O STF concluiu, em 24.3.2023, o julgamento virtual do Tema 694, que dispõe, segundo o site do STF, sobre a “Possibilidade de creditamento de ICMS em operação de aquisição de matéria-prima gravada pela técnica do diferimento.”
Trata-se do leading case ( RE 781.926/GO), que se encontrava aguardando julgamento, em regime de repercussão geral, há cerca de uma década, no qual se discute a possibilidade da tomada de crédito do ICMS, por parte das distribuidoras de combustíveis, em relação às operações de aquisição de biocombustíveis (etanol anidro combustível – EAC e biodiesel – B100), supostamente submetidas ao regime do diferimento.
Na operação de aquisição com diferimento, em que há substituição tributária para trás, a jurisprudência do STF sempre vedou a possibilidade de crédito. No julgamento do Tema 694, por unanimidade, os Ministros mantiveram esse entendimento, de acordo com o voto vencedor, proferido pelo Ministro relator Dias Toffoli.
Como não há exigibilidade do ICMS nas operações com substituição tributária para trás (diferimento), o fenômeno social descrito no antecedente da regra-matriz do crédito não se concretiza, ou seja, a hipótese normativa do direito ao crédito não ocorre e, por implicação lógica, essas operações com diferimento não geram créditos para as operações subsequentes.
Todavia, esse regime de diferimento não ocorre na operação de saída dos produtores de biocombustíveis para distribuidoras de combustíveis. Ambos são substituídos pelo importador do combustível ou pela refinaria de petróleo, que ficam responsáveis pelo recolhimento do ICMS, de toda a cadeia, inclusive o imposto devido sobre os bicombustíveis, antecipadamente, por meio da substituição tributária para frente, prevista no § 7º do art. 150 da Constituição e na LC 87/1996.
Por conseguinte, o Ministro André Mendonça, após o seu pedido de vistas, identificou o error in judicando ao constatar que a realidade empírica que ocorre na aquisição de biocombustíveis é o regime de substituição tributária progressiva.
Eis alguns trechos do voto-vista do Ministro André Mendonça:
“27. Por brevidade, recorro à didática explanação de Antônio Alcoforado em comentário específico sobre o corrente tema da repercussão geral:
“Convém assinalar que há previsão, no Convênio ICMS 110/2007 e nas legislações dos Estados-Membros e do DF, da suspensão ou do diferimento do ICMS incidente nas operações de saída do importador ou do produtor do EAC ou do B100 para as distribuidoras de combustíveis. Todavia, quando se analisa a fenomenologia da tributação dos combustíveis, percebe-se que a operação de aquisição de biocombustíveis não se sujeita ao diferimento, mas a substituição tributária para frente.
É salutar lembrar que ocorre o diferimento, com substituição tributária para trás, quando a lei atribui ao adquirente de um determinado produto ou serviço a responsabilidade pelo pagamento do tributo devido na operação anterior ou operações anteriores.
Todavia, a refinaria de petróleo não adquire EAC ou B100 das usinas ou destilarias ou do importador do biocombustível. O diferimento, com substituição para trás, caracteriza-se pelo adiamento da exigência do tributo para a fase seguinte da cadeia econômica; mas essa relação não ocorre entre a refinaria de petróleo e o produtor de biocombustível. As usinas ou as destilarias relacionam-se economicamente principalmente com distribuidora de combustíveis, que adquirem delas o EAC ou o B100. A refinaria de petróleo, por sua vez, que é responsável pelo recolhimento do ICMS sobre a operação com o biocombustível, relaciona-se economicamente com a distribuidora de combustível – e não com o produtor ou o importador do EAC ou do B100. A retenção do ICMS do biocombustível pela refinaria pode ocorrer, inclusive, antes da saída do EAC ou do B100 da usina ou da destilaria para a distribuidora.
Portanto, o importador ou a refinaria de petróleo, além de recolherem o ICMS da operação própria (com diesel A ou gasolina A), ficam responsáveis pela retenção e recolhimento, antecipadamente, do imposto incidente sobre as operações subsequentes com gasolina C e diesel B, bem como sobre o ICMS dos biocombustíveis inseridos nas suas composições. Por conseguinte, as operações com EAC e B00 não estão sob a égide do diferimento ou da suspensão, mas sob o regime de substituição tributária para frente.
