Processo nº: 1088551-71.2023.8.26.0053
Classe – Assunto Procedimento do Juizado Especial da Fazenda Pública – IPVA – Imposto Sobre Propriedade de Veículos Automotores
Requerente: José Mauro Souza da Silva
Requerido: Fazenda Pública do Estado de São Paulo
Prioridade Idoso
Juiz(a) de Direito: Dr(a). JULIANA BRESCANSIN DEMARCHI MOLINA
Vistos.
JOSÉ MAURO SOUZA DA SILVA ajuizou ‘ação declaratória de isenção do
IPVA c.c repetição de indébito’ contra a FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO.
Dispensado o relatório, na forma do art. 38, caput, Lei nº 9.099/95 c.c art. 27 da
Lei nº 12.153/09.
Fundamento e decido.
O feito comporta julgamento no estado em que se encontra, tendo em vista que as
alegações formuladas pelas partes permitem a prolação da sentença, independentemente da
produção de outras provas, na forma do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil.
Por essa razão, rejeito a preliminar de incompetência do Juízo, pois se trata de
pedido cuja matéria prescinde de dilação probatória e dispensa produção de prova complexa.
Além disso, o cerne da pretensão da parte autora não se funda na existência de
grau diverso de deficiência diverso do constado no exame pericial realizado pelo IMESC, e sim
na antijuricidade da distinção entre graus de deficiência para fins da concessão da isenção.
Superada a preliminar, estando presentes as condições da ação e pressupostos
processuais, passo ao julgamento do feito. No mérito, o pedido é procedente.
Trata-se de demanda em que a parte autora pretende, em síntese, isenção do
IPVA de forma permanente sobre o veículo descrito na inicial, sob o fundamento de que tem
diagnóstico de deficiência comprovada e de que seu carro está dentro do teto legal.
Com efeito, a Lei Estadual nº 17.293/2020 e o Decreto Estadual nº 65.337/2020
alteraram o tema relativo à isenção de IPVA à pessoa com deficiência, com a instituição de nova
condição para concessão de isenção em relação ao único veículo, de propriedade de pessoa com
deficiência.
Não obstante, o Órgão Especial do E. Tribunal de Justiça, em Arguição de Inconstitucionalidade nº 0012427-97.2021.8.26.0000, reconheceu que o ato normativo que revoga um benefício fiscal anteriormente concedido configura aumento indireto do tributo, estando, com isso, sujeito ao princípio da anterioridade tributária, senão vejamos:
“ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. Artigo 13, inciso III, da Lei Estadual n.º 13.296, de 23 de dezembro de 2008, na redação dada pela Lei n.º 17.293, de 15 de outubro de 2020, que reduziu o alcance de isenção do IPVA na hipótese de pessoa com deficiência. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA ANTERIORIDADE ANUAL E NONAGESIMAL. Legislação que revogou parcialmente isenção tributária, o que pode ser feito a qualquer momento, desde que observados os princípios constitucionais tributários. Inexistência de direito adquirido à isenção. Princípios da anterioridade anual e nonagesimal que se aplicam ao IPVA, por força de disposição constitucional. Inadequação da Súmula vinculante 50, pois não se trata, no caso, de disposição sobre o recolhimento do tributo, mas, antes, sobre o próprio nascimento da obrigação tributária principal. Revogação de isenção que equivale à majoração de tributo, conforme reconhece o E. STF, razão pela qual deve observar os princípios constitucionais tributários. Lei que passou a viger na data de sua publicação. Efeitos imediatos que implicaram revogação incontinenti do benefício na hipótese de aquisição de veículo novo. Ofensa, ademais, à anterioridade nonagesimal, posto que, contados os 90 dias a partir da publicação da lei revogadora, o prazo ultrapassa a datado fato gerador aplicável à hipótese, que, no caso de propriedade de veículos usados, ocorre no dia 1º de janeiro de cada ano. Inconstitucionalidade parcial do dispositivo legal, sem redução de texto, a fim de que sua aplicação observe os princípios da anterioridade anual e nonagesimal. Inconstitucionalidade por arrastamento, nos mesmos termos do 4º do Decreto n.65.337, de 7 de dezembro de 2020, no trecho em que dispõe sobre a isenção de IPVA para veículos de propriedade de pessoas com deficiência. Arguição de inconstitucionalidade acolhida.” (TJSP; Incidente De Arguição de Inconstitucionalidade Cível 0012427-97.2021.8.26.0000; Relator (a): Moacir Peres; Órgão Julgador: Órgão Especial; Foro de Fernandópolis – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 01/09/2021; Data de Registro: 20/09/2021).
