O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) poderá impedir o Estado de cobrar ICMS sobre software comercializado por meio de transferência eletrônica, o que inclui download, streaming e nuvem. Os 25 desembargadores do Órgão Especial vão analisar, no próximo dia 14, a constitucionalidade do Decreto estadual nº 63.099, de 2017, que determina a incidência do imposto.
O Estado cobra 5% de ICMS. Porém, as empresas alegam que já pagam ISS pela atividade – no município de São Paulo, por exemplo, corresponde a 2,9%. Pela Lei Complementar nº 106, de 2003, deve-se cobrar ISS sobre licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação.
Apesar das diversas decisões favoráveis aos contribuintes, especialistas afirmam que não há como prever como o Órgão Especial julgará o tema. Várias empresas obtiveram liminares, mas apenas no fim de julho o tribunal paulista concedeu uma decisão de mérito sobre o tema, que beneficia o contribuinte (processo nº 1015243-75.2018.8.26.0053).
Por unanimidade, a 5ª Câmara de Direito Público do TJ-SP foi favorável ao Sindicato das Empresas de Processamento de Dados e Serviços de Informática do Estado de São Paulo (Seprosp), que possui três mil associadas. A entidade atua como “amicus curiae” (parte interessada) no processo que será julgado pelo Órgão Especial.
Para tributaristas, a decisão do TJ-SP é importante porque pode apontar a tendência do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação ao tema. Está para entrar na pauta da Corte uma ação referente ao ICMS sobre software, ajuizada em 1999 (ADI 1945) – depende apenas do ministro Dias Toffoli. No Supremo também tramita uma ação da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) contra autorização do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) para a incidência de ICMS na transferência eletrônica (ADI 5958).
Foi a partir do Convênio do Confaz nº 106, de 2017, que Estados como São Paulo, Goiás, Ceará, Paraíba, Amazonas e Piauí editaram normas para cobrar ICMS sobre o software disponibilizado por download, streaming ou nuvem.
O Órgão Especial do TJ-SP – formado pelo presidente, os 12 desembargadores mais antigos e os 12 eleitos – analisará o Decreto nº 63.099 no julgamento de arguição de inconstitucionalidade da Cassiopae Brasil, multinacional de softwares de gestão de ativos financeiros (nº 0047908-29.2018.8.26. 0000). A empresa havia proposto mandado de segurança para evitar a cobrança do ICMS.
Segundo o representante da Cassiopae no processo, o advogado Gilberto Castro Batista, do escritório Efcan Advogados, a 13ª Câmara de Direito Público do TJ-SP concedeu liminar à empresa. Contudo, como a argumentação baseia-se na Constituição, o processo foi encaminhado para o Órgão Especial.
“Somente a maioria dos integrantes do colegiado pode determinar a inconstitucionalidade de uma lei estadual”, afirma o advogado. O entendimento deverá ser aplicado pelos demais magistrados do tribunal em casos similares.
No mandado de segurança, Batista alega que o decreto ofende os artigos 146 e 155 da Constituição. Esses dispositivos dizem caber à lei complementar definir a incidência do ICMS. “Ao fazer isso por decreto, há violação do princípio da legalidade”, afirma.
Parecer do Ministério Público do Estado de São Paulo foi parcialmente favorável ao pedido da Cassiopae. O órgão entende que parte do decreto é inconstitucional por permitir a incidência do ICMS sobre operações que podem estar no âmbito do ISS.
Por meio de nota, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) informa que o posicionamento atual do STF é o de que o ICMS incide nas operações com softwares disponibilizados por transmissão eletrônica. “A respeito do Convênio ICMS 106/17 e do Decreto estadual 63.099/17, ambos não inovam na ordem jurídica e não invadem competência legislativa reservada à lei complementar, estando de acordo com a Lei Complementar 87/96”, diz. A PGE acrescenta que vem obtendo decisões favoráveis em primeira instância.
De acordo com Ricardo Godói, sócio do Godói & Zambo Advogados Associados e representante jurídico do Seprosp, será ótimo ter uma decisão favorável do Órgão Especial porque a jurisprudência do TJ-SP será pacificada. “Mas como o Órgão Especial é formado por desembargadores de câmaras de direito público e privado, que tratam de direito empresarial, criminal, entre outros assuntos, não sabemos o que prevalecerá”, afirma.
Vice-presidente da Confederação Nacional de Serviços (CNS), o empresário Luigi Nese diz que, por depender do ICMS, os Estados foram buscar arrecadação no “S” do imposto. “Por isso criaram essa alternativa de cobrança sobre o programa de computação, que na verdade é serviço puro”, afirma. Para Nese, as empresas, integrantes do setor que representa 70% do PIB do país, não podem pagar dois impostos (ICMS e ISS) sobre a mesma base tributária.
A tributarista Ana Monguilod, sócia do PGLaw, elogia a decisão de mérito do TJ-SP. “Se a empresa não recolhe o tributo com base em uma liminar e esta perde o efeito, não tem como repassar o ônus e cobrar dos consumidores finais o tributo que deixou de ser cobrado lá atrás”, diz.
Contudo, para Ana, a solução não virá do Judiciário, mas sim da reforma tributária. Ela lembra que nos anos 90 o STF decidiu que software de prateleira é mercadoria e, em 2011, que este deveria ser tributado mesmo se adquirido por download. “Esse antigo drama está sendo cada vez mais agravado pelos tribunais.
FONTE: Valor Econômico –7 de agosto de 2019
Por Laura Ignácio