Número do processo: 0718870-09.2025.8.07.0001
Classe judicial: TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE (12135)
REQUERENTE: FRENTE NACIONAL DE PREFEITOS
REQUERIDO: CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE MUNICÍPIOS, representada por seu Presidente, Paulo Ziulkoski (ou quem suas vezes fizer).
Endereço: Setor de Grandes Áreas Norte (SGAN) Quadra 601, Módulo N, Brasília (DF), CEP 70830-010, fone (61) 2101-6000.
DECISÃO
com força de mandado urgente e regime de plantão
A Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos (FNP) exercitou direito de ação perante este Juízo por meio do presente procedimento de tutela antecipada requerida em caráter antecedente, previsto nos arts. 303 a 304 do CPC, em face da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), em que veiculou pedido para a obtenção já, liminarmente, das seguintes pretensões:
“a imediata suspensão de todas as deliberações decorrentes da reunião de parte da Comissão Eleitoral, realizada em 8.4.2025, à revelia da participação dos membros indicados pela FNP” (ID: 232533233, item n. 114, subitem a, p. 27), e
“que a entidade ré e seus representantes na Comissão Eleitoral se abstenham de promover ou realizar quaisquer deliberações no âmbito do processo eleitoral sem a participação dos membros indicados pela FNP, uma vez que as eleições para o Conselho Superior do Comitê Gestor do IBS devem ser organizadas por ambas as associações habilitadas, conjuntamente, nos termos do art. 214, § 4.º, inciso IV, da Lei Complementar n. 214/2024.” (ID: 232533233, item n. 114, subitem b, p. 27).
Na causa de pedir a requerente inicialmente discorre sobre a criação do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (CGIBS) pela Emenda Constitucional n. 132, de 20.12.2023 (que introduziu na CRFB 1988 a Seção V-A e os arts. 156-A e 156-B), órgão fundamental para a implementação da reforma do Sistema Tributário Nacional parcialmente regulamentada pela Lei Complementar n. 214, de 16.1.2025. Em suma, a FNP narra o seguinte. (a) A presente demanda trata do conflito de interesses relacionado ao procedimento para a eleição dos representantes municipais que terão assento no Conselho Superior do CGIBS, instância máxima de deliberação prevista no art. 461 da LC n. 214/2025, que contará com 27 membros representando cada Estado e o Distrito Federal, mais 27 membros representando o conjunto dos Municípios e do Distrito Federal, dos quais serão eleitos 14 representantes com base nos votos de cada Município, com valor igual para todos, e 13 representantes com base nos votos de cada Município ponderados pelas respectivas populações, conforme dispõe o art. 156-B, § 3.º, inciso I e inciso II, alíneas a e b, da CRFB (incluído pela EC n. 132/2023. (b) A escolha dos representantes dos Municípios no Conselho Superior do CGIBS deverá observar o disposto no art. 481 da LC n. 214/2015, notadamente quanto à realização de eleições distintas “por meio de um único processo eleitoral, organizado pelas associações de representação de Municípios de âmbito nacional, reconhecidas na forma da Lei n. 14.341, de 18 de maio de 2022, cujos associados representem, no mínimo, 30% (trinta por cento) da população do País ou 30% (trinta por cento) dos Municípios do País, por meio de regulamento eleitoral próprio elaborado em conjunto pelas entidades” (art. 481, § 3.º, inciso IV, da LC n. 214/2025). As associações nacionais que representem 30% dos municípios brasileiros e aquelas que representem 30% da população do País deverão organizar em conjunto o regulamento eleitoral. (c) O Conselho Superior do CGIBS deverá ser instalado em até 120 dias da data da publicação da LC n. 214/2025 (16.1.2025), nos termos de seu art. 483, cabeça, e a indicação dos membros deverá ocorrer em até 90 dias contados daquela mesma data, consoante seu art. 483, § 1.º, inciso I. Assim, o prazo limite para indicação dos membros findará no dia 16.4.2025 e a instalação do Conselho Superior do CGIBS deverá ocorrer até 16.5.2025. (d) No dia 5.2.2025 a CNM publicou edital de convite a todas as associações de municípios, de âmbito nacional, para reunião preparatória visando à organização e legitimação do processo eleitoral para a escolha dos integrantes do Conselho Superior do CGIBS, sendo que a FNP e a CNM foram as únicas habilitadas em reunião realizada no dia 14.2.2025, na sede da requerida. Para organização das eleições, foi instituído o Grupo Técnico de Assessoramento (GTA) por meio da Resolução n. 01/2025, de 26.2.2025. Entretanto, as partes discordaram em relação a alguns pontos importantes