, para uso em uma fatura de aluguel futura. Em tal situação, o desconto tende a se enquadrar como sendo incondicional, o que o afastaria da tributação por locador e locatário.
Segundo, quanto ao desconto desvinculado de qualquer condição futura, mas, ainda assim, concedido após ter sido encerrado o mês em relação ao qual a cobrança se refere, deve ser levada em conta a situação de força maior que se vive atualmente. Isto é, a “liberalidade” deve ser lida, aqui, como “necessidade” de se manter viva a atividade econômica, tanto do locador quanto do locatário.
Nesse contexto, deve, a rigor, prevalecer a força normativa do princípio constitucional tributário da capacidade contributiva. Isso a fim de que seja onerado somente o “novo” valor do aluguel, vale dizer, o valor redefinido do locativo, já com o desconto devidamente abatido. O momento da concessão deste, assim como o fato de ele eventualmente não constar do contrato e/ou do boleto de cobrança devem ser circunstâncias a se deixar em segundo plano na análise do tema.
Enfim, deve se dar primazia à realidade, não à formalidade. Isso é o mais justo a fazer.
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.
Fonte: Valor Econômico – Por Cassiano Menke e Rafael Korff Wagner – 25 de junho de 2020