Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
Comarca de Goiânia
5ª Vara dos crimes contra a Ordem Tributária e crimes punidos com reclusão e
detenção
Protocolo nº.: 0156416.03.2018.8.09.0175
Acusado: ——————————
Infração Penal: artigo 1º, inciso II da Lei nº8.137/90, por 16 (dezesseis) vezes.
SENTENÇA
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, no uso de suas atribuições
constitucionais e legais, denunciou ———————–, qualificado nos autos em epígrafe,
imputando-lhe a conduta prevista no artigo 1º, inciso II da Lei nº8.137/90, por 16
(dezesseis) vezes.
Segundo relatou a exordial acusatória, “Nos anos de 2011 e 2012 o denunciado
————-, na condição sócio-administrador e gestor da empresa ————-, CNPJ nº —
—————, Inscrição Estadual nº ———–, na sede da empresa localizada na ———–
—————, Setor Aeroporto, Goiânia, CEP —————, praticou diversos crimes contra
a ordem tributária.”
Recebida a denúncia, em 09/11/2021. Em sequência, o denunciado ————-
foi devidamente citado e apresentou resposta à acusação por meio de advogados
constituídos (evento nº54). Na ocasião, a defesa pugnou pela reconsideração quanto à
propositura do acordo de não persecução penal ou, subsidiariamente, a remessa dos
autos ao Procurador-Geral de Justiça.
Posteriormente, a Subprocuradoria-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos,
por meio do Despacho nº114/2023 ratificou a recusa manifestada pela i. integrante
ministerial, consistente na ausência de requisitos para propositura do acordo de não
persecução penal, oportunidade na qual opinou pelo regular andamento do feito (evento
nº72).
Ato contínuo, não sendo o caso de absolvição sumária, designou-se
audiência de instrução e julgamento (evento nº93).
Durante a audiência de instrução e julgamento realizada, em 29/01/2024
(eventos nº136, 137, 138 e 139) procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas
pela acusação, a saber: ————–, —————–, —————- e ——————-. Na
ocasião, o douto promotor de justiça dispensou a testemunha ——————-. Em
seguida, foi ouvido o informante ————————, arrolado pela defesa técnica.
Por conseguinte, a ação penal foi redistribuída a este juízo, no dia 20/03/2024, em atenção ao PROAD nº 202309000447293.
Em continuidade à instrução criminal (eventos nº177, 178 e 179) passou-se à
oitiva da testemunha de defesa —————. As testemunhas ausentes foram
dispensadas pela defesa técnica. Por fim, em 11/06/2024, o denunciado ————- foi
qualificado e interrogado (eventos nº190, 191 e 192).
Encerrada a instrução processual, na fase oportunizada pelo artigo 402 do
Código de Processo Penal, nada foi requerido pelas partes.
O Ministério Público do Estado de Goiás, em sede de memoriais escritos
(evento nº197) manifestou pela condenação do denunciado ————-, nas sanções do
artigo 1º, inciso II da Lei nº8.137/90, por 16 (dezesseis) vezes.
A defesa técnica de ————-, a seu turno, em memoriais escritos (evento
nº200) requereu a absolvição de réu, nos termos do artigo 386, inciso V, do Código de
Processo Penal. Subsidiariamente, pleiteou a fixação da pena-base no mínimo legal, a
aplicação da continuidade delitiva no mínimo legal, a substituição da pena privativa de
liberdade por restritivas de direitos. Por fim, pugnou pelo indeferimento da reparação do
dano, prevista o artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal.
Os depoimentos encontram gravados e insertos nos eventos nº138, 139, 177
e 190 do presente processo digital.
Vieram-me os autos conclusos.
Sucinto relatório.
Decido.
Trata-se de ação penal pública incondicionada, objetivando-se apurar a
responsabilidade criminal do denunciado ————- pela suposta prática do crime
previsto no artigo 1º, inciso II da Lei nº8.137/90, por 16 (dezesseis) vezes.
O processo está em ordem, não existem irregularidades a serem sanadas. As
condições da ação e os pressupostos processuais de existência e validade encontramse
presentes, tendo sido observado o rito previsto em lei para o caso em comento e os
princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, insculpidos estes na Carta
Magna.
tório, bem como os demais direitos das partes, passo à apreciação do mérito.
De antemão, consigno ter deixado de transcrever “ipsis litteris” os depoimentos
colhidos durante a instrução processual, visto que todos estão gravados em registro
audiovisual (eventos nº138, 139, 177 e 190) não havendo, portanto, nenhum prejuízo ao
contraditório e à ampla defesa.