Por sua vez, a atual redação do art. 13-A da Lei Estadual nº 13.296/2008, aplicável ao caso concreto, assim dispõe:
“Artigo 13-A – Fica assegurado o direito à isenção do IPVA para um
único veículo de propriedade de pessoa portadora de transtorno do
espectro do autismo em grau moderado, grave ou gravíssimo, ou com
deficiência física, sensorial, intelectual ou mental, moderada, grave ou
gravíssima, ou de seu representante legal, na forma e nas condições
estabelecidas em ato do Poder Executivo. (Redação dada ao artigo
pela Lei nº 17.473, de 16-12-2021; DOE 17-12-2021; efeitos a partir
de 1º de janeiro de 2022)
- 1º – A concessão do direito de que trata o “caput” deste artigo fica
condicionada à comprovação do grau moderado, grave ou gravíssimo
de deficiência ou de transtorno do espectro do autismo, aferido em
avaliação biopsicossocial, realizada, para esse fim, por equipe
multiprofissional e interdisciplinar, de acordo com instrumentos
previstos em ato do Poder Executivo, devendo a avaliação considerar:
1 – os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo;
2 – os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais;
3 – a limitação no desempenho de atividades; e
4 – a restrição de participação.
- 2º – O direito previsto no “caput” deste artigo poderá ser concedido
às pessoas com grau leve de deficiência ou de transtorno do espectro
do autismo que se encontrem, nos termos do regulamento, em situação
de excepcional restrição à participação social, aferida nos termos do §
1º deste artigo.
- 3º – Enquanto não estiver regulamentada a avaliação
biopsicossocial, na concessão da isenção prevista neste artigo, será
considerada a avaliação da deficiência nos termos e nas condições
estabelecidas em ato do Poder Executivo.
- 4º – A isenção aplica-se:
1 – a veículo:
- a) novo, cujo preço de venda ao consumidor sugerido pelo fabricante,
incluídos os tributos incidentes, não seja superior ao previsto em
convênio para a isenção do Imposto sobre Operações Relativas à
Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de
Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação ICMS
nas saídas destinadas a pessoas com deficiência, observado o limite de
valor da isenção concedida ao ICMS;
- b) usado, cujo valor de mercado constante da tabela de que trata o § 1º
do artigo 7º desta lei não seja superior ao previsto no convênio
mencionado na alínea “a” deste item, observado o limite de valor da
isenção concedida ao ICMS;
2 – somente aos veículos em situação regular, na data da ocorrência do
fato gerador, quanto às obrigações relativas ao registro e
licenciamento;
3 – às hipóteses de arrendamento mercantil.
- 5º – O veículo objeto da isenção deverá ser conduzido pelo
beneficiário, por seu tutor ou curador, ou por terceiro devidamente
autorizado por um deles, na forma e condições estabelecidas em ato do
Poder Executivo.
- 6º – Detectada fraude na obtenção da isenção, o valor do imposto,
com os respectivos acréscimos legais e relativo a todos os exercícios
isentados, será cobrado do beneficiário ou da pessoa que tenha
apresentado declaração falsa em qualquer documento utilizado no
processo de concessão da isenção.
- 7º – As isenções concedidas, especialmente aquelas que forem objeto de denúncia de fraude, serão auditadas na forma e condições estabelecidas em ato do Poder Executivo.”
