O Órgão Especial do Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região, no Rio de Janeiro, negou pedido da Fazenda Nacional e manteve decisão do vice-presidente, desembargador Messod Azulay Neto, para liberar a tramitação dos processos sobre a exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins. Esse entendimento permite que as ações em andamento no tribunal sejam encerradas.
É importante para as empresas porque, com o trânsito em julgado, podem habilitar na Receita Federal os valores aos quais têm direito – em decorrência do que foi pago a mais em PIS e Cofins ao governo – e usar tais créditos para quitar tributos.
O vice-presidente do TRF começou a liberar, no mês de abril, a tramitação desses processos. As ações estavam travadas desde dezembro, quando havia a expectativa de julgamento, no Supremo Tribunal Federal (STF), dos embargos de declaração da União contra a decisão que excluiu o ICMS do cálculo do PIS e da Cofins.
Esse recurso estava previsto para ir a julgamento no dia 5 de dezembro. Mas o caso entra e sai da pauta. Foi retirado da sessão poucos dias antes, por uma decisão do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, que resolveu dar preferência a questões governamentais no fim do ano.
Uma nova data depois foi prevista: 1º de abril. E, mais uma vez, não se concretizou e a questão, até agora, não voltou para a pauta dos ministros. Foi por esse motivo que o vice-presidente do TRF da 2ª Região decidiu liberar o andamento das ações. Desde abril, transitaram em julgado pelo menos 19 processos.
Um dos casos com decisão do vice-presente, no entanto, teve recurso da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e, por esse motivo, a discussão chegou ao Órgão Especial – a última instância do tribunal.
A PGFN pedia para que o processo permanecesse suspenso até o julgamento dos embargos de declaração. Essa solicitação também foi feita, no mês de maio, à ministra Cármen Lúcia, relatora do caso no STF (RE 574706). O pedido, neste caso, no entanto, era pela suspensão nacional, ou seja, de todos os processos que tratam do tema em todos os tribunais regionais. Até hoje, não teve resposta.
O Órgão Especial do TRF tratou pela primeira vez do assunto. A decisão não tem efeito vinculante, foi proferida a um caso específico, mas servirá como precedente para outros processos semelhantes.
“Acreditamos que o Órgão Especial manterá esse entendimento para outros agravos internos que venham a ser interpostos pela União”, diz Leonel Pittzer, sócio do escritório Fux Advogados, que atuou para a empresa envolvida no processo julgado pelo TRF (nº 0031051-64.2017.4.02.5101).
A decisão foi unânime. Todos os julgadores seguiram o entendimento do relator, desembargador Messod Azulay Neto. “A jurisprudência amplamente majoritária dos tribunais superiores é cristalina no sentido de que a existência de precedente firmado pelo Plenário do STF autoriza o julgamento imediato de causas que versem sobre o mesmo tema, independente da publicação ou do trânsito em julgado do paradigma”, afirma no voto.
Segundo levantamento feito pela advogada Raquel Delvecchio, que também atua no escritório Fux, os tribunais da 1ª, 4ª e 5ª Regiões também vêm negando seguimento aos recursos apresentados pela União.
O TRF da 3ª Região, com sede em São Paulo, vinha fazendo o mesmo até o mês de maio, quando, por uma decisão da vice-presidente, a desembargadora Consuelo Yoshida, mudou de entendimento e passou a suspender a tramitação dos processos.
Ela diz que decisões recentes nesse mesmo sentido foram proferidas por ministros do STF. Ela cita o RE 1229510, de setembro de 2019, o RE 1212746 e o RE 1238731, ambos do mês de outubro, e o RE 1237357, de janeiro deste ano. São decisões dos ministros Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.
Consuelo Yoshida afirma, no entanto, que caso o Plenário do STF decida-se contra o sobrestamento, “a vice-presidência fará o exame de admissibilidade dos recursos extraordinários”.
A União tenta, por meio dos embargos de declaração, reduzir o impacto financeiro da decisão do STF para os cofres públicos – estimado em R$ 250 bilhões. O recurso foi apresentado em outubro de 2017, sete meses depois da decisão do plenário pela retirada do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins, e, desde lá, está pendente de julgamento.
No recurso, a Fazenda Nacional pede para que a decisão seja aplicada apenas para o futuro (modulação de efeitos), o que evitaria o reembolso, por parte da União, de valores já pagos pelos contribuintes. E questiona sobre qual ICMS deve ser retirado do cálculo do PIS e da Cofins – se o que consta na nota fiscal ou o efetivamente recolhido, geralmente menor e que, consequentemente, geraria menos créditos para as empresas.
“Isso, na prática, vai fazer toda a diferença nas ações que discutem esse tema”, diz o procurador Paulo Mendes, que coordena a atuação da PGFN no STF. “Em razão disso, nós vemos com bastante preocupação essas decisões dos TRFs porque vão acabar proporcionando a formação de coisa julgada e uma coisa julgada extremamente frágil, que depois da decisão do Supremo poderá ser desconstituída por meio de ação rescisória”, acrescenta.
Mendes chama a atenção ainda que os próprios ministros do STF estão sobrestando os recursos extraordinários que tratam da exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins – a exemplo do que fundamentou a desembargadora Consuelo Yoshida, do TRF da 3ª Região, o único dos regionais que mantém o andamento desses processos suspenso.
Valor Econômico – Por Joice Bacelo – 2 de setembro de 2020