A incerteza quanto ao tratamento jurídico adequado não é uma característica exclusiva do Brasil, consistindo em um fenômeno global.
O mercado de criptomoedas tem crescido de forma significativa no Brasil e no mundo. Inicialmente impulsionadas pela visão de que o sistema financeiro tradicional demandaria meios de pagamento mais fáceis de desenvolver e acessar, as moedas virtuais se difundiram com rapidez como investimentos especulativos.
Hoje, mais conhecidas, estão se tornando progressivamente convencionais e seu crescimento tem sido exponencial, embora o seu valor continue a flutuar significativamente.
A incerteza quanto ao tratamento jurídico adequado não é uma característica exclusiva do Brasil, consistindo em um fenômeno global.
Em sentido contrário, a sua regulação jurídica ainda é incipiente, acarretando insegurança aos operadores, nas diferentes modalidades existentes no mercado (p.ex.: mineração, permuta, venda, arbitragem e corretagem).
Especificamente no que se refere à qualificação jurídica das criptomoedas e a sua repercussão tributária, a primeira ponderação que deve ser feita é a de que a incerteza quanto ao tratamento jurídico adequado não é uma característica exclusiva do Brasil, consistindo em um fenômeno efetivamente global, conforme demonstrado em recente publicação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (www.oecd.org/tax/taxpolicy/taxing-virtual-currencies-an-overview-of-tax-treatments-and-emerging-taxpolicyissues.htm).
Esse estudo consolidou dados recebidos de mais de 50 países (incluindo o Brasil), com o escopo de identificar o atual tratamento tributário conferido às criptomoedas no âmbito dessas jurisdições, sob a ótica da tributação da renda, do consumo e da propriedade.
Ao constatar que o tratamento das criptomoedas varia significativamente entre os países – por razões de política fiscal ou diferença de qualificação jurídica – ressalta-se a importância de promover a uniformidade no plano internacional, de forma que os países direcionem a regulação da matéria em suas legislações de maneira coerente com o mercado global, conferindo segurança jurídica aos contribuintes.
Segundo a OCDE, os países adotam diferentes abordagens para categorizar as criptomoedas: a maioria as classifica como ativos intangíveis, alguns as consideram como commodities ou instrumentos financeiros, e uma minoria adota uma abordagem diferente e as considera como moedas estrangeiras fiduciárias (p.ex: Itália) ou como “representação digital de valor” (p.ex: Polônia).
Hoje, no Brasil, as criptomoedas não são consideradas como moeda pelo Banco Central, tampouco como valor mobiliário pela CVM, o que já foi reconhecido pelo STJ no Conflito de Competência nº 161.123, em 2018.
Apesar da inércia na regulação da matéria, a crescente relevância das operações com criptomoedas fez com que a Receita Federal acenasse para maior fiscalização em torno desse mercado.
Para tanto, editou a Instrução Normativa RFB nº 1.888/19 para instituir às intermediadoras (exchanges) o dever de prestar informações relativas às operações realizadas com criptoativos.
Porém, ainda não houve propriamente a veiculação de um ato normativo efetivamente destinado à qualificação jurídica das criptomoedas no Brasil.
Até o momento, o que se verifica é o entendimento da Receita Federal do Brasil no canal “Perguntas e Respostas da DIRPF 2020” (Pergunta nº 445), destinado às pessoas físicas, que as equipara a “ativos financeiros”.
Contudo, essa classificação não decorre de previsão normativa, trata-se, apenas, de orientação da Receita Federal do Brasil às pessoas físicas, almejando enquadrar as criptomoedas como um bem passível de declaração e tributação.
Enquanto a indefinição do tratamento jurídico perdura, naturalmente algumas questões práticas têm surgido e gerado debates. É o caso da classificação contábil adequada às criptomoedas e a sua relação com a tributação.
A esse respeito, a OCDE afirma que embora na maioria dos casos as criptomoedas sejam classificadas como ativos intangíveis, o International Financial Reporting Interpretations Committee (IFRIC) observa que devem ser contabilizadas como “estoque” – de acordo com o IFRS IAS 2 – quando mantidas para venda no “curso normal dos negócios”. Isso se aplicaria, sobretudo, para brokers e traders de criptomoedas.
Sob a ótica tributária, de fato o tratamento adequado para a venda de ativos para investimentos e que possuam fins especulativos no curso normal dos negócios deve compor o resultado operacional da empresa.
Aqui vale a ressalva de que a mera classificação contábil não possui o condão de determinar o tratamento tributário aplicável. Trata-se, inegavelmente, de elemento relevante por refletir a essência econômica do ativo para a empresa, mas que não dispensa a análise legal tributária.
Assim, é importante alertar que ainda que promovidos avanços na regulação contábil das criptomoedas, é imprescindível a sua efetiva regulação pela legislação tributária, prevenindo-se assim um descompasso que pode vir a acarretar possíveis controvérsias e contingências.
Por ora, diante da insegurança jurídica que caracteriza a tributação das operações com criptomoedas no Brasil, é fundamental a análise caso a caso dos seguintes elementos: a pessoa do contribuinte (física/jurídica); o regime de tributação adotado; e a natureza jurídica da operação a ser realizada. Uma análise cuidadosa desses elementos pode mitigar a exposição a riscos tributários.
Valor Econômico – Por João Paulo Maia Krepel e Lucas M. de Aguiar, 16/12/2020.