Sobre o tema, confira-se a regulamentação da citada Lei, dada pelo Decreto Estadual nº 65.337/2020, que alterou o artigo 4º do Decreto Estadual nº 59.953/2013:
Artigo 4°- A isenção do Imposto sobre a Propriedade de Veículos
Automotores – IPVA poderá ser concedida, em cada caso, por
despacho da autoridade administrativa em requerimento com o qual o
interessado comprove o preenchimento das condições e o cumprimento
dos requisitos, nas seguintes hipóteses:
I – um único veículo, de propriedade de pessoa com:
- a) deficiência física severa ou profunda que permita a condução de
veículo automotor especificamente adaptado e customizado para sua
situação individual;
- b) deficiência física, visual, mental, intelectual, severa ou profunda, ou
autista, que impossibilite a condução do veículo;”
Nessa linha de intelecção, a isenção foi condicionada à comprovação do grau
moderado, grave ou gravíssimo de deficiência ou de transtorno do espectro do autismo, aferido
em avaliação biopsicossocial (§1º).
Editou-se, na sequência, o Decreto Estadual n.º 66.470/2022, para viabilizar a
concessão do benefício enquanto não regulamentada a referida avaliação biopsicossocial.
Pela análise do Decreto nº 66.470/2022, observa-se que a avaliação
biopsicossocial foi substituída, essencialmente, por dever de entregar documentos de
identificação da pessoa que pleiteia o benefício e do veículo a ele relacionado, bem como dever
de comprovação da existência da deficiência, o que se dá, como regra, mediante submissão a
perícia pelo Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo – IMESC, da Secretaria
da Justiça e Cidadania, com emissão de laudo pericial.
Consta, ainda, nos artigos 1º e 2º da Disposição Transitória do Decreto Estadual
nº 66.470, de 01/02/2022, com as alterações feitas pelo artigo 2º do Decreto Estadual n.º 67.108,
de 13/09/2022, que também alterou a nomenclatura do até então “artigo único” para “artigo 1º”,
a possibilidade de substituição do laudo pericial acima descrito por aquele que instruiu a
concessão da isenção de IPVA para os exercícios de 2020 ou 2021:
“Artigo 1º – “Fica suspenso o pagamento do IPVA relativo ao exercício
de 2022 de um único veículo pertencente a pessoa com deficiência ou
com transtorno do espectro do autismo que teve a isenção reconhecida
ou concedida pela Secretaria da Fazenda e Planejamento para os
exercícios de 2020 ou de 2021, no prazo e nas condições estabelecidas
em resolução do Secretário da Fazenda e Planejamento, conforme
autorizado pelo artigo 49-A da Lei nº 13.296, de 23 de dezembro de
2008.
Parágrafo único. A suspensão prevista no “caput” deste artigo poderá
ser aplicada, também, a veículo novo adquirido ou a ser adquirido no
exercício de 2022 por pessoa com deficiência ou com transtorno do
espectro do autismo, no prazo e nas condições estabelecidas em
resolução do Secretário da Fazenda e Planejamento, conforme
autorizado pelo artigo 49-A da Lei nº 13.296, de 23 de dezembro de
2008.
Artigo 2º – Para fins de concessão da isenção do IPVA relativo aos
exercícios de 2022 e 2023 de um único veículo pertencente a pessoa
com deficiência ou com transtorno do espectro do autismo, o
documento previsto no inciso II do “caput” do artigo 1º deste decreto
poderá ser substituído pelo laudo que instruiu a concessão da isenção
para os exercícios de 2020 ou 2021.”
Também, devem ser observados os artigos 1º e 2º da Resolução da Secretaria da
Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo SFP nº 5, de 02/02/2022:
“Art. 1º – Fica suspenso o pagamento do Imposto sobre a Propriedade
de Veículos Automotores – IPVA relativo aos exercícios de 2022 e de
2023 de um único veículo pertencente a pessoa com deficiência ou com
transtorno do espectro do autismo que teve a isenção reconhecida ou
concedida pela Secretaria da Fazenda e Planejamento para os
exercícios de 2020 ou de 2021″. (Redação dada ao artigo pela
Resolução SFP-81/22, de 26-12-2022; DOE 27-12-2022).
