SENTENÇA
Processo Digital nº: 1000230-69.2023.8.26.0535
Classe – Assunto Procedimento Comum Cível – Obrigações
Requerente: Sociedade Beneficente Nossa Senhora do Desterro
Requerido: Fazenda Pública do Estado de São Paulo
Tramitação prioritária
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Cristiano Cesar Ceolin
Vistos.
Adotando os termos do relatório de folhas 795/799, os quais passo a utilizar
na elaboração desta sentença, sigo a partir daquele momento fls. 799, 1º Parágrafo.
A decisão de folhas 795/799, determinou a abertura de vista ao Ministério
Público para manifestação.
O Ministério Público em seu parecer opinou pela procedência do pedido na
inicial, confirmando a tutela de urgência concedida (fls. 804/809).
Os autos vieram conclusos.
É o sucinto relatório.
Fundamento e decido.
Passo ao julgamento antecipado do mérito, nos termos do art. 355, I, do
Código de Processo Civil, pois, em se tratando de matéria exclusivamente de direito e
estando os fatos devidamente demonstrados nos autos, é desnecessária a dilação probatória.
A pretensão deduzida é procedente.
Trata-se de ação ordinária com pedido de tutela de urgência na qual a autora,
a Associação Beneficente Nossa Senhora do Desterro (Hospital e Maternidade Mairiporã),
pugna pela declaração de inexigibilidade da apresentação da Certidão de Regularidade do
FGTS (fundo de Garantia por Tempo de Serviço), Certidão Negativa de Débitos relativa a
tributos Estaduais/Federais, Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas que permitam a
autora dar continuidade no andamento administrativo para a contratação dos convênios
estaduais, para se evitar a consumação de dano gravíssimo relacionado ao não repasse de
verbas destinadas aos atendimentos do SUS, o que poderá culminar na suspensão de
atendimentos de saúde.
Com efeito, a autora é entidade filantrópica, sem fins lucrativos, que temcomo objetivo a prestação de serviços de assistência à saúde, serviço essencial.
A Associação Beneficente Nossa Senhora Do Desterro (Hospital e
Maternidade Mairiporã) realiza diversos atendimentos pelo Sistema Único de Saúde,
serviço fundamental que abrange não só o município de Mairiporã, mas também os
Municípios vizinhos, sendo os recursos provenientes dos contratos, convênios e
instrumentos congêneres celebrados com o Poder Público Estadual a sua principal fonte de
renda, uma vez que o atendimento médico-hospitalar é realizado exclusivamente aos
usuários do Sistema Único de Saúde (SUS).
A saúde é direito fundamental, o qual pode ser ofendido no caso do
cumprimento irrestrito da legislação, que exige a apresentação de certidões negativas para
que as entidades privadas sem fins lucrativos possam contratar com o poder público,
devendo ser feito um juízo de ponderação entre a necessidade do atendimento da
regularidade fiscal e a assistência aos usuários do SUS, os quais fatalmente serão
prejudicados sem o repasse da verba pública, já que a autora pode não ter mais condições
de manter-se e de prestar atendimento à população carente.
O artigo 25 da Lei Complementar nº 101/2000 disciplina que:
“Art. 25. Para efeito desta Lei Complementar, entende-se por
transferência voluntária a entrega de recursos correntes ou de capital
a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou
assistência financeira, que não decorra de determinação
constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde.
- 1o São exigências para a realização de transferência voluntária,
além das estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias:
I – existência de dotação específica;
II – (VETADO)
III – observância do disposto no inciso X do art. 167 da Constituição;
IV – comprovação, por parte do beneficiário, de:
- a) que se acha em dia quanto ao pagamento de tributos, empréstimos
e financiamentos devidos ao ente transferidor, bem como quanto à
prestação de contas de recursos anteriormente dele recebidos;
- b) cumprimento dos limites constitucionais relativos à educação e à
saúde;
- c) observância dos limites das dívidas consolidada e mobiliária, de
operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, de
inscrição em Restos a Pagar e de despesa total com pessoal;
- d) previsão orçamentária de contrapartida.
