Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
21ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 – Porto Alegre/RS – CEP 90110-906
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5082610-43.2021.8.21.0001/RS
TIPO DE AÇÃO: ITBI – Imposto de Transmissão Intervivos de Bens Móveis e Imóveis
RELATOR: DESEMBARGADOR ARMINIO JOSE ABREU LIMA DA ROSA
APELANTE: EBRS PARTICIPAÇOES E ADMINISTRAÇÃO LTDA. (IMPETRANTE)
APELADO: SECRETARIO DA RECEITA MUNICIPAL – MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE – PORTO ALEGRE (IMPETRADO)
APELADO: MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE (IMPETRADO)
RELATÓRIO
A sentença assim resumiu controvérsia e ´principais fatos processuais:
“EBRS PARTICIPAÇOES E ADMINISTRAÇÃO LTDA impetrou Mandado de Segurança contra ato do Secretário da Fazenda e Administração – MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE – Porto Alegre e MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE RS.
Narra a impetrante que, diante da integralização do capital social de três imóveis (matrículas nº: 106.712, 106.573, 105.665), correspondente a sua 3ª Alteração Contratual, e de outros cinco imóveis (matrículas nº: 170.234, 170.239, 170.240, 170.241 e 170.250), em relação a 4ª Alteração Contratual, tendo sido reconhecida a imunidade em caráter resolutório.
Entretanto, por meio dos processos administrativos instaurados, o Fisco Municipal concluiu pela incidência do mencionado imposto, indeferindo imunidade tributária, sob o argumento “Diante de todo o exposto, conclui-se que a empresa EBRS – Participações e Administração Ltda, CNPJ 05.413.352/0001-92, não faz jus à imunidade pleiteada. Durante o período analisado, as receitas operacionais da requerente foram todas oriundas da locação de seus imóveis, conforme pode ser extraído dos demonstrativos contábeis apresentados. Além disso, o objeto social da empresa faz referência à exploração do ramo imobiliário. Assim, por apresentar unicamente receitas operacionais de atividade imobiliária, que são excluídas do gozo do benefício pela legislação vigente, não há como ser reconhecida a imunidade de forma definitiva para a transmissão em tela. Pelo exposto, proponho o INDEFERIMENTO do pedido de imunidade do ITBI e a lavratura do Auto de Lançamento, tendo em vista o disposto no art. 6º, inciso IV e §5º da LC 197/89.”.
Assim, a administração municipal lavrou os Autos de Lançamentos n. 7827.00/2021 e 8212.00/2021.
A impetrante requer, liminarmente, a suspensão da exigibilidade do ITBI, nos termos do artigo 151, V do CTN, cobrado por meio dos autos de lançamentos nº 7827.00/2021 e 8212.00/2021, vinculados aos processos administrativos nº 001.107441.15.2.00000 e nº 001.105623.16.4.00000, até o julgamento definitivo, bem como, no mérito, a garantia da imunidade tributária na integralização dos imóveis.
Indeferida a petição inicial, sob a fundamentação de ausência de direito líquido e certo (Evento 10). Interposta a apelação (Evento 18) e apresentadas as contrarrazões (Evento 30), o Egrégio Tribunal de Justiça desconstituiu a sentença, determinando a apreciação da liminar pleiteada e o devido processamento ao writ.
Deferida a liminar em razão do depósito integral do crédito tributário (Evento 49).
Intimada, a autoridade coatora prestou informações aduzindo que a impetrante não comprovou a atividade preponderante desenvolvida, razão pela qual teve negada a imunidade buscada. Disse que foram lavrados Autos de Lançamento nº 7827.00/2021 e 8212.00/2021, não tendo a impetrante presentado reclamações fiscais (Evento 66).
O Ministério Público opinou pela concessão da segurança (Evento 69).”
A que se seguiu disposição de negativa da segurança:
“Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a ação, com base no art. 487, inciso I, do CPC e art. 1º da Lei nº 1.533/51, e DENEGO a segurança e revogo a liminar deferida.”
