Apelação Cível n. 0732365-71.2019.8.02.0001
ICMS/ Imposto sobre Circulação de Mercadorias
3ª Câmara Cível
Relator: Des. Domingos de Araújo Lima Neto
Apelante : Auto Posto Pioneiro Ltda.
Advogado : José Carlos Delgado Lima Junior (OAB: 33753/PE)
Advogado : Wesley Ricardo Bento (OAB: 18566/DF)
Apelado : Direitor Geral da Receita do Estado de Alagoas
Apelado : Estado de Alagoas
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA.
ADICIONAL DE IMPOSTO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIA E SERVIÇOS –
ICMS. INCONSTITUCIONALIDADE DE DECRETO ESTADUAL. REPETIÇÃO
DE INDÉBITO TRIBUTÁRIO. LEI ESTADUAL N. 6.558/2004 E DECRETO N.
2.845/2005. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO ÓRGÃO
PLENÁRIO EM INCIDENTE. APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO NA
ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART.
494 DO CPC. REPETIÇÃO DE INDÉBITO TRIBUTÁRIO INDEVIDA.
ILEGITIMIDADE DO CONTRIBUINTE DE DIREITO. NÃO DEMONSTRADO O
REPASSE DO ENCARGO TRIBUTÁRIO AO CONSUMIDOR FINAL. ARTIGO 166
DO CTN. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO
CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
Nos autos de n. 0732365-71.2019.8.02.0001 em que figuram como parte
recorrente Auto Posto Pioneiro Ltda. e como parte recorrida Estado de Alagoas, Direitor
Geral da Receita do Estado de Alagoas, ACORDAM os membros da 3ª Câmara Cível
do Tribunal de Justiça de Alagoas, à unanimidade de votos, em CONHECER do
recurso e, no mérito, em idêntica votação, DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO,
tudo nos termos do voto do relator. Participaram deste julgamento os Desembargadores
constantes na certidão retro.
Maceió, 04 de março de 2021.
Des. Domingos de Araújo Lima Neto
Relator
Apelação Cível n. 0732365-71.2019.8.02.0001
ICMS/ Imposto sobre Circulação de Mercadorias
3ª Câmara Cível
Relator: Des. Domingos de Araújo Lima Neto
Apelante : Auto Posto Pioneiro Ltda.
Advogados : José Carlos Delgado Lima Junior (OAB: 33753/PE) e outro
Apelado : Direitor Geral da Receita do Estado de Alagoas
Apelado : Estado de Alagoas
RELATÓRIO
1 Trata-se de recurso de apelação interposto por Auto Posto Pioneiro, em
face de sentença proferida pelo juízo da 18ª Vara Cível da Capital/Fazenda Estadual
(fls. 77/83) que, em sede de mandado de segurança, denegou a segurança requerida.
2 Em suas razões recursais (fls. 93/108), a apelante alega a
inconstitucionalidade material da lei estadual n. 6.558/04 e do Decreto n. 2.845/05, que
estabelece cobrança de 2% (dois por cento) sobre o ICMS, destinado ao Fundo de
Combate e Erradicação da Pobreza (FECOEP), em razão de se considerar combustíveis
como supérfluos. Defende que os referidos itens são imprescindíveis na vida
contemporânea. Destaca também a inconstitucionalidade das referidas normas, pois
vincula imposto a um fundo, indo de encontro com o art. 167, IV, da CF.
3 Assevera também a inconstitucionalidade formal, sob o fundamento de
que foi fixada alíquota por meio de decreto, o que fere o princípio da estrita legalidade,
ante á exigência de lei complementar. Suscita que é competência exclusiva da União
definir quais são os produtos supérfluos passíveis de tributação, além da necessidade do
Senado Federal emitir resolução para determinar a alíquota de ICMS e, operaçõe
interestaduais.
4 Por fim, destaca que possui o direito à repetição do indébito referente à
cobrança discutida nestes autos e pleiteia o conhecimento e provimento do presente
recurso.
5 O Estado de Alagoas apresentou contrarrazões (fls. 115/137) na qual
sustenta, preliminarmente, a ausência de impugnação específica da sentença, ofendendo
ao princípio da dialeticidade recursal.
6 Aduz, ainda, que a lei n. 6.558/2004 não pode ser tida por
inconstitucional já que todos os seus dispositivos vêm normatizar em âmbito local as
determinações positivadas na CF/88 como objetivos sociais e que inexiste violação à
legalidade e anterioridade tributárias, não podendo o Poder Judiciário estabelecer qual
produto se enquadra como supérfluo.
7 Defende, ainda, a constitucionalidade formal do decreto que apenas
operacionaliza o fundo instituído pela lei estadual n. 6.558/2004, defendendo a
competência do Estado para legislar sobre a referida matéria. Alfim, requer o não
provimento do recurso de apelação.
