O crescente desenvolvimento de novas tecnologias trouxe à realidade jurídica inúmeras atividades que escapam aos conceitos tradicionais utilizados pela legislação federal, estadual e municipal para incidência tributária.
Com isso, temos acompanhado nos últimos tempos a edição de atos normativos pelas autoridades fiscais buscando justamente tributar essa crescente fonte de riquezas que são as novas tecnologias e operações digitais.
Especificamente com relação à cobrança do ICMS sobre as novas tecnologias, os Estados buscaram, por meio da edição de Convênio e Decretos, ampliar as hipóteses de incidência do imposto estadual.
Nesse sentido, espera-se que o ano de 2019 seja marcado por relevantes julgamentos relacionados à tributação da economia digital. No Supremo Tribunal Federal (“STF”), por exemplo, tramitam atualmente seis processos (Ações Diretas de Inconstitucionalidade – “ADINs’ e Recursos Extraordinários) que tratam sobre a tributação de operações digitais pelo ICMS ou pelo ISS.
Antes mesmo do STF analisar o assunto, entretanto, é possível que o Tribunal de Justiça de São Paulo (“TJSP”) o faça, e também de forma vinculante para todos os contribuintes do Estado.
Isso porque, ao final de 2018, foi submetida à Corte Especial do Tribunal demanda semelhante às que tem sido discutidas no STF sobre a tributação de bens digitais pelo ICMS. Nesse julgamento, a Corte Especial do TJSP examinará a incidência do ICMS sobre as operações de licenciamento de software por meio de transferência eletrônica de dados (download ou streaming), conforme previsto pelo Convênio ICMS nº 106/17 e internalizado, no Estado de São Paulo, pelo Decreto nº 63.099/17.
A competência da Corte Especial do TJSP para analisar a constitucionalidade de leis e atos administrativos de âmbito estadual vem do artigo 97 da Constituição Federal (“CF/88”) e da Súmula Vinculante nº 10 do STF, que tratam da chamada regra da “reserva de plenário”, segundo a qual somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
No caso em específico, o contribuinte ajuizou mandado de segurança para afastar, liminar e definitivamente, a cobrança do ICMS sobre as operações de licenciamento de software por meio de transferência eletrônica de dados (download ou streaming).
Os principais argumentos apresentados foram: (i) a inconstitucionalidade do Convênio ICMS nº 106/17 do Decreto Estadual nº 63.099/17, dado à determinação do artigo 146 da CF/88, que estabelece que cabe à lei complementar legislar sobre aspectos da incidência tributária; (ii) o fato de que a Lei Complementar nº 87/96 (lei Kandir), que trata sobre o contribuinte e a definição de estabelecimento responsável para fins de determinação do local de ocorrência do fato gerador do ICMS, não prevê a incidência do imposto estadual sobre operações com bens digitais com transferência eletrônica de dados; e (iii) o fato de que tanto o Decreto Estadual nº 63.099/17 quanto o Convênio ICMS nº 106/17 não possuem força de substituir a Lei Complementar na função de definir o local de ocorrência do fato gerador do ICMS ou o contribuinte do imposto.
As decisões de primeira instância no caso específico foram desfavoráveis ao contribuinte. O Relator do processo no TJSP, o Desembargador Borelli Thomaz (que já havia deferido a antecipação de tutela recursal do contribuinte, para afastar a cobrança do ICMS provisoriamente), decidiu que a solução da controvérsia demandaria a análise da constitucionalidade dos atos questionados, de modo que deveria ser instaurado o incidente de inconstitucionalidade e os autos remetidos à Corte Especial do TJSP.
É importante destacar que a definição quanto à constitucionalidade do Convênio ICMS nº 106/17 do Decreto Estadual nº 63.099/17 pela Corte Especial do TJSP possui enorme impacto nas discussões sobre a incidência do ICMS em operações com bens e mercadorias digitais.
Isso porque juízes e tribunais vinculados ao TJSP ficariam vinculados à decisão da Corte Especial, conforme determinação expressa contida no artigo 927, V, do Código de Processo Civil (“CPC”), o que significa que futuras cobranças de ICMS com base naqueles dispositivos dependerá substancialmente do resultado do julgamento dessa arguição.
Por se tratar de assunto de grande repercussão social, a Corte Especial do TJSP poderá aceitar o ingresso de terceiros interessados na disputa na forma de amicus curiae (amigos da corte), que podem apresentar memorais e fazer sustentações orais para defender sua orientação sobre o tema.
Assim, o incidente de inconstitucionalidade instaurado no TJSP é uma oportunidade importante para empresas do setor de tecnologia da informação e comunicação contribuírem para o desfecho dessa controvérsia, garantindo que seus interesses e a preocupação do setor sejam ouvidos pelos julgadores do caso.
Vale destacar que o Governador do Estado de São Paulo e o Procurador Geral do Estado, bem como a União Federal, já foram intimados a prestarem esclarecimentos nos autos do processo, dada a relevância e repercussão do tema sob controvérsia.
Como mencionado, espera-se que o ano de 2019 seja marcado pela disputa entre o fisco e contribuintes no que se refere à tributação de bens digitais. E a rápida e efetiva resolução dessas questões é muito importante para trazer segurança jurídica ao lançamento de novos produtos, desenvolvimento desses negócios no Brasil e até mesmo para aumentar o número de transações de fusões e aquisições e outros tipos de investimentos.
Por:
ANA CAROLINA CARPINETTI
BRUNO LORETTE CORRÊA
ANA CAROLINA CARPINETTI – Advogada. Graduada pela Universidade de São Paulo e Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. Especialização em Administração de Empresas pela FGV/SP. Integrante do Pinheiro Neto Advogados.
BRUNO LORETTE CORRÊA – integrante de Pinheiro Neto Advogados.
Fonte: JOTA-04/02/2019.