Daí a apelação assim sumariada no parecer ministerial:
“Trata-se de recurso de apelação interposto por EBRS Participações e Administração LTDA., inconformada com a respeitável sentença que, nos autos do mandado de segurança com pedido liminar impetrado pela recorrente contra ato coator do Secretário da Receita Municipal do Município de Porto Alegre, foi proferida nos seguintes termos: Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a ação, com base no art. 487, inciso I, do CPC e art. 1º da Lei nº 1.533/51, e DENEGO a segurança e revogo a liminar deferida. CONDENO o impetrante ao pagamento das custas e despesas processuais. Sem honorários advocatícios, nos termos do artigo 25 da Lei nº 12.016/2009. (…) – Processo n. 50826104320218210001, Evento 78, SENT1 (sentença mantida em decisão constante de Evento 94, DEPADEC1 que rejeitou os embargos de declaração manejados pelo ora apelante).
A impetrante, em razões de apelo constantes de Evento 104, APELAÇÃO1, dos autos originários, de início, atenta para a tempestividade e para o preparo do recurso.
A seguir, empreende suma dos fatos que circundam o feito. Aduz, em preliminar, que a sentença se mostra nula porque não foi analisado o Tema n. 796 do STF (Recurso Extraordinário n. 796.376), indispensável ao deslinde da controvérsia, violando, assim, os arts. 93, inc. IX, da CF/88 e 489, §1º, incs. IV e V, do CPC.
Assevera que, segundo o tema citado, em caso de integralização do imóvel pelo sócio, a imunidade do ITBI é automática, não cabendo verificar a atividade preponderante da empresa e mesmo outros requisitos não previstos na legislação. Cita o art. 985 do CPC, referindo que o tema tem observância obrigatória pelos Tribunais.
Argumenta que, declarada a nulidade da decisão, o TJRS deve analisar, nos termos do art. 1.013, §3º, inc. IV, do CPC, o mérito da ação. Consigna que a sentença deve ser desconstituída e, ato contínuo, conferida a imunidade constitucional do ITBI.
Alega que há imunidade plena no caso de integralização de capital com imóveis, conforme o Recurso Extraordinário n.796.376 (Tema n. 796 do STF), não havendo necessidade de comprovar a atividade preponderante. Aponta o art. 156, §2º, inc. I, da CF/88 e o art. 6º, inc. IV, do CTM (LC n. 197/89).
Afirma que a legislação tributária aplicável ao caso define que a imunidade de ITBI deve ser concedida quando ocorrer: a) a transmissão de bem imóvel para formação do capital social da pessoa jurídica; e b) a transmissão mediante fusão, incorporação, cisão ou extinção da pessoa jurídica, desde que a atividade preponderante não seja a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.
Informa que o STF, ao julgar o Tema n. 796, definiu o alcance da imunidade tributária do ITBI (art. 156, §2º, inc. I, da CF/88), reconhecendo expressamente que referida imunidade, em caso de integralização de capital com imóveis, é plena.
Manifesta que, para o STF, a análise da atividade preponderante de compra e venda, de locação ou de arrendamento mercantil de bens imóveis é requisito essencial para a imunidade de ITBI em casos em que há transmissão de imóveis decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção da pessoa jurídica, o que não é o caso da apelante.
Registra que a sentença deixou de observar tal determinação, pois aplica o entendimento equivocado de que o exercício de atividade de venda e de locações de bens, por parte da pessoa jurídica, impossibilita a aplicação da imunidade de ITBI nos casos de incorporação de bens imóveis ao patrimônio da pessoa jurídica.
Diz que, no caso de integralização do imóvel pelo sócio, a imunidade do ITBI é automática, não havendo motivação para verificar requisitos como a atividade preponderante da empresa, como sustenta a sentença recorrida.
Garante que a norma constitucional encerra duas situações, sendo a primeira, de imunidade incondicional, que contempla a transmissão de bens ou direitos ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital, independentemente da aditividade desempenhada pela sociedade.
Pondera que, do ponto de vista material (essência), a simples movimentação do ativo dentro do patrimônio familiar, mediante contribuição de capital, não gera transferência jurídica apta a permitir a incidência do ITBI, em vista da imunidade destacada.
Observa que, considerando que a imunidade do ITBI na hipótese de incorporação de bens ou de direitos para a realização do capital social de pessoa jurídica tem, como finalidade, o exercício da atividade empresarial, conclui-se que o dispositivo constitucional deve ser interpretado no sentido de delimitar a expressão “salvo se, nesses casos” às transmissões decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção.
