Tese do STJ sobre rescisória mostra que contribuinte deve investir no litígio preventivo
Danilo Vital
13 de setembro de 2024
Se nem as decisões definitivas obtidas pelos contribuintes antes da modulação dos efeitos da “tese do século” pelo Supremo Tribunal Federal estão a salvo, a melhor estratégia é mesmo investir no litígio preventivo.
Essa conclusão é de tributaristas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico. Eles comentaram a permissão dada pelo Superior Tribunal de Justiça para que a Fazenda Nacional use ações rescisórias para restringir o aproveitamento de créditos de PIS e Cofins.
A posição foi fixada na quarta-feira (11/9), em julgamento da 1ª Seção sob o rito dos recursos repetitivos. Ela representa mais um golpe contra o contribuinte, reduzindo ainda mais a vitória na “tese do século” julgada pelo STF.
Em março de 2017, o Supremo decidiu que o ICMS não compõe a base de cálculo de PIS e Cofins. Apenas quatro anos depois, em abril de 2021, decidiu modular os efeitos temporais da tese.
Ficou decidido, então, que ela só poderia ser aproveitada pelo contribuinte a partir de 17 de março de 2017, exceto nos casos em que já havia ação ajuizada para discutir o tema.
Assim, quem obteve o direito de compensação ou ressarcimento mediante ações ajuizadas entre março de 2017 e abril de 2021 entrou na mira da Fazenda Nacional.
Dados apresentados ao STJ indicam que são pelo menos 1,1 mil rescisórias, o que abriu um novo assalto na luta pelos créditos de PIS e Cofins, como mostrou a Conjur. Na quarta-feira, a 1ª Seção deu a vitória à Fazenda.
Impacto negativo
As ações vencidas pelos contribuintes e atacadas pela Fazenda admitem a restituição ou compensação de créditos de PIS e Cofins nos cinco anos anteriores ao ajuizamento. Porém, conforme as rescisões forem ocorrendo, todos os créditos anteriores a 17 de março de 2017 serão derrubados.
As compensações desses valores serão glosadas e, se já feitas, poderão ser revistas, desde que observado o prazo prescricional. Quando isso ocorrer, o contribuinte poderá ser autuado para recolher o valor indevidamente compensado, com juros de mora e multa.
Já quem optou pela restituição dos créditos — o caminho mais demorado — poderá ter o precatório cancelado. Há ainda a possibilidade de a Fazenda usar o cumprimento da sentença da rescisória para fazer essa cobrança.
Ou seja, vai ficar caro para o contribuinte que só ajuizou ação depois da “tese do século”. No caso do REsp 2.054.759, por exemplo, o processo é de fevereiro de 2018 e permitiu a compensação de créditos a partir de fevereiro de 2013.
Com a aplicação da posição do STJ, os cinco anos de crédito indevidamente recolhido serão reduzidos para 11 meses — de março de 2017 a fevereiro de 2018.
“Infelizmente, ajuizar ações judiciais de forma preventiva nunca foi tão recomendado”, avalia Mariana Ferreira, do escritório Murayama e Affonso Ferreira Advogados. Em sua análise, quem antes aguardava o Judiciário decidir hoje prefere ajuizar logo a ação.
“Hoje a recomendação é entrar em litígio para garantir uma futura discussão que pode ser positiva ou não. É pecar pelo excesso.” Para ela, a decisão do STJ atinge o sistema judicial, intensifica a atuação dos tribunais locais e aumenta as demandas.
“Gera uma total insegurança e ainda mais, fere consequentemente a livre iniciativa e a proteção ao desenvolvimento dos negócios. As empresas enxergam no Brasil um grande palco de discussões tributárias, mas não de oportunidades, e, sim, de perdas.”
Gustavo Lanna, head da área tributária do GVM Advogados, aponta que a litigiosidade está sendo fomentada, visto que o ideal para escapar de futuras modulações desfavoráveis é o ajuizamento de ações antes do início dos julgamentos dos temas no STF ou no STJ.
Em sua opinião, a decisão gera uma inversão no sistema tributário: o contribuinte que tinha decisão judicial favorável, que lhe garantia a condição de credor da União, torna-se devedor. “Com certeza há uma quebra de confiança no sistema tributário.”
Já Maria Andréia dos Santos, sócia do Machado Associados, destaca que a tese do STJ somente reforça a tendência registrada nos tribunais superiores de flexibilização do instituto da coisa julgada, que era a proteção máxima concedida ao contribuinte.
Isso faz com que aquele que vence uma demanda tributária, com decisão supostamente definitiva, seja obrigado a continuar acompanhando o tema em julgamentos posteriores, sob o risco de ter seu direito restringido.
“É inegável que todo esse cenário de flexibilização gera forte insegurança para os contribuintes, que, de vencedores com direito de crédito podem passar a perdedores que devem ao Fisco.”
Critérios e constitucionalidade
Maria Andréia afirma que o cenário de forte insegurança decorre também da metodologia de definição da modulação de efeitos. Essa tendência tem sido observada nos julgamentos tributários do STJ e já é percebida pelos ministros como um fator a incentivar a judicialização preventiva.
“Nesses casos, o contribuinte faz o que está ao seu alcance e sob o seu controle, ajuizando a ação judicial com antecedência e de forma preventiva”, diz a advogada. A depender do critério, nem isso resolverá, o que gera tratamento desigual aos contribuintes.
Fernando Cestari, do Abe Advogados, é o único a apontar uma luz no fim do túnel: a possibilidade do uso da ação rescisória ser revisto pelo Supremo.
A decisão do STJ se baseou no artigo 535, parágrafo 8º, do Código de Processo Civil, que autoriza a rescisória nos casos em que um título judicial se mostrar inexequível por se fundar em lei ou ato considerado inconstitucional pelo STF.
A norma fixa que o prazo para a rescisória, de dois anos, deve ser contado a partir do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo. Já há indícios, no entanto, de que esse marco pode ser considerado inconstitucional.
Um deles foi dado pelo ministro Luiz Fux, em setembro de 2023, durante o voto no caso da terceirização da atividade-fim. Ele apontou que a contagem do prazo deveria partir do trânsito em julgado da ação que se quer decidir.
“O fundamento processual adotado na tese vencedora abre a possibilidade de discussão do tema no STF, em que já houve manifestação do ministro Luiz Fux pela possível inconstitucionalidade dos referidos dispositivos processuais”, ressalta Cestari.
REsp 2.054.759
REsp 2.066.696
Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.