- 2º É vedada a utilização de recursos transferidos em finalidade
diversa da pactuada.
- 3º. Para fins da aplicação das sanções de suspensão de
transferências voluntárias constantes desta Lei Complementar,
excetuam-se aquelas relativas a ações de educação, saúde e
assistência social.
Verifica-se que a jurisprudência tem decidido pela aplicação analógica do
disposto no art. 25, § 3º, da Lei de Responsabilidade Fiscal no que diz respeito a
transferências voluntárias entre entes da Federação às entidades filantrópicas.
Nesse sentido vem decidindo o E. TJ/SP:
“Ação ordinária. Regularidade fiscal para celebração de
convênios. Inexigibilidade para entidade privada semfins lucrativos atendendo a pacientes do SUS. Vigência
que se dá ao artigo 25, § 3º da Lei Complementar nº
101/2000. Exigência afastada em relação a
transferências pertinentes a ações de saúde.
Precedentes. Recurso desprovido”. (TJSP; Apelação
Cível 1037516-83.2023.8.26.0114; Relator (a): Borelli
Thomaz; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito
Público; Foro de Campinas – 3ª Vara da Fazenda
Pública; Data do Julgamento: 29/04/2024; Data de
Registro: 29/04/2024).
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – Decisão que concedeu
tutela de urgência para determinar à Municipalidade a
manutenção dos repasses de verbas oriundas do Sistema
Único de Saúde, decorrentes da Lei Complementar nº
197/2022, independentemente da apresentação das
certidões exigidas no artigo 6º-B, III, do Decreto nº
6170/2007 – Insurgência da agravante – Pendência de
débito com o sistema de seguridade social que constitui
impeditivo à percepção de incentivos fiscais e
creditícios, considerados os termos do artigo 195, §3º,
da Constituição Federal – Decisão reformada – Agravo
Provido”. (TJSP; Agravo de Instrumento
2328961-38.2023.8.26.0000; Relator (a): Luiz Sergio
Fernandes de Souza; Órgão Julgador: 7ª Câmara de
Direito Público; Foro de Guarujá – Vara da Fazenda
Pública; Data do Julgamento: 11/03/2024; Data de
Registro: 11/03/2024).
“ENTIDADE FILANTRÓPICA SEM FINS
LUCRATIVOS – ATENDIMENTO MÉDICO E
HOSPITALAR – CONVÊNIOS – REGULARIDADE
FISCAL – Pretensão de afastamento da exigência de
comprovação de regularidade fiscal para fins de
celebração de convênios com repasse de verbas obtidas
mediante emendas parlamentares – Pedido julgado
procedente – Insurgência do Estado – Descabimento – Aplicação, por analogia, da inteligência do artigo 25, §
3º, da Lei Complementar nº 101/2000 – Entidade que é o
único estabelecimento hospitalar conveniado ao SUS do
Município de Birigui – Direito à saúde – Garantia
fundamental – Inteligência do artigo 196, da
Constituição Federal – Precedentes do STJ e deste
Tribunal de Justiça” – Sentença mantida. RECURSODESPROVIDO. (TJSP; Apelação Cível
1003354-76.2023.8.26.0077; Relator (a): Maria
Fernanda de Toledo Rodovalho; Órgão Julgador: 2ª
Câmara de Direito Público; Foro de Birigui – 3ª Vara
Cível; Data do Julgamento: 06/02/2024; Data de
Registro: 06/02/2024).
“APELAÇÃO. Ação de Procedimento Comum c/c
Obrigação de Fazer. Preliminar de falta de interesse
recursal afastada. Associação filantrópica, gestora de
hospital que atende majoritariamente pelo SUS, busca
manutenção, renovação e efetivação de novos convênios
com a Administração Pública, mesmo sem a Certidão
Negativa de Débitos (CND), devido a dificuldades
financeiras e atrasos na regularização fiscal causados
por obstáculos administrativos. Tutela de urgência
concedida, permitindo a continuidade dos convênios e o
recebimento de verbas públicas, fundamentada na
essencialidade dos serviços de saúde prestados pela
autora e na proteção ao direito à saúde, conforme art.