Assinala que o art. 37 do CTN dispõe de forma diversa do art. 156, § 2º, inc. I, da CF/88 e, portanto, não deve ser considerado recepcionado pela Magna Carta. Conclui que, diante da imunidade plena do art. 156, § 2º, inc. I, da CF/88, os Municípios não têm competência para dispor sobre o ITBI na transmissão de bens ou de direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital. Frisa que a imunidade decorre da Constituição e, logo, não admite restrição, sob pena de violação ao princípio da legalidade.
Repisa que a imunidade de ITBI deve ser concedida quando ocorrer a transmissão de bem imóvel para formação do capital social da pessoa jurídica ou quando houver a transmissão, mediante fusão, incorporação, cisão ou extinção da pessoa jurídica, desde que a atividade preponderante não seja a compra e venda desses bens ou direitos, a locação de bens imóveis ou o arrendamento mercantil.
Alega que a prova pré-constituída é observada pela cópia integral dos processos administrativos n. 001.107441.15.2.00000 e n. 001.105623.16.4.00000 acostados à inicial, não havendo necessidade de qualquer outra prova, pois se trata de matéria exclusivamente de direito, que dispensa dilação probatória.
Defende que, segundo o STF, na hipótese de integralização de bem imóvel, somente é devido o ITBI em caso de contribuição de capital realizada em excesso em face do capital social, com a formação da conta de reserva de capital.
Explica que, de todo o modo, o ITBI é devido apenas sobre a parcela da conta de reserva de capital. Consigna que, no presente caso, o bem imóvel foi integralizado visando à formação do capital social, sem qualquer excesso, ou seja, sem a formação de reserva de capital, não se falando em cobrança de ITBI.
Afirma que, mesmo que se compreenda pela formação da reserva de capital, não deve ser tributada a integralização dos bens imóveis, sob pena de negar vigência à imunidade plena reconhecida pelo STF.
Aduz que, ainda assim, a decisão administrativa deve ser reformada para reconhecer a imunidade sobre o valor dos imóveis que foram integralizados ao capital social da Apelante, sendo cobrado o ITBI apenas sobre a diferença entre o valor de mercado na data da integralização e o valor do imóvel que foi integralizado ao capital social. Colaciona julgados.
Pugna pelo reconhecimento de nulidade da sentença, devendo, ato contínuo, ser analisado o mérito da ação.
Requer o julgamento de procedência da ação, a fim de garantir a não incidência de ITBI nos imóveis integralizados à pessoa jurídica.
Subsidiariamente, requer a reforma da decisão administrativa para reconhecer a imunidade sobre o valor dos imóveis que foram integralizados ao capital social da Apelante, sendo cobrado o ITBI apenas sobre a diferença entre o valor de marcado e o valor do imóvel que foi integralizado ao capital social.
Foram apresentadas contrarrazões ao recurso pelo Município de Porto Alegre, oportunidade em que pugna pelo desprovimento do apelo, bem como pela majoração dos honorários recursais (art. 85, § 11, do CPC).”
Acrescento constar da resposta, primeiro argumento de não ter a contribuinte apresentado “reclamação fiscal em face das autuações, tampouco recurso voluntário, o que demonstra o desinteresse em apresentar controvérsia e resolver a demanda em sede administrativa” e, depois, remetendo-se aos procedimentos fiscais sustentar que a “análise realizada pelo Município foi pormenorizada e a recorrente, muito embora tenha sido notificada sobre os Autos de Lançamento, nada provou nos autos a fim de contrariar o procedimento adotado pelo fisco ou fundamentar as teses expostas na exordial, ônus que lhe incumbia, nos termos do art. 373, inc. I, do Código de Processo Civil.”
Tangente ao mérito alude a que “o Tema 796 do Supremo Tribunal Federal cumpre destacar que a controvérsia dos autos, qual seja, a inexigibilidade do lançamento relativo ao ITBI decorrente da integralização do capital social com imóveis, conquanto a atividade preponderante do recorrente seja a locação de bens, não se enquadra na hipótese tratada no Tema 796 (RE 796376)”, transcrevendo voto de conselheiro do TARF a tal respeito.
Alude a jurisprudência que tem por favorável ao seu entendimento, pugnando pelo desprovimento da inconformidade.