Enfatizo, ademais, que a gravação é totalmente válida e própria para registrar
com precisão todas as declarações feitas durante a audiência de instrução e julgamento.
Sob tal aspecto, destaco que, todas as oitivas estão fielmente registradas em
áudio e vídeo, razão pela qual, não faz sentido, por questão de economia e celeridade
processual, transcrever os depoimentos, uma vez que tal ato simplesmente repetirá o
que já está constando nos autos.
Sobre o assunto, o Superior Tribunal de Justiça orienta-se pela dispensa da
transcrição, desde que não haja efetiva necessidade. Veja:
“O registro audiovisual de depoimentos colhidos
em audiência dispensa sua degravação, salvo
comprovada demonstração de sua
necessidade. Interpretação do art. 405, § 2º, c/c
o art. 475 do Código de Processo
Penal. Orientação normativa do CNJ.
Precedentes. 2. As inovações introduzidas no
Código de Processo Penal pelas Leis ns.
11.689/2008 e 11.719/2008 atenderam ao
objetivo de simplificação e economia dos atos
processuais, bem como ao princípio da
oralidade na produção da prova em audiência.
- Recurso em mandado de segurança não
provido.” (RMS 36.625/MT, Rel. Ministro
ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA,
julgado em 30/06/2016, DJe 01/08/2016).
Da meticulosa observância dos autos, verifico que a materialidade do delito previsto no artigo 1º, inciso II da Lei nº8.137/90 imputado ao acusado ————- está
devidamente comprovada pelos documentos insertos no bojo do Inquérito Policial
nº299/2016-DOT, Autos de Infração nº4.01.13.003175.97, 4.01.13.017260.32 e
4.01.13.037094.45 e demais provas acostadas aos autos.
Pertinente à autoria, em que pese haver indícios na fase inquisitiva em relação
à prática do crime disposto no artigo 1º, inciso II da Lei nº8.137/90, noto que o substrato
probatório colhido ao longo da persecução penal não se revelou suficiente a apontar o
dolo na conduta de ————-, consistente em deixar de escriturar o livro Registro de
Saídas relativo à Escrituração Fiscal Digital (EFD) fraudando a fiscalização ao omitir
informações que deveriam ser prestadas ao Fisco Estadual.
Em juízo, a testemunha —————– relatou ter prestado serviços de
contabilidade para a empresa “——————–” cujo responsável era ————-. Informou
que realizava a escrituração de todas as notas e cupons fiscais encaminhados pela
empresa. Na época do fato, recordou-se de uma fiscalização realizada pela Secretaria
da Fazenda, porém desconhecia o motivo. Acrescentou, ainda, que a empresa possuía
várias autuações, mas não soube esclarecer se, em decorrência de deixar de escriturar
notas fiscais.
Já a testemunha —————, ouvido em juízo, narrou ter prestado serviços de
contabilidade para a empresa “——————” cujo administrador era ————-. Na
ocasião, pontuou que a sua atuação se iniciou em maio de 2011 e, permaneceu, por
aproximadamente cinco ou seis meses. No período, não mantinha contato com o réu e
o seu serviço consistia no recebimento dos arquivos enviados pela empresa, a apuração
do imposto devido, bem como gerar as respctivas guias. Posteriormente, os documentos
eram devolvidos ao estabelecimento. Verberou desconhecer o motivo pelo qual o Fisco
Estadual não recebeu as notas fiscais.
Os auditores fiscais ————— e ———————–, ouvidos em
juízo, não se recordaram com detalhes dos fatos.
Durante o interrogatório, o acusado ————- negou a prática delitiva. Na
oportunidade, asseverou que era sócio administrador da empresa “————————”
e tinha o auxílio do escritório de contabilidade externo para realização das escriturações
dos documentos fiscais. Frisou a ausência de conhecimento na área fiscal, tampouco
sobre as omissões de informações fiscais.
À luz dessas constatações, observo que as provas colhidas durante a persecução penal não se revestem de segurança necessária para a formação de um
juízo de certeza de que o imputado ————- de maneira consciente, fraudou a lei
tributária.
Convém destacar que o fato do réu exercer a função de sócio administrador da
empresa não é prova da existência de vontade consciente de praticar a figura típica
descrita na denúncia.
No mais, conforme interrogatório de ————-, havia um escritório de
contabilidade que prestava serviço para a empresa, com o controle fiscal sendo feito
segundo as orientações dos profissionais.
Portanto, a possível falha no cumprimento das obrigações fiscais pode decorrer
de negligência ou imperícia, mas sem possibilidade da presunção do dolo de fraudar.
