Pelo mesmo prazo, a decisão também determina a suspensão da exigibilidade das obrigações acessórias correlatas, sem a incidência de penalidades.
Na esteira de decisões sobre a postergação de pagamento de tributos em decorrência da covid-19, uma empresa conseguiu uma liminar no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) para suspender por 60 dias o pagamento de IPTU, além de ISS.
Advogados consideram a decisão inédita na Corte.
Na 14ª Câmara de Direito Público do TJ-SP, a relatora, desembargadora Mônica Serrano, concedeu liminar favorável a uma empresa de comunicação (Agravo de Instrumento nº 2067266-72.2020.8.26.0000). A empresa pedia no processo que o adiamento durasse enquanto perdurar a situação de calamidade pública.
O pedido foi indeferido em primeira instância. Ao recorrer, a companhia alegou que não pleiteia moratória, esta sim dependente de previsão legal, mas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário com base no “poder geral de cautela do magistrado” (artigo 151, inciso IV e artigo 139, inciso IV e artigo 297 do Código de Processo Civil).
Ao analisar o caso, a magistrada entendeu haver elementos para conceder a liminar “considerando-se o momento de extrema gravidade enfrentado em razão da pandemia do covid-19, a fim de possibilitar à empresa fôlego financeiro para enfrentar o porvir, com o fito de salvaguardar sua existência, evitando-se o desemprego de seus colaboradores e demais prejuízos de difícil reparação, com consequências adversas à toda comunidade”.
Para a desembargadora, ainda que isso “possa implicar aparente perda para o Fisco, o que se pretende com a medida ora deferida são ganhos sociais mais efetivos, à medida que a manutenção do empreendimento implicará significativa manutenção de empregos, movimentação da economia, manutenção da saúde financeira de fornecedores, entre inúmeros outros ganhos, imprescindíveis para o enfrentamento desta crise sem precedentes”.
A decisão ainda acrescentou que está em vigor no Município de São Paulo o Decreto nº 59.326, de 2020, que estabelece medidas para a redução do impacto social e econômico decorrente das providências de restrição adotadas para o enfrentamento da pandemia. E que, nos artigos 2°, 3° e 4° há a previsão de suspensão por 60 dias, do envio de débitos inscritos em Dívida Ativa, para fins de lavratura de protestos e a suspensão, por 30 dias, da inscrição de débitos em Dívida Ativa, bem como a suspensão por 90 dias da inclusão de pendências no Cadastro Informativo Municipal (Cadin).
Além do IPTU e ISS, a magistrada determinou a suspensão da exigibilidade das obrigações acessórias correlatas pelo prazo de 60 dias, sem a incidência de penalidades.
Para o advogado Bruno Sigaud, do Sigaud Advogados, a decisão “é a primeira e a única, por enquanto, que temos notícia no âmbito do TJ-SP envolvendo ISS e IPTU”.
Para ele, a decisão levou em consideração que a postergação momentânea de pagamento de tributos é ferramenta hábil para manutenção do funcionamento das empresas, auxiliando diretamente a população.
“Ao contrário do que têm sustentado alguns juízes de primeira instância, que alegam que a postergação de tributos retiraria do poder público verbas importantes ao combate da covid-19, o TJ-SP acertadamente reconheceu que é necessário observância ao princípio da preservação da empresa em um momento de crise como o atual”, diz.
Além disso, Sigaud ressalta ser notório que os municípios brasileiros têm acesso a diversas outras fontes financeiras para o combate ao covid-19 que não só o recolhimento de impostos como, por exemplo, recursos transferidos dos governos estaduais e federal e a obtenção de doações de entidades privadas, como já está sendo feito. “Também vale ressaltar que a União Federal já permitiu a rolagem da dívida dos Estados e municípios, razão pela qual se afigura precedente a postergação de tributos municipais enquanto linha de raciocínio a ser trilhada”.
Para o advogado Diogo Ferraz, do Freitas Leite Advogados, a decisão parece acertada, pelo menos em relação àquelas empresas em que se pode presumir, pelas suas atividades, que tenham sofrido impactos especialmente severos em decorrência do isolamento social. “Se os entes públicos estão conseguindo adiar o vencimento das suas dívidas, não faz sentido que os particulares não tenham o mesmo direito”, diz.
Ferraz afirma desconhecer decisões semelhantes, mas que elas devem se multiplicar em breve. Sobretudo se for mantida a proibição de funcionamento de certos estabelecimentos, como os shopping centers, em que os custos do IPTU são sempre muito significativos.
Procurada pelo Valor, a Prefeitura de São Paulo informou por nota que, por meio da Procuradoria-Geral do Município, já apresentou recurso da decisão e aguarda apreciação da Justiça.
Fonte: Valor Econômico – 23 de abril de 2020