Há uma tendência internacional de redução da carga tributária aplicável às empresas, com o alargamento da base de cálculo.
Nas quatro fases da reforma tributária anunciada pelo governo está a reforma do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e das Pessoas Físicas (IRPF), incluindo a tributação dos dividendos pagos aos sócios.
A volta da tributação dos dividendos causa justo receio, mas antes de criticá-la deve-se analisar a dicotomia (i) tributação dos lucros aplicável à empresa, pelo IRPJ, incluindo a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), e (ii) tributação aplicável aos sócios pelo Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF e pelo IRPF.
Há uma tendência internacional de redução da carga tributária aplicável às empresas, com o alargamento da base de cálculo.
O Brasil tributa atualmente a renda das empresas a uma alíquota total de aproximadamente 34% e, desde 1996, isenta os dividendos distribuídos. A alíquota total de 34% é razoável, inclusive porque o lucro real permite diversas dedutibilidades, a exemplo do ágio pago em aquisições e juros sobre o capital próprio. Com o sistema atual, o Brasil atraiu por muitos anos investimento direto, sem que houvesse grandes críticas à tributação da renda no país.
A reforma idealizada pelo governo busca maior progressividade na tributação da renda, mas não o aumento da arrecadação total relacionada à renda empresarial.
Para atingir esse objetivo, discute-se a alteração no modelo atual de tributação do lucro concentrado na pessoa jurídica, para um modelo de tributação clássico, em que a carga tributária recai em parte na pessoa jurídica e em parte na pessoa física ou no beneficiário não residente, quando da distribuição dos lucros. Esse modelo de tributação seria ainda acompanhado de maior progressividade das alíquotas aplicáveis às pessoas físicas.
Sem dúvida, o modelo atual, de tributação concentrado na pessoa jurídica, é um modelo mais simples para evitar a dupla tributação econômica da renda e mais fácil de fiscalizar.
Em princípio, nem Fisco nem contribuinte teriam interesse em uma mudança. Entretanto, o modelo em que parte da tributação recai sobre o beneficiário do lucro empresarial proporciona maior progressividade na tributação da renda, objetivo central dessa etapa da reforma tributária.
Além disso, uma redução da tributação aplicável às pessoas jurídicas pode nos servir bem no cenário atual. Há uma tendência internacional já avançada de redução da carga tributária aplicável às empresas, com o alargamento da base de cálculo. Isso está bem claro nos relatórios de 2018 e 2019 da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre reformas tributárias. Em contrapartida às reformas que resultaram na redução do imposto sobre a renda das pessoas jurídicas, muitos países adotaram a tributação na fonte na distribuição dos dividendos, embora isso não seja uma regra aplicável a todos.
Na Europa encontramos vários países que recentemente reduziram a alíquota aplicável à pessoa jurídica. A Inglaterra passou a adotar uma alíquota de 19%, e outros países europeus já operam em patamares de 20% a 25%.
Nas Américas, onde estão grandes parceiros comerciais do Brasil, a tendência de redução da alíquota do imposto de renda das empresas vem sendo adotada rapidamente.
A principal reforma dos últimos anos ocorreu nos Estados Unidos que, a partir de 2018, passou a adotar uma alíquota de 21%. Essa reforma passou a ser vista com bastante cuidado na América Latina, e a Argentina recentemente anunciou a redução da alíquota do imposto de renda da pessoa jurídica para 30% e 25% a partir de 2021, com tributação na fonte dos dividendos pagos. O Chile, de forma parecida, estabeleceu uma alíquota de 27%, com uma sistemática de tributação na distribuição. Onerar lucros não distribuídos em um momento de recuperação empresarial no pós-covid 19 pode ser prejudicial à competitividade do país Sem dúvida, existem dificuldades para a migração do modelo de tributação concentrado nas pessoas jurídicas para o modelo clássico. Uma delas é a calibragem das alíquotas aplicáveis às pessoas jurídicas e físicas, que traduza equidade entre os contribuintes e, principalmente, que não represente aumento da atual carga tributária total.
Outra observação é que a maior parte dos Tratados para Evitar a Dupla Tributação celebrados pelo Brasil limitam o IRRF ao percentual máximo de 15%. Alguns tratados preveem alíquotas máximas ainda menores, de até 10%, sob certas condições. Assim, na calibragem de alíquotas, dificilmente fará sentido uma alíquota de IRRF superior a 15%.
Ademais, será necessário um olhar atento às normas para conter abusos. Os tratados mais recentes celebrados pelo Brasil já possuem cláusulas antiabusivas recomendadas pela OCDE, mas as regras sobre Distribuição Disfarçada de Lucros e outras deverão ser aprimoradas.
Em conclusão, com o devido cuidado, é possível mudarmos para o modelo clássico de tributação da renda, com parte da tributação alocada à distribuição dos dividendos.
Embora o retorno a esse modelo de tributação possa parecer retrógrado, ele está atualmente mais alinhado com o modelo de tributação sobre a renda vigente internacionalmente. Além disso, o modelo viabiliza a maior progressividade da tributação sobre a renda pretendida pelo governo brasileiro em sua proposta de reformas. Mas para ser viável e positivo ao ambiente de negócios no Brasil, é necessário que a proposta de tributação de dividendos seja aprovada em conjunto com a redução substancial da alíquota aplicável às pessoas jurídicas.
FONTE: Valor Econômico – Por Simone Dias Musa
9 de setembro de 2020