para o prosseguimento do pleito eleitoral, tais como a definição dos requisitos de candidatura dos representantes municipais, a exigência de publicidade das nominatas das chapas concorrentes como condição para o registro de apoiamentos, a implementação de métodos seguros de autenticação do eleitor e a definição do calendário eleitoral, motivo por que a FNP oficiou à CNM apresentando os pontos divergentes e solicitando contraproposta para viabilizar a continuidade do processo eleitoral. (e) No dia 19.3.2025 a CNM respondeu ao ofício enviado pela FNP acerca das divergências em relação ao GTA, limitando-se a apresentar críticas e argumentos genéricos sem apresentar propostas concretas e viáveis. Diante do impasse e na falta de previsão legal quanto ao órgão que o solucionasse, o Ministro da Fazenda Fernando Haddad convocou as partes para reunião no dia 26.3.2025, com a presença do Senador Eduardo Braga (relator do PLP n. 108/2024, que dá continuidade à reforma tributária), para mediar o conflito a fim de regularizar o processo eleitoral; porém, sem êxito. (f) Desse modo, em assembleia ordinária realizada no dia 7.4.2025, a FNP deliberou suspender as tratativas com a CNM até a realização de audiência pública prevista para este mês de abril no Senado Federal, com a finalidade de debater a eleição dos representantes do Conselho Superior do CGIBS, evitando atrasos na implementação da reforma tributária, tendo comunicado sua decisão à CNM, a qual, porém, no dia 8.4.2025, sem a presença de membros indicados pela FNP, aprovou o regulamento e o calendário das eleições dos representantes do Conselho Superior do CGIBS, ignorando todas as propostas apresentadas pela FNP. (g) Dentre os pontos de divergência entre as partes, a FNP destaca a existência de duas questões fundamentais: a primeira, quanto ao momento apropriado de apoiamento, não sendo razoável que esse ocorra de forma prévia, antes da divulgação dos nomes que comporão as chapas, senão depois disso; a segunda, quanto à segurança da votação pelos Chefes do Poder Executivo Municipal e Distrital porque, em vez de utilizarem método de autenticação confiável por meio de certificado digital ou da conta oficial via Sistema GOV.BR, a CNM aprovou outro “absolutamente inseguro” consistente no envio de senha por SMS e e-mail.
Ainda em relação à tutela provisória, a requerente argumenta, em suma, que a probabilidade do direito alegado decorre de que a requerente “espera garantir a consubstanciação de princípios basilares do Direito Administrativo, bem como a concretização do princípio democrático, na eleição que demandará a escolha do mais importante Conselho Superior da reforma tributária para os Municípios”. O perigo de dano decorre de que “o prazo final para inscrição das chapas será a próxima segunda-feira, 14.4.2025, às 18h”, e, “acaso o edital de convocação proposto pela entidade ré permaneça, a reforma tributária brasileira no âmbito dos tributos municipais correrá à revelia dos municípios que compõem (…) 72% (setenta e dois por cento) do PIB do Brasil em um processo flagrantemente antidemocrático”. A requerente também argumenta que a almejada tutela provisória não trará prejuízo ao mencionado processo eleitoral.
A petição inicial (ID: 232533233) veio instruída com os documentos necessários (ID: 232536349 ao ID: 232536380), tendo sido recolhidas as custas iniciais (ID: 232536353 e ID: 232536354).
Esse foi o bastante relatório. Adiante, fundamento e decido.
Ressalto inicialmente que a apreciação da tutela provisória pleiteada liminarmente presta reverência à técnica processual da cognição sumária superficial, isto é, a “cognição superficial que se realiza em relação ao objeto cognoscível constante de um processo”, traduzindo a ideia de “limitação da profundidade da análise”. (WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2. ed. at. Campinas: Bookseller, 2000. p. 121).
A tutela provisória de urgência, seja antecipada ou cautelar, somente será concedida quando houver elementos de prova nos autos, que revelem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (art. 300, cabeça, do CPC). Para isso, o juiz pode exigir caução, real ou fidejussória, providência dispensável na hipótese em que a parte não a puder oferecer por falta de recursos financeiros (art. 300, § 1.º, do CPC), o que se refletirá na necessidade, ou não, da realização de justificação prévia (art. 300, § 2.º, do CPC). Além disso, a tutela provisória de urgência não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão (art. 300, § 3.º, do CPC), tratando-se de um requisito negativo.