O parecer é pelo desprovimento do apelo, inclusive no que diz com a nulidade sentencial.
É o relatório.
VOTO
É certo que na inicial se argumentou estar-se diante da primeira hipótese do § 2º, I, art. 155, CF/88, qual seja a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital e não a segunda hipótese, esta sim, envolvendo fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, quando, então, aplica-se a ressalva da atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil, como delineado no julgamento do RE nº 796.376/SC, ALEXANDRE DE MORAES:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: …………………………………………………………………………………………….
II – transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; …………………………………………………………………………………………….
- 2º O imposto previsto no inciso II:
I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;
A sentença, por certo, trilhou compreensão corriqueiramente posta em casos tais em que ausente a distinção entre as duas partes do artigo constitucional acima referido, ficando, com isso, atrelada ao condicionamento para que se reconheça a imunidade.
Por sinal, também a autoridade coatora quedou restrita a tal argumentação.
Com isso, o que se tem é error in iudicando, que leva à reforma do julgado e não a sua desconstituição.
Afasto a nulidade sentencial e passo a examinar o mérito da controvérsia, salientando não ser necessário para o recurso à jurisdição o exaurimento da via administrativa, inclusive com propositura de reclamação ou recursos nela previstos, o que, ainda, não serve como demonstração de algum desinteresse do contribuinte.
Pois bem.
Conforme se pode ver das 3ª e 4ª alterações do contrato social da apelante, Evento 1, OUT 14, em suas cláusulas segundas, na primeira delas, de 21.09.2015, o sócio Romeu Edgar Schneider aumentou o capital social em R$ 840.000,00, passando ele de R$ 10.000,00 para R$ 850.000,00, integralizadas as novas 840.000 quotas mediante os imóveis ali descritos, matrículas nºs 106.712, 106.573 e 105.665, 2ª Zona do Registro de Imóveis de Porto Alegre., transferindo Romeu 42.000 quotas para o sócio Frederico Schneider e outras 42.000 quotas para o sócio Felipe Schneider, Evento 1, OUT 14, p. 6 a 7.
Já na 4ª alteração social, de 22.06.2016, o capital social foi aumentado para R$ 1.700.000,00, integralizando Romeu Schneider a totalidade das novas quotas mediante a integralização pelos imóveis de matrículas nºs 170.234, 170.239, 170.240, 170.241 e 170.250, 1ª Zona do registro de Imóveis de Porto Alegre, idem, p. 26 a 28
Por certo, a apelante apresenta como objeto social, cláusula 3ª, “a participação em outras sociedades, a administração e a compra e venda de bens móveis e imóveis:, bem como a prestação de assistência técnica, administrativa, operacional e financeira a subsidiárias e coligadas.”
Ao formular pedido administrativo de reconhecimento de imunidade, o Fisco Municipal condicionou o reconhecimento desta, em caráter definitivo, a que não fosse, ao final, constatada atividade preponderante de compra e venda de bens imóveis ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil, procedimento nº 001.107441.15.2, o que se encerraria em futura análise, a se encerrar em 05.11.2017, Evento 1, OUT 3, p. 54, emitida certidão de exoneração do IBI assim condicionada, p. 55, condição resolutória claramente posta no parecer fiscal, p. 56, autos de primeiro grau.
Relativamente à 4ª alteração social e integralização de imóveis nela contida e imunidade, aberto o procedimento fiscal de nº 001.105623.16.4 (Evento 1, OUT9, p. 2), para o qual foi transposta a documentação apresentada no primeiro, Evento 1, OUT 6, p. 11, para a devida análise, p. 15, também aqui concedida imunidade condicionada como no caso antecedente.
Na análise final, quanto ao período de preponderância, o Relatório de Atividades Fiscais posto no procedimento nº 001.107441.15.2, Evento 1, OUT 7, p. 575 a 595, alude a que “de acordo com os documentos apresentados (BPs, DREs, Livros Diário e Razão), a empresa auferiu apenas receitas operacionais decorrentes de locação imobiliária, expondo resultados dos anos de 2014 a 2018, item 8.3 A Análise, p. 579, com o que visualizou a incidência do IBI na integralização dos imóveis, p. 580, concluindo não fazer jus o contribuinte à imunidade, item 10 CONCLUSÕES, p. 587, com o lançamento do tributo no importe de R$ 280.563,17, emitida a guia de pagamento consolidada, fixado vencimento em 30.06.2021, p. 594.