8 Deixo de encaminhar os autos à Procuradoria Geral de Justiça, eis que o
representante ministerial, no juízo a quo, deixou de opinar no feito, por entender
desnecessária sua intervenção (fls. 74/76).
9 É o relatório.
(e-STJ Fl.146)
VOTO
10 Ab initio, entendo que o recurso de apelação, ora analisado, observou o
princípio da dialeticidade recursal, eis que suas teses iniciais não foram acolhidas na
sentença, devolvendo a esse juízo ad quem toda a matéria suscitada, a fim de que o
decisum seja reformado. Nesse sentido, entendo que o apelo preencheu o requisito da
regularidade formal.
11 Assim, preenchidos os requisitos extrínsecos e intrínsecos de
admissibilidade recursal, conheço do presente apelo e passo a sua análise.
12 Na hipótese dos autos, observa-se que Auto Posto Pioneiro impetrou
mandado de segurança, com o objetivo de cessar a cobrança do adicional de 2% de
ICMS previsto na Lei Estadual nº 6.558/2004 do Estado de Alagoas, sob o fundamento
da inconstitucionalidade do art. 2º, VIII, do decreto n. 2.845/05 e, por conseguinte,
reconhecido o direito à repetição do indébito tributário decorrente da exação, tendo
obtido pronunciamento judicial no sentido já relatado.
13 Eis que a controvérsia recursal se refere na discussão sobre (i)legalidade
da cobrança do adicional de ICMS, previsto em lei estadual supostamente
inconstitucionalidade.
14 Pois bem.
15 Em 30 de agosto de 2016, o órgão plenário desta Corte de Justiça julgou
procedente o incidente de arguição de inconstitucionalidade n.
0500066-33.2016.8.02.0000, declarando a inconstitucionalidade do art. 2º, VIII, do
decreto n. 2.845/05, veja-se ementa:
TRIBUTÁRIO. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE.
ART. 2º, INCISO I, ALÍNEA H, DA LEI ESTADUAL Nº
6.558/2004 E DO ART. 2º, INCISO VIII, DO DECRETO Nº
2.845/05, QUE DETERMINARAM A INCIDÊNCIA DA
ALÍQUOTA MAJORADA SOBRE ÁLCOOL E GASOLINA PARA
(e-STJ Fl.147)
AUTOMÓVEIS. PRODUTO QUE NÃO SE CARACTERIZA
COMO SUPÉRFLUO. INOBSERVÂNCIA AO DISPOSTO NO
ART. 82, §1º, DO ADCT/CRFB. INCONSTITUCIONALIDADE
MATERIAL CONFIGURADA. ARGUIÇÃO JULGADA
PROCEDENTE. MAIORIA DE VOTOS.
(TJ/AL. Relator (a): Des. Fábio José Bittencourt Araújo;
Comarca: Foro de Maceió; Órgão julgador: 16ª Vara Cível da Capital
/ Fazenda Estadual; Data do julgamento: 30/08/2016; Data de
registro: 30/08/2016)
16 Considerando a previsão do parágrafo único do art. 949 do CPC, de que
os “órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão especial
a arguição de inconstitucionalidade quando já houver pronunciamento destes ou do
plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão”, aplico o entendimento
firmado no referido incidente, por entender pela inconstitucionalidade material dos
referidos dispositivos legais, o que se observa por certidão de julgamento à fl. 91 dos
autos da arguição.
17 Desta feita, merece reparos tal capítulo da sentença, uma vez que resta
inconstitucional, materialmente, o art. 2º, inciso VIII, do decreto n. 2.845/05. Ademais,
em razão da declaração de inconstitucionalidade material das normas, desnecessário se
faz analisar a inconstitucionalidade formal alegada pelo apelante.
18 Passo à análise do pleito recursal de repetição de indébito tributário.
19 O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS se
caracteriza por ser um tributo indireto, uma vez que o ônus econômico repercutirá na
esfera jurídica de um terceiro – contribuinte de fato, não sendo onerado pela exação o
contribuinte de direito.
20 No que toca a tributos desta natureza, o Código Tributário dispõe que o
contribuinte de direito somente fará jus à restituição quando provar nos autos que
efetivamente assumiu o encargo econômico, abstendo-se de incluí-lo no preço de suas
operações de mercado; ou quando obtiver do contribuinte de fato (consumidor ou
terceiro na relação tributária) a autorização para pleitear a restituição em juízo, in
verbis:
Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza,
transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a
quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo
transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a
recebê-la.
21 Destaque-se que o intuito do legislador foi de vedar o enriquecimento
sem causa do contribuinte de direito, não havendo que se falar em repetição de um
tributo se o ônus financeiro não recai sobre quem o pleiteia, mas, sobre os
consumidores, contribuintes de fato.
