As comunidades quilombolas venceram mais um embate contra as cobranças milionárias de Imposto Territorial Rural (ITR) dos terrenos onde vivem. O Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, em Brasília, decidiu ontem a favor da isenção, em um primeiro julgamento de mérito.
O caso julgado envolve a terra quilombola das Cabeceiras, localizada na zona rural do município de Óbidos, no Pará. A comunidade foi surpreendida com a cobrança de valores de ITR, referentes aos anos de 2007, 2008 e 2009. A dívida é de aproximadamente R$ 1 milhão, em valores de 2013.
Outras comunidades também sofreram cobranças de ITR. Em um caso pendente de julgamento no TRF, os quilombolas da região de Abaetetuba, a 55 quilômetros de Belém (PA), discutem uma dívida de mais de R$ 15 milhões. A sentença foi favorável aos quilombolas.
Nos processos de execução contra as comunidades quilombolas, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) argumenta que a Lei do ITR (Lei nº 9.393, de 1996) não inclui as terras quilombolas entre as isentas do imposto e pede a penhora de bens das comunidades – no caso, a própria terra. O órgão, porém, reconhece que não deveria cobrar o imposto das comunidades e para solucionar o problema editou um parecer para tentar encerrar a cobrança.
Contudo, no decorrer dos processos, houve a edição da Lei nº 13.043, de 2014, que alterou a norma do ITR e isentou os quilombolas, ao classificar seus territórios como “terras públicas”. A partir disso, eles teriam a posse, mas não propriedade, ou seja, não podem vender essas terras. A mesma norma cancelou cobranças inscritas na dívida ativa, bem como a cobrança de multas pelo não pagamento sofridas por essas comunidades. Porém, ainda assim a Fazenda Nacional tem recorrido nesses processos.
Ao analisar o caso da comunidade do Pará, a 8ª Turma do TRF foi unânime a favor dos quilombolas. Os desembargadores entenderam pela plena validade da lei que deu a isenção. Ainda cabe recurso (processo nº 0072595-60.2013.4.01.3400). A decisão confirmou sentença proferida em junho de 2016.
Segundo o advogado Francisco Carlos Rosas Giardina, do Bichara Advogados, escritório que atua de forma pro bono nesses dois casos, a Lei nº 13.043 “só veio explicitar o que era óbvio”, no sentido de que essas terras são isentas de ITR. O artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), acrescenta, já assegurou a titularidade dessas terras aos remanescentes quilombolas, o que foi depois melhor regulamentado pelo Decreto nº 4.887, de 2003.
Pela regulamentação, há, nesses casos, um direito de propriedade absolutamente singular, uma vez que os quilombolas não podem vender seus terrenos e existem restrições de exploração de suas terras.
Além dessas peculiaridades, Giardina afirma que, “ainda que não fossem imunes, os quilombolas não teriam capacidade contributiva para pagar esses tributos”. Para ele, o julgamento no TRF representa uma reafirmação dos seus direitos pela questão cultural e histórica relacionada aos quilombos.
Para o advogado Carlos Roberto Siqueira Castro, do Siqueira Castro Advogados, a decisão do TRF é “um precedente importante”. “Temos áreas remanescentes de quilombolas em vários sítios do território brasileiro”, diz. O entendimento, acrescenta, está correto porque a Lei nº 13.043, de 2014, é muito clara com relação à isenção.
Siqueira Castro destaca ainda que a regulamentação que tratou da demarcação e regularização desses terrenos (Decreto nº 4.887, de 2003) já foi declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em caso que ele atuou de forma pro bono, como advogado da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Procurada pelo Valor, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não deu retorno até o fechamento da edição.
Por Adriana Aguiar | De São Paulo
Fonte : Valor-12/02/2019