A polêmica regra de desempate de julgamentos em tribunais administrativos tributários passará por nova prova. Desta vez, pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). A cúpula máxima da Corte deve definir, amanhã, se é constitucional o mecanismo usado no Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) paulista, que julga os recursos de empresas contra autuações fiscais por débitos de ICMS.
Atualmente, R$ 128 bilhões estão em discussão no TIT, em 7.156 processos. Lá a regra atual delega aos presidentes das câmaras a definição do caso, quando há empate no julgamento.
O questionamento surge porque o TIT – assim como grande parte dos tribunais administrativos que julgam questões tributárias – é formado por número igual de representantes dos contribuintes e do Fisco. Adota o voto de qualidade para decidir casos controversos, dando às presidências das Câmaras – normalmente ocupada por um juiz fazendário – o direito a voto extra em caso de empate.
O processo que será analisado envolve a empresa Textil Rossignolo. Pela regra de desempate, a empresa perdeu uma disputa no TIT sobre a exigência de ICMS porque um fornecedor de mercadoria foi declarado inidôneo – tema que, segundo advogados, polariza o tribunal. Mas se o TJ-SP derrubar o chamado voto de qualidade, a decisão servirá de precedente para outras empresas pedirem a anulação de julgamentos definidos da mesma forma.
Além disso, dizem advogados, pode iniciar um movimento de revisão da regra adotada em tribunais administrativos de outros municípios e Estados, como os do Rio de Janeiro e de Minas Gerais.
No Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) – que julga exigências de tributos federais – a regra do voto de qualidade já foi afastada. A Lei nº 13.988, editada no ano passado, inverteu o jogo. Determinou, no artigo 19-E, que, em caso de empate no julgamento, a decisão terá que ser a favor do contribuinte.
Isso inseriu no campo tributário a lógica do direito penal, do “in dubio pro réu” (na dúvida, favorável ao réu). O dispositivo, porém, foi contestado e está sob julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Por enquanto, há um voto favorável e outro contrário aos contribuintes (ADI 6399, 6403 e 6415).
O advogado Sidney Stahl, que representa a Textil Rossignolo no processo, afirma que o debate sobre o assunto, em São Paulo, surgiu na esteira do Carf. “Antes, ninguém tinha discutido”, diz.
Segundo Stahl, o princípio da imparcialidade previsto no artigo 37 da Constituição Federal é violado quando se dá o direito a voto duplo a um julgador. “Não há julgamento justo seja a favor ou contra o contribuinte”, diz o tributarista, sócio do RSZM Advogados.
Em São Paulo, o voto de qualidade está previsto no artigo 61 da lei do processo administrativo tributário (nº 16.498, de 2017). Estabelece que “em caso de empate, prevalecerá o voto de qualidade do Presidente da Câmara”. É esse dispositivo que será analisado pelos desembargadores do Órgão Especial paulista (processo nº 00338216320218260000).
Para a Procuradoria Geral do Estado (PGE) de São Paulo, a regra é válida. O órgão chama a atenção para o fato de, no TIT, metade das câmaras julgadoras serem presididas por juízes contribuintes. Na Câmara Superior, a presidência é ocupada por um representante da Fazenda. “A presidência e vice-presidência do tribunal, da Fazenda e do contribuinte, respectivamente, assegura, mesmo na Câmara Superior, a paridade e isonomia”, afirma.
Ainda segundo a PGE, em caso de decisão do TJ-SP contrária à Fazenda, a aplicação será feita caso a caso. Não será possível, de acordo com a procuradoria, limitar os efeitos da decisão (modulação) porque o julgamento não é vinculante para todos.
O Ministério Público do Estado (MPE) de São Paulo sustentou que o voto de qualidade é inconstitucional. Para o órgão, o peso a mais ao voto do presidente elimina a paridade e gera “desequilíbrio de forças”, além de arranhar a neutralidade do julgamento. “De maneira que o presidente não deve votar senão para desempate”, defendeu, em parecer, o subprocurador-geral de Justiça, Wallace Martins Junior.
A derrubada do voto de qualidade não é consenso entre advogados tributaristas. Ex-julgador do Conselho Administrativo de Recursos Tributários de Belo Horizonte, Leonardo Varella, pondera que o modelo é escolha do legislador. “Pode ser aprimorado, mas não vejo inconstitucionalidade”, diz o sócio do escritório Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados.
Ex-juiz do TIT e do Conselho Municipal de Tributos (CMT) de São Paulo, Alexandre Monteiro, sócio do Bocater Advogados, entende que o voto do presidente deveria ser de minerva. Segundo ele, decisão do TJ-SP contra o voto de qualidade pode forçar a aplicação do artigo 112 do Código Tributário Nacional (CTN). Assim, em caso de empate, as penalidades aplicadas – multa de ofício de 75% ou 150% – ficariam afastadas, também do valor principal do auto de infração. “Essa argumentação vai crescer”, diz Monteiro.
Valor Econômico – Por Bárbara Pombo, 16/11/2021.