Também quanto ao período de preponderância, o Relatório de Atividades Fiscais lançado no procedimento nº 001.105623.16.4, ao constatar, Evento 1, OUT 11, p. 564 a 577, aponta ter a requerente auferido apenas receitas operacionais decorrentes de locação imobiliária, minudenciado tais receitas nos anos de 2014 a 2018, item 8.3 – A Análise, p. 568.
Com isso, sustentou a incidência do ITBI com indeferimento da imunidade, item 10 CONCLUSÕES, p. 576, subscrito ato em 17.06.2021, procedido lançamento e emitida Guia de Pagamento Consolidada, no importe de R$ 101.138,71, com vencimento para 30.07.2021, p. 582.
Daí a impetração, ante tal exigência pecuniária, e a causa de pedir assente na compreensão da primeira parte do inciso I, § 2º, art. 155, CF/88, ante definição do Supremo Tribunal Federal no RE nº 796.376/SC e o Tema nº 796, STF.
E é quanto a esta causa de pedir, devidamente compreendida, que se há de julgar o mérito do apelo.
Como já disse em anterior julgado, AC n° 5060460-05, a ressalva prevista na parte final do inciso I do § 2º do art. 156 da CF/88 não guarda relação com a norma imunizante referida na primeira parte desse inciso (hipótese de integralização de capital), esta sim, em tese, incondicionada.
Aplica-se a ressalva, em realidade, na segunda parte do dispositivo em referência, ou seja, nas transmissões decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoas jurídicas.
Vale transcrever-se a parte exponencial do voto do Ministro ALEXANDRE DE MORAES, proferido no julgamento do RE nº 796.376/SC, Tema 796, em que o Supremo Tribunal Federal acabou por reconhecer, em relação à imunidade do ITBI prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da CF/88, que a imunidade na incorporação mediante conferência de bens limita-se ao valor do capital integralizado:
“O inciso I do art. 36 do Código Tributário Nacional reflete esse mandamento constitucional, ao dispor que:
‘Art. 36 Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o imposto não incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos no artigo anterior:
I – quando efetuada sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em pagamento de capital nela subscrito;
II – quando decorrente da incorporação ou da fusão de uma pessoa jurídica por outra ou com outra.
Parágrafo único. O imposto não incide sobre a transmissão aos mesmos alienantes, dos bens e direitos adquiridos na forma do inciso I deste artigo, em decorrência da sua desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica a que foram conferidos.’
Esse dispositivo foi recepcionado pela CF/88, por se harmonizar com o teor do inciso I do § 2º, do art. 156 da Lei Maior.
Segundo KIYOSHI HARADA, o que a norma imuniza não é qualquer incorporação de bens ou direitos ao patrimônio da pessoa jurídica; a norma imunizante diz respeito exclusivamente ao pagamento em bens ou direitos que o sócio faz para integralização do capital social subscrito que pode ocorrer tanto no início da constituição de pessoa jurídica, como também posteriormente por ocasião do aumento do capital (ITBI – Doutrina e prática. São Paulo: Atlas. 2010, p. 85).
Comparando-se a redação do aludido inciso I com a do art. 9º, § 2º da Emenda Constitucional 18/1965, verifica-se que não há, nesse parágrafo 2º da EC, a menção à situação de ‘transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica’.
Vejamos:
‘Art. 9º Compete aos Estados o imposto sobre a transmissão, a qualquer título, de bens imóveis por natureza ou por cessão física, como definidos em lei, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia.
(…)
§ 2º O imposto não incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos neste artigo, para sua incorporação ao capital de pessoas jurídicas, salvo o daquelas cuja atividade preponderante, como definida em lei complementar, seja a venda ou a locação da propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição.’
Como se vê, a ressalva contida no § 2º acima transcrito referia-se à circunstância diferente daquelas eleitas pelo inciso I do § 2º do art. 156 da atual Constituição Federal. Para maior clareza, comparemos:
Art. 156 – (…)
§ 2º O imposto previsto no inciso II:
I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;
Essa distinção é importante, porque tem levado certa parte da doutrina e da jurisprudência a defender a não incidência do ITBI sobre o valor dos bens incorporados que for excedente ao do capital subscrito.