22 Nesse sentido, o STJ entende que o comerciante varejista de
combustível somente figura como parte legítima ad causam para pleitear a repetição do
indébito tributário se demonstrar que não houve o repasse do encargo tributário ao
consumidor final, o que não é a hipótese dos autos. Senão veja-se por ementas:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
ESPECIAL.TRIBUTÁRIO. ICMS. REPETIÇÃO DE INDÉBITO.
TRIBUTO INDIRETO. TRANSFERÊNCIA DO ENCARGO
FINANCEIRO. ART. 166 DO CTN. APLICABILIDADE. PROVA
DA REPERCUSSÃO FINANCEIRA. QUESTÃO ATRELADA A
MATÉRIA FÁTICA. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO NÃO
PROVIDO.
- Tratando-se de tributo indireto, a exemplo do ICMS, a
legitimidade ativa para a ação de repetição de indébito pertence,
em regra, ao contribuinte de fato. Permitir o ressarcimento do
imposto por aquele que não arcou com o respectivo ônus
financeiro caracteriza enriquecimento ilícito desse último. Para
que a empresa possa pleitear a restituição, deve preencher os
requisitos do art. 166 do CTN, quais sejam, comprovar que
assumiu o encargo financeiro do tributo ou que, transferindoo a
terceiro, possua autorização expressa para tanto.
- No caso, a Corte de origem concluiu que não houve a comprovação
de que o autor da demanda arcou com o encargo financeiro do
tributo, o que impossibilita o pedido de restituição. Rever esse
posicionamento da instância ordinária requer a análise do contexto
fático-probatório da lide, o que está obstado pela Súmula 07/STJ.
- Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1237418 / RS; 2ª Turma; Rel. Min. Mauro Campbell
Marques; DJe 12/02/2015 grifos e negrito não constam do original)
(grifei)
TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
ESPECIAL. ARTIGO DE LEI APONTADO COMO VIOLADO
NÃO PREQUESTIONADO. SÚMULA 211/STJ. REPETIÇÃO DE
INDÉBITO. COMERCIANTE VAREJISTA DE COMBUSTÍVEL
REGIME ANTERIOR À LEI 9.990/2000. ILEGITIMIDADE ATIVA
AD CAUSAM RECONHECIDA. AUSÊNCIA DE PROVA DO NÃOREPASSE AO CONSUMIDOR FINAL. SÚMULA 7/STJ.
- A matéria inserta no art. 515 do Código de Processo Civil não foi
enfrentada pelo acórdão de origem, a despeito da oposição de
embargos declaratórios, pelo que é de rigor a aplicação da Súmula
211 do STJ.
- A Primeira Seção desta Corte, por ocasião do julgamento dos
EREsp. 648.288/PE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, decidiu
que, no âmbito do regime de substituição tributária, a empresa
varejista – substituída – detém legitimidade ativa para questionar
a exigência dos tributos incidentes no comércio de combustíveis.
Consolidou ainda o entendimento de que, para pleitear a
repetição do indébito, mediante restituição ou compensação, a
substituída deve demonstrar que suportou o encargo, não o
repassando para o preço cobrado do consumidor final.
- Na hipótese dos autos, a sentença e o acórdão recorrido
consignaram a ausência de prova do não repasse do encargo
tributário ao consumidor final, sendo insuficiente para infirmar
tal fundamento a afirmação recursal de que a venda da
mercadoria ocorreu por preço inferior ao estimado. Rever a
decisão das instâncias ordinárias esbarra no óbice da Súmula
7/STJ.
- Agravo Regimental não provido.
(AgRg no REsp 1324836/RJ, Rel. Ministro BENEDITO
GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/12/2013, DJe
04/02/2014) (grifei)
23 Com efeito, o apelante não demonstrou que não houve o repasse do
encargo tributário ao consumidor final, nem que recebeu qualquer autorização para
cobrar a repetição do indébito judicialmente, motivo pelo qual entendo que este pleito
recursal não deve prosperar, devendo ser mantida a sentença neste capítulo.
24 Do exposto, CONHEÇO do recurso para, no mérito, DAR-LHE
PARCIAL PROVIMENTO, no sentido de reformar em parte a sentença, para
conceder parcialmente a segurança pleiteiada, para declarar a inexistência de relação
jurídica tributária em relação à cobrança decorrente do art. 2º, VIII, do decreto n.
2.845/05, ante à sua inconstitucionalidade material declarada incidentalmente.
25 É como voto.
26 Após o decurso do prazo, não havendo irresignação de quaisquer das
partes e cumpridas todas as determinações contidas no presente julgamento, dê-se baixa
ao juízo de origem.
Maceió, 04 de março de 2021.
Des. Domingos de Araújo Lima Neto
Relator