A respeito do tema:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA
ORDEM TRIBUTÁRIA NOS TERMOS DO
ARTIGO 1º, INCISO II, CONJUGADO COM O
ARTIGO 8º, DA LEI 8.137/90, NA FORMA DO
ARTIGO 71 DO CÓDIGO PENAL.
CONDENAÇÃO. DOLO DE FRAUDAR.
AUSÊNCIA. COMPROVAÇÃO. O fato dos réus
exercerem a função de administradores da
empresa não é prova da existência de vontade
consciente de praticar a figura típica descrita na
denúncia. Para imputação do crime de
sonegação fiscal há necessidade de
comprovação do agente ter praticado com dolo,
mesmo que em sua forma genérica. Fato não
observado nos presentes autos. Não havendo
provas do dolo de fraudar o Fisco, deve
prevalecer a favor dos apelados a dúvida,
mantendo-se a absolvição. APELAÇÃO
DESPROVIDA. (Apelação Criminal nº0351575-20.2014.8.09.0175,
Relator Desembargador LINHARES
CAMARGO, 4ª Câmara Criminal, publicado em
23/02/2024).
A P E L A Ç Ã O C R I M I N A L . O R D E M
TRIBUTÁRIA. CRIME. ART. 1º, I, II e V. LEI
8.137). CONDENAÇÃO. DOLO DE
FRAUDAR. AUSÊNCIA. COMPROVAÇÃO. 1.
Não havendo provas do dolo de fraudar o Fisco,
deve prevalecer a favor dos acusados a dúvida,
mantendo-se a absolvição. 2. A rejeição da
defesa dos contribuintes na esfera
administrativa não implica a existência de
responsabilidade penal. Para imputação do
crime de sonegação fiscal há necessidade da
comprovação do agente ter praticado com dolo,
mesmo que em sua forma genérica. Fato não
observado nos presentes autos. Apelação
desprovida. (Apelação Criminal nº0226912-
91.2017.8.09.0175, Relator Desembargador
IVO FAVARO, 1ª Câmara
Criminal, publicado em 03/02/2022).
Na esteira desse entendimento, destaco que os indícios de prova existentes e
que motivaram o oferecimento da denúncia não resultaram satisfatoriamente
comprovados durante a instrução processual.
Portanto, inadmissível a imposição de pena a alguém baseada em prova
deficiente, incompleta e duvidosa.
Nesses casos, lastreada a denúncia unicamente nas provas colhidas no
procedimento investigatório, ou seja, quando da instauração do Inquérito Policial
nº299/2016 não é possível condenar o acusado ————-.
Outrossim, o artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, dispõe:
Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a
causa na parte dispositiva, desde que
reconheça:
(…)
VII – não existir prova suficiente para a
condenação.
Diante de tal regra legal, bem como à luz da jurisprudência pátria, para se
chegar à decisão condenatória, o juiz precisa alcançar a certeza, exigindo a lei prova
plena, completa e convincente acerca de todos os fatos e, nesse diapasão, ante a
dúvida, deve-se decidir em favor do réu.
Sobre o assunto, Guilherme de Souza Nucci, in “Código de Processo Penal
Comentado”. Editora Forense. 22ª. ed., rev., atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense. 2023,
- 864/865, menciona:
“Se o juiz não possui provas sólidas para a
formação do seu convencimento, sem poder
indicá-las na fundamentação da sua sentença,
o melhor caminho é a absolvição.”
Ademais, importante salientar que ao lado da presunção de inocência, como
critério pragmático de solução da incerteza, o princípio do in dubio pro reo corrobora a
atribuição da carga probatória do acusador, pois, ao estar a inocência assistida pelo
postulado de sua presunção, até prova em contrário, esta prova contrária deve aportála
quem nega sua existência.
Logo, remanescendo dúvida a respeito da autoria delitiva, tenho que, ante a
ausência de provas conclusivas e induvidosas, preferível a edição de um decreto
absolutório, a uma condenação baseada em conjecturas e suposições.
Portanto, as provas produzidas, em função de sua fragilidade e ausência de
robustez, não se afiguram firmes e seguras para embasar uma condenação,
circunstância essa que se ajusta perfeitamente ao disposto no artigo 386, inciso VII, do
Código de Processo Penal.
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a pretensão punitiva para
ABSOLVER ————- qualificado nos autos, da imputação que ora lhe fora feita, nos
termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
Não existem bem apreendidos ou vinculados aos presentes autos.
Após o trânsito em julgado, proceda-se às baixas no Distribuidor Criminal e,
após, ARQUIVEM-SE os autos, obedecidas as formalidades legais.
Custas pelo Estado.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Goiânia, 18 de julho de 2024.
SUELENITA SOARES CORREIA
Juíza de Direito