196 da Constituição Federal. Exigência de regularidade
fiscal deve ser mitigada para entidades filantrópicas que
prestam serviços de saúde ao SUS, com base no art. 25,
- 3º, da Lei Complementar nº 101/2000 e na Lei nº
14.035/2020, que asseguram a continuidade das ações
de saúde em face de dificuldades fiscais. Sentença
mantida. Precedentes. RECURSO DESPROVIDO”.
(TJSP; Apelação Cível 1001180-38.2022.8.26.0495;
Relator (a): Paulo Cícero Augusto Pereira; Órgão
Julgador: 3ª Câmara de Direito Público; Foro de Registro
– 1ª Vara; Data do Julgamento: 29/07/2024; Data de
Registro: 29/07/2024).
Em que pese haver também o débito trabalhista, a exigência de apresentação
das certidões negativas de débitos federais relativos ao Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço – FGTS – prejudicaria consideravelmente a continuidade do desenvolvimento das
funções exercidas pela entidade autora, ante a falta de repasses de verbas necessárias ao
exercício de suas atividades essenciais, circunstância que trará prejuízos a, certamente, umdos serviços públicos mais importantes desenvolvidos pelo Poder Público: a saúde.
Assim, em verdadeira ponderação de valores, entendo que as exigências de
caráter fiscal (que, aliás, não se nega sejam muito relevantes para a garantia do equilíbrio
fiscal do erário público) não podem ser sobrepostas ao desenvolvimento de atividades
essenciais e de interesse público geral como a prestação dos serviços de saúde, cuja
interrupção ou intermitência diante da eventual escassez de recursos econômicos traria
indubitável e grave prejuízo à população local e regional, beneficiada pelos serviços
prestados pela autora, que atua em notória parceria com o Poder Público.
Logo, considerando que direito à saúde é é direito essencial, a exigência de
regularidade fiscal deve ser excepcionada no caso em tela.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial deduzido por
Associacão Beneficente Nossa Senhora do Desterro (Hospital e Maternidade
Mairiporã), em desfavor da Fazenda Publica do Estado de São Paulo para confirmar a
tutela de urgência (fls. 752/755) que determinou que a Ré promova o cadastramento da
Autora independentemente da apresentação de certidões negativas estaduais e federais
fiscais, bem como de regularidade do FGTS.
Condeno a Ré, isenta de custas (art. 6º da Lei n. 11.608/2003), ao
pagamento de honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% do valor atribuído à causa.
A verba honorária deve ser atualizada pela tabela prática, a partir da data do ajuizamento
da demanda (enunciado de Súmula n. 14, do C. STJ).
Ficam as partes cientes, desde logo, que a oposição de embargos de
declaração fora das hipóteses legais e/ou manifestamente protelatórios sujeitará a
imposição da multa prevista pelo artigo 1.026, §2º, do Código de Processo Civil.
Em caso de interposição de recurso de apelação, mantenho a presente
sentença por seus próprios fundamentos. Desta forma, desde já declino de exercer o juízo
de retratação. Advirta(m)-se que nos termos do artigo 1.010, §3º, do Código de Processo
Civil, não cabe ao juízo de primeiro grau o juízo de admissibilidade (análise de preparo,
tempestividade), intimando-se a parte contrária por seu(s) advogado(s) para contrarrazões,
nos termos do artigo 1.010, §1º e 2º, do Código de Processo Civil, no prazo de 15 dias.
Em decorrido o prazo para apresentação das contrarrazões, certifique a
Serventia, e remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Oportunamente, arquivem-se os autos, observadas as formalidades.
Publique-se, intime-se e se cientifique.
Mairiporã, 29 de outubro de 2024.