A Justiça começou a analisar processos de multinacionais contra condenações no Conselho Administrativo de recursos Fiscais (Carf), após a deflagração da Operação Zelotes, por uso indevido das regras de preço de transferência. Em um deles, concedeu liminar a uma companhia estabelecida em São Paulo. A decisão é do desembargador Marcelo Saraiva, da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região (SP e MS).
A Receita Federal impõe a aplicação das regras do preço de transferência em negócios realizados entre empresas brasileiras e suas vinculadas no exterior para evitar o envio de lucro para fora do país – o que reduziria o Imposto de Renda (IR) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) a pagar.
Após a Zelotes, já com a atual composição de conselheiros, a Câmara Superior do Carf pacificou entendimento contrário às empresas, a favor da aplicação da Instrução Normativa (IN) da Receita Federal nº 243, de 2002. As companhias alegam, porém, que a IN extrapolou a Lei nº 9.430, de 1996, a Lei do Preço de Transferência. Afirmam que, ao dispor sobre o método do preço de revenda menos lucro (PRL), a instrução normativa limita o valor que pode ser usado para a redução do imposto.
Após perder a discussão em todas as instâncias do Carf, a multinacional resolveu propor na Justiça um mandado de segurança, com pedido de liminar. “Buscamos o reconhecimento da ilegalidade da IN. Comprovamos que a diferença – entre o cálculo pela lei e o feito com base na IN – seria de R$ 18 milhões, valor que a companhia poderia deduzir do cálculo do IRPJ”, afirma Marcelo Annunziata, do escritório Demarest Advogados, que representa a empresa no processo.
Na decisão (processo nº 0014709-97.2004.4.03.6105), o desembargador garante “à demandante a utilização dos critérios de apuração do preço de transferência pelo método PRL, conforme ditames do artigo 18 da Lei nº 9.430, de 1996, com a redação da Lei nº 9.959, de 2000, até a edição da Lei nº 12.715, de 17 de setembro de 2012”.
Segundo o advogado Marcelo Rocha, também do Demarest Advogados, a liminar é uma das primeiras concedidas a favor do contribuinte sobre decisão do novo Carf a respeito de preço de transferência. “Muitos outros casos semelhantes devem chegar ao Judiciário”, afirma.
Um dos argumentos mais relevantes apresentados ao Judiciário, de acordo com Rocha, foi o princípio da legalidade – pelo fato de uma IN não poder criar novidade que não consta em lei. Como em 2012, a Lei nº 12.715 estabeleceu o mesmo conteúdo da IN 243, o advogado alegou também que o governo federal estaria confessando a ilegalidade da instrução normativa ao editar a nova lei.
Com a liminar, a empresa conseguiu a certidão de regularidade fiscal, sem precisar apresentar garantia para discutir a questão no Judiciário, segundo Annunziata. Contudo, ainda cabe recurso contra a decisão.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) recorrerá por meio da interposição do recurso de agravo de instrumento no TRF. Por nota, o órgão afirma que a fórmula da IN 243 é a que mais adequadamente reflete os objetivos das metodologias dos preços de transferência. “Revela-se como o método mais realista para a determinação de um preço a ser praticado em transação entre partes não relacionadas, isto é, atendendo-se ao princípio segundo o qual não se pode negar a legalidade da IN”, afirma na nota.
O advogado Alexandre Siciliano, do escritório Lobo & De Rizzo, também prevê que outros processos do mesmo tipo devem chegar ao Judiciário. “As brigas de grandes valores sobre preço de transferência discutem essa mesma tese”, afirma. No Judiciário, o tributarista acredita que as chances das empresas vencerem são altas. “Em geral, os juízes se apegam muito à legalidade formal do texto da lei e a IN extrapola a lei.”
Siciliano afirma que deve entrar com uma ação judicial no mesmo sentido em breve. “A liminar poderá ser mencionada no processo. Mas a discussão só deverá terminar no STJ [Superior tribunal de Justiça]”, diz.
Esse é o segundo tema julgado contra o contribuinte pelo novo Carf que chega ao Judiciário. Em setembro, pela primeira vez, a Justiça analisou uma autuação fiscal por uso de ágio interno, dando vitória à Fazenda Nacional. A decisão é da 3ª Turma do TRF da 3ª Região.
Fonte: Valor-02/03/2018
Por Laura Ignacio | De São Paulo