A tutela provisória de evidência também dependerá da plausibilidade (ou verossimilhança) do direito alegado em juízo, porém independe do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo, desde que se verifiquem os seguintes requisitos, de modo não cumulativo, previstos no art. 311, do CPC: ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte (inciso I); as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante (inciso II); se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa (inciso III); e a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável (inciso IV). Nas hipóteses previstas nos incisos II e III o juiz poderá decidir liminarmente, ou seja, independentemente de audiência da parte contrária (art. 311, do CPC).
Em se tratando de obrigações de fazer ou de não fazer, qual o caso dos autos, também deve ser observada a seguinte lição doutrinal:
“A questão mais relevante diz respeito à admissibilidade de provimento de urgência que determina o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer infungível. Como não se pode obrigar fisicamente a qualquer pessoa a realizar obrigações infungíveis, a tutela provisória antecipada satisfativa com base na urgência deve ser concretizada mediante a aplicação de determinadas penalidades (multa, astreintes) ou medidas de segurança, as quais poderiam ser objeto de eventuais efeitos secundários da decisão de mérito.” (SOUZA, Artur César de. Tutela provisória: tutela de urgência e tutela de evidência. 2. ed. São Paulo: Almedina, 2007. p. 128).
Pois bem. Diante do cenário-fático jurídico exposto no relatório, verifico que o cerne da medida pleiteada consiste na verificação da validade e eficácia das deliberações tomadas isoladamente pela CNM relativamente à aprovação do regulamento geral e da convocação e do calendário eleitorais para o Conselho Superior do CGIBS, sem a participação da FNP, apesar de esta ter tomado ciência (ID: 232536363).
No caso dos autos, ressaltando novamente a reverência à técnica processual da cognição sumária em que prepondera a análise dos requisitos formais, estou convencido da probabilidade do direito subjetivo material alegado em juízo.
As normas jurídicas especiais às quais as partes se encontram vinculadas constam do art. 481, § 2.º e § 3.º, incisos I, III e IV, da LC n. 214/2025, que veio a regulamentar em parte os dispositivos fundamentais previstos nos art. 156-A e 156-B da CRFB, introduzidos pela EC n. 132/2023, que alterou o Sistema Tributário Nacional. O referido texto normativo dispõe o seguinte:
Art. 481. (…)
- 2.º A escolha dos representantes dos Municípios no Conselho Superior do CGIBS, a que se refere o inciso II do caput deste artigo, será efetuada mediante realização de eleições distintas para definição dos membros e respectivos suplentes de cada um dos grupos referidos nas alíneas “a” e “b” do inciso II do § 1.º deste artigo.
- 3.º A eleição de que trata o § 2.º deste artigo:
I – será realizada por meio eletrônico, observado que apenas o Chefe do Poder Executivo Municipal em exercício terá direito a voto;
(…)
III – será regida pelo princípio democrático, garantida a participação de todos os Municípios, sem prejuízo da observância de requisitos mínimos para a candidatura, nos termos desta Lei Complementar e do regulamento eleitoral;
IV – será realizada por meio de um único processo eleitoral, organizado pelas associações de representação de Municípios de âmbito nacional, reconhecidas na forma da Lei n.º 14.341, de 18 de maio de 2022, cujos associados representem, no mínimo, 30% (trinta por cento) da população do País ou 30% (trinta por cento) dos Municípios do País, por meio de regulamento eleitoral próprio elaborado em conjunto pelas entidades.
O mencionado princípio democrático refere-se à legitimidade da participação popular na tomada de decisões por meio de seus representantes e à observância das decisões tomadas por maioria, sendo um dos pilares fundamentais do Estado Democrático de Direito (art. 1.º, cabeça, da CRFB); no contexto desta demanda preparatória, diz respeito à participação de todos os municípios na escolha de seus representantes que terão assento no Conselho Superior do CGIBS, nos termos da LC n. 124/2025 e do regulamento eleitoral. Este, por sua vez, deverá ser elaborado em conjunto pelas entidades envolvidas no referido pleito eleitoral, ou seja, a FNP e a CNM.