Art. 2º – “Para fins de concessão da isenção do IPVA relativo ao
exercício de 2022 seguintes, a pessoa com deficiência ou com
transtorno do espectro do autismo deverá apresentar novo pedido à
Secretaria da Fazenda e Planejamento, instruído com os documentos
previstos no artigo 1º do Decreto nº 66.470, de 1º de fevereiro de 2022.
1º – “O pedido de que trata o “caput” deverá ser protocolado até 28 de
fevereiro de 2023. (Redação dada ao parágrafo pela Resolução SFP-81/22, de 26-12-2022; DOE 27-12-2022).”
Conclui-se, portanto, que a isenção pretendida está condicionada à comprovação
do grau de deficiência ou de transtorno do espectro do autismo, aferido em avaliação
biopsicossocial.
No entanto, enquanto não estiver regulamentada a avaliação biopsicossocial, a
isenção deverá ser solicitada à Secretaria da Fazenda e Planejamento por meio de pedido
instruído com laudo pericial emitido pelo IMESC, além dos documentos descritos nos incisos I e
III a XI do art. 1º, do Decreto nº 66.470/2022, podendo o referido laudo do IMESC ser
substituído pelo laudo que instruiu a concessão da isenção para os exercícios de 2020 ou 2021,
conforme previsão contida no artigo 2º, das Disposições Transitórias do Decreto Estadual nº
66.740/2022, acrescentado pelo Decreto Estadual nº 67.108/2022.
No caso em apreço, a perícia do IMESC de fls. 79-96 concluiu pela existência de
deficiência em grau moderado quanto à parte autora, muito embora aquela de fls. 12-29 tenha
encontrado deficiência de grau leve.
Houve, portanto, reconhecimento do equívoco na primeira avaliação
biopsicossocial do caso pela própria Administração Pública, de modo que foi indevida a
exigência de pagamento do IPVA dos exercícios de 2022 e seguintes.
Assim, conforme os dispositivos regulamentares supracitados, faz mesmo jus à
isenção, tendo em vista que ela é concedida para deficiências em grau moderado, grave, ou
gravíssimo, tudo conforme a Lei nº 13.296/2008, artigo 13-A, caput e § 3º, e Decreto nº
66.470/2022, artigo 1º, II.
E nem se argumente que a apresentação dos documentos comprobatórios da
deficiência foi extemporânea, tendo em vista que a isenção tributária em comento tem natureza
declaratória, e a eventual inobservância do prazo não tem o condão de obstar reconhecimento do
direito.
Logo, a procedência do pedido é medida de rigor.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido deduzido na inicial e extinto
o feito, com resolução do mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC, para DECLARAR a
isenção tributária a que faz jus parte autora, referente ao IPVA do veículo descrito na inicial,
desde o exercício de 2022, enquanto for proprietária do bem.
Custas e honorários indevidos, na forma do artigo 55 da Lei nº 9.099/95.
Em caso de recurso inominado (prazo de 10 dias), à parte não isenta por lei, nem
beneficiária da justiça gratuita, deverão ser recolhidas custas (1,5% sobre o valor da causa mais
4% sobre o valor da condenação), verificando-se condenação ilíquida, parcial ou ausência de
condenação, a parcela de 4% deverá ser calculada com base no valor da causa, observado o
mínimo de 5 UFESPs para cada parcela.
O peticionamento DEVERÁ ser categorizado corretamente como “RECURSO
INOMINADO”, ficando o advogado ciente de que o peticionamento no sistema SAJ de forma
aleatória ou classificada como “petição intermediária” causará tumulto nos fluxos digitais,
comprometerá os serviços afetos à Serventia e ocasionará indevido óbice à celeridade processual,
ao princípio constitucional do tempo razoável do processo.
Transitada em julgado, arquivem-se os autos, com as cautelas de praxe.
P.R.I.C.
São Paulo, 27 de maio de 2024