Argumentam os defensores desta posição que qualquer incorporação de bens à pessoa jurídica é imune, pois as únicas exceções são aquelas expressamente definidas no final do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF/88.
Com essa alegação, propugnam que o intérprete não pode inovar criando outras hipóteses excepcionais.
A esse respeito, o já mencionado professor HARADA esclarece que as ressalvas previstas na segunda parte do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF/88 aplicam-se unicamente à hipótese de incorporação de bens decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica.
É dizer, a incorporação de bens ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital, que está na primeira parte do inciso I do § 2º, do art. 156 da CF/88, não se confunde com as figuras jurídicas societárias da incorporação, fusão, cisão e extinção de pessoas jurídicas referidas na segunda parte do referido inciso I.
Nesses últimos casos, há, da mesma forma, incorporação de bens, mas que decorre da ‘incorporação que é uma operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações’ (art. 227 da Lei 6.404/1976 – Lei de Sociedades Anônimas); cisão – operação pela qual uma sociedade transfere parte de seu patrimônio para uma ou mais empresas (art. 229 da Lei das S.A); ou fusão – operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar uma nova sociedade que lhe sucederá em todos os direitos e obrigações (art. 228 da Lei das S.A.).
Em todas essas hipóteses, há incorporação do patrimônio imobiliário de uma sociedade para outra, mas sem qualquer relação com a incorporação (integração) referida na primeira parte do citado inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF, que alude à transferência de bens para integralização do capital.
Em outras palavras, a segunda oração contida no inciso I – ‘nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil’ – revela uma imunidade condicionada à não exploração, pela adquirente, de forma preponderante, da atividade de compra e venda de imóveis, de locação de imóveis ou de arrendamento mercantil. Isso fica muito claro quando se observa que a expressão ‘nesses casos’ não alcança o ‘outro caso’ referido na primeira oração do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF.
Esse entendimento é corroborado pela didática lição de EDUARDO DE MORAES SABBAG que, ao comentar o dispositivo constitucional em questão, apresenta um exemplo bastante esclarecedor:
‘ITBI e Imunidades
Art. 156. ‘Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
(…)
II – transmissão ‘inter vivos’, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos sua aquisição;
§ 2º O imposto previsto no inciso II:
I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;
II – compete ao Município da situação do bem. (grifos no original)
O ITBI não incide sobre a transmissão de bens incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica, salvo se a atividade preponderante da adquirente for a compra e venda desses bens. A preponderância existe se a atividade representar mais de 50% da receita operacional, nos dois anos anteriores e nos dois anos subsequentes (art. 37, § 1º, do CTN).
Exemplificando: Se uma empresa ‘A’ (atividade: fabricação de azulejos), com sede em Brasília, incorpora uma empresa ‘B’ (atividade: compra e venda de imóveis, preponderantemente), com sede no Rio de Janeiro, havendo transmissão de todos os direitos e bens da empresa ‘B’ para a adquirente ‘A’, incluindo um imóvel localizado na cidade do Recife, pergunta-se: pagar-se-á ITBI a quem?
Não se pagará o ITBI, uma vez que o caso de imunidade específica. Se a empresa ‘A’ fosse aquela que tivesse comprado e vendido imóveis, teríamos, sim, a incidência do ITBI (para Recife, no caso). Note que a empresa adquirente é quem exerce a preponderante, havendo, portanto, nítida regra imunitória. (Elementos do Direito, Direito Tributário, 8ª ed. São Paulo: Premier Máxima, 2007, p. 340), (grifos no original).
Ou seja, a exceção prevista na parte final do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF/88 nada tem a ver com a imunidade referida na primeira parte desse inciso.
Assim, o argumento no sentido de que incide a imunidade em relação ao ITBI, sobre o valor dos bens incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica, em realização de capital, excedente ao valor do capital subscrito, não encontra amparo no inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF/88, pois a ressalva sequer tem relação com a hipótese de integralização de capital.
Reitere-se, as hipóteses excepcionais ali inscritas não aludem à imunidade prevista na primeira parte do dispositivo. Esta é incondicionada, desde que, por óbvio, refira-se à conferência de bens para integralizar capital subscrito.”