Note-se que o único requisito formal previsto na referida LC n. 124/2025, quanto ao regulamento eleitoral, é que seja elaborado em conjunto pelas partes, as quais foram dotadas de excepcional poder normativo, de caráter geral e abstrato.
O documento intitulado “Ata da 4.ª Reunião da Comissão Eleitoral”, de 8.4.2025, juntado no ID: 232536364, comprova que os membros indicados pela FNP não participaram das deliberações que culminaram com a edição da Resolução 04/2025, de 8.4.2025, que aprovou o Regulamento das Eleições (ID: 232536367), tampouco do Edital de Convocação das Eleições (232536365, p. 1-3) e do Calendário Eleitoral (ID: 232536365, p. 4).
As divergências entre as partes dizem respeito a questões de fato relacionadas ao pleito eleitoral para escolha dos membros do Conselho Superior do CGIBS, sucedendo que a CNM agiu isoladamente na elaboração do Regulamento das Eleições, do Edital de Convocação e do Calendário Eleitoral, acima mencionados.
A verificação dos motivos de tal dissenso, que levaram a FNP a não participar da elaboração do regulamento e calendário eleitorais em questão, não se comporta no âmbito desta etapa procedimental inicial, porquanto submetida, como afirmei anteriormente, à cognição judicial sumária superficial, bastando a constatação de que não houve participação bilateral. E, decerto, eventual resistência imotivada oposta pela requerente FNP, ou eventual abuso de direito por parte da requerida CNM (ou ambas as hipóteses) constituirão objeto de análise no momento processual oportuno.
Por outro lado, também estou convencido da ocorrência do perigo de dano consubstanciado na rápida aproximação do termo final para inscrição das chapas, ou seja, até as 18h do dia 14.4.2025, conforme consta do Edital de Convocação reproduzido no ID: 232536365, item n. 7, p. 2.
Nessa ordem de ideias, impõe-se a concessão liminarmente da tutela provisória, a fim de se preservar o importante pleito eleitoral que se avizinha, cumprindo-se a norma cogente prescrita no art. 481, § 3.º, inciso IV, da LC n. 214/2025, que, não sem motivo, dispôs que o processo eleitoral será realizado por meio de regulamento eleitoral próprio elaborado em conjunto pelas entidades.
Contudo, a relevância pública, histórica e política da escolha dos integrantes do Conselho Superior do CGIBS sobre-excede o dissenso pontual existente entre as partes e deveria servir de fator para convergência e harmonia de desígnios. Por isso, a meu ver, tais eleições não devem ser realizadas “a toque de caixa.”
Enfim, deixo de indicar acórdão paradigmático em virtude de não ter localizado, em tão curto prazo, qualquer julgado cuja base fática se assemelhasse ao caso dos autos.
Ante tudo o quanto expus, defiro a tutela provisória para (i) suspender as deliberações tomadas na 4.ª Reunião da Comissão Eleitoral realizada pela CNM no dia 8.4.2025 (ID: 232536364), da qual resultou a aprovação do Edital de Convocação, de 8.4.2025 (ID: 232536365), e a Resolução 04/2025, de 8.4.2025, que aprovou o Regulamento das eleições do Conselho Superior do CGIIBS (ID: 232536367), e (ii) cominar à CNM obrigação de não fazer consistente em não promover ou realizar quaisquer deliberações relacionadas ao processo eleitoral ora suspenso, sem a participação dos demais membros indicados pela FNP, até ulterior decisão deste Juízo.
Evidentemente não estão vedadas futuras deliberações tomadas em conjunto pelas partes.
Intime-se pessoalmente a requerida para o cumprimento da presente decisão, devendo ser advertida de que a tutela antecipada concedida em caráter antecedente se tornará estável se não for interposto o respectivo recurso, nos termos do art. 304 do CPC, culminando com a imediata extinção do processo (art. 304, § 1.º, do CPC).
Intime-se a requerente para apresentar o aditamento à petição inicial no prazo legal de 15 dias, com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final (art. 303, § 1.º, inciso I, do CPC), sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito (art. 303, § 2.º, do CPC), com a revogação desta tutela provisória.
Feito isso, e somente depois do cumprimento de todas as determinações anteriores, a autuação deverá ser retificada e a requerida, citada para apresentar resposta sob pena de revelia.
Intimem-se e cumpra-se.
Brasília, 12 de abril de 2025, 16:35:08.
PAULO CERQUEIRA CAMPOS
Juiz de Direito