Em suma, o art. 156, § 2º, I, comporta duas hipóteses de imunidade.
A primeira, diz com a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, em que a imunidade é incondicionada e é a esta que se refere a hipótese concreta.
A segunda, que não se ajusta ao caso dos autos, corresponde à transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, caso em que há o condicionamento quanto à atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.
O mesmo se diga quanto ao art. 36, CTN, cujos incisos bem distinguem uma e outra hipótese:
Art. 36 Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o imposto não incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos no artigo anterior:
I – quando efetuada sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em pagamento de capital nela subscrito;
II – quando decorrente da incorporação ou da fusão de uma pessoa jurídica por outra ou com outra.
Vale citar precedente da Vigésima Primeira Câmara Cível em tudo aplicável ao que se está examinado:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA. LANÇAMENTO. ITBI. IMUNIDADE. LEI MUNICIPAL Nº 5.503/2010 DE CANOAS. OFENSA AO ART. 37 DO CTN. ART. 156, §2º, INCISO I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRIMEIRA PARTE. INTEGRALIZAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL. ARTS. 36 E 37 DO CTN. EXEGESE DO TEMA 796 DO STF. O art. 6º da Lei Municipal nº 5.503/2010 de Canoas, no qual se baseou o ato administrativo, ao prever um prazo de 02 anos para apurar a preponderância das atividades da empresa, contraria a previsão contida no art. 37, § 2º, Código Tributário Nacional sobre a matéria, norma geral que deve ser respeitada pelos entes de todas as esferas. Independentemente de haver a autora demonstrado nos autos a quais atividades se dedicou no período, considera-se o auto de lançamento nulo ab ovo, não podendo ser convalidado sob motivo diverso daquele que ensejou a prática do ato administrativo. O art. 156, §2º, inciso I, da Constituição Federal, em sua primeira parte, prevê a imunidade tributária da transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital social. Nas razões de decidir do julgamento do RE nº 796.376, embora não vinculantes, expresso o entendimento de que a exceção prevista na parte final do inciso I, do §2º, do art. 156 da CF/88 (atividade preponderante a venda ou locação de propriedade imobiliária) nada tem a ver com a imunidade referida na primeira parte desse inciso, que é exatamente a situação presente no caso ora “sub judice”. APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação / Remessa Necessária, Nº 50043126020148210008, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcelo Bandeira Pereira, Julgado em: 19-07-2023)
Com isso, é caso de provimento, em parte, do apelo para, afastada a nulidade sentencial, reconhecer a imunidade constitucional, revertida sucumbência.
Voto por prover, em parte, a apelação.
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Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
21ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 – Porto Alegre/RS – CEP 90110-906
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5082610-43.2021.8.21.0001/RS
TIPO DE AÇÃO: ITBI – Imposto de Transmissão Intervivos de Bens Móveis e Imóveis
RELATOR: DESEMBARGADOR ARMINIO JOSE ABREU LIMA DA ROSA
APELANTE: EBRS PARTICIPAÇOES E ADMINISTRAÇÃO LTDA. (IMPETRANTE)
APELADO: SECRETARIO DA RECEITA MUNICIPAL – MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE – PORTO ALEGRE (IMPETRADO)
APELADO: MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE (IMPETRADO)
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. ERROR IN IUDICANDO.
Estando-se diante de hipótese envolvendo error in iudicando, não é caso de nulidade da sentença, mas, sim, sua reforma.
TRIBUTÁRIO. ITBI E IMUNIDADE, ART. 156, § 2º, I, CF/88. INTEGRALIZAÇÃO DE IMÓVEIS AO CAPITAL SOCIAL. AUSÊNCIA DE CONDICIONAMENTO.
Tratando-se de integralização do capital social por imóveis, está-se diante da primeira hipótese de imunidade do ITBI do inciso I, § 2º, art. 156, CF/88, sendo a ela inaplicável o condicionamento relativo às casos de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica de que trata a segunda parte do referido dispositivo.
APELAÇÃO PROVIDA, EM PARTE
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 21ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul decidiu, por unanimidade, prover, em parte, a apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que integram o presente julgado.
Porto Alegre, 11 de dezembro de 2023.
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