Dessa forma, resta estabelecida a premissa: o fenômeno tributário que ocorre na operação de saída do importador ou produtor do EAC ou do B100 para a distribuidora de petróleo não se trata de suspensão ou de substituição tributária para trás. Ao contrário, o imposto é exigido antecipadamente, por meio da substituição tributária para frente, prevista no § 7º do art. 150 da CR/1988”
(ALCOFORADO, Antônio Machado Guedes. Polêmicas nos Regimes de Tributação do ICMS Aplicáveis às Operações com Combustíveis: substituição tributária e incidência monofásica. Mimeo. Grifos nossos).
28. Trocando em miúdos, considero ser uma impropriedade técnica caracterizar empiricamente as operações de aquisição de etanol anidro carburante e biodiesel pela distribuidora de petróleo como um diferimento de ICMS. Na verdade, o imposto é recolhido antecipadamente, mediante substituição tributária para frente, no que diz respeito a toda a cadeia econômica de distribuição, ou seja, desde a refinaria até o consumidor final do combustível. Em outro estudo, veja-se o que argumentado pelo citado jurista:
“Ou seja, conforme exemplo da figura acima, quando a distribuidora (BA), adquire gasolina ‘A’ da refinaria de petróleo (RJ), esta fica responsável pelo recolhimento: (a) do ICMS próprio, que lhe é devido na condição de contribuinte da operação de venda de gasolina ‘A’ para a distribuidora; (b) do ICMS, na condição de substituta tributária, em relação à saída da gasolina ‘C’ da distribuidora e dos postos revendedores de combustíveis; e (c) do ICMS incidente sobre a quantidade de etanol anidro carburante a ser adicionado à gasolina ‘A’, no percentual fixado pela ANP. Em outras palavras, nas operações com combustíveis derivados de petróleo, em que há substituição tributária para frente, todo o ICMS devido é recolhido antecipadamente pelo contribuinte substituto (refinaria de petróleo ou importador), inclusive o ICMS supostamente ‘diferido’ da operação em que a distribuidora de combustíveis adquire das usinas o EAC para misturar à gasolina ‘A’, bem como o imposto da futura venda da gasolina ‘C’ (mistura da gasolina pura ‘A’ com EAC).
Dessa forma, pela sistemática tributária criada para o setor de combustíveis, o ICMS incidente sobre as aquisições de EAC ou B100, ao contrário de diferido, é exigido antecipadamente pelo regime de substituição tributária para frente.”
(ALCOFORADO, Antônio Machado Guedes. Análise da fenomenologia da não cumulatividade do ICMS nas operações relativas à circulação de combustíveis derivados de petróleo. MACEDO, Alberto et al. Direito Tributário e os novos Horizontes do Processo . São Paulo: Noeses, 2015, p. 122-123; grifos nossos).”
(…)
“42. Enfim, proponho a fixação da seguinte tese de julgamento ao Tema nº 694 do repertório da Repercussão Geral, em tópicos:
I – Nas aquisições de mercadorias, sob o regime de diferimento ou de substituição tributária para trás, inexiste para o contribuinte adquirente direito ao crédito do ICMS, porquanto a exigibilidade deste somente ocorre na operação subsequente e inexiste cumulatividade fiscal na espécie.
II – Na cadeia econômica de distribuição de combustíveis, sob regime plurifásico com substituição tributária, há direito ao creditamento de ICMS em favor da distribuidora, decorrente de operações de saída do etanol anidro combustível ou do biodiesel das usinas ou destilarias, independentemente de indicação do lançamento na escrituração fiscal, pois todo o ICMS devido é recolhido antecipadamente, mediante substituição tributária para frente, pela refinaria de petróleo ou pelo importador.
É como voto.
Ministro ANDRÉ MENDONÇA”
Portanto, no julgamento virtual do RE 781.926/GO, encerrado em 24.3.2023, quando o foco do julgamento foi uma realidade empírica inexistente na tributação do ICMS na aquisição de biocombustíveis, conforme o tópico I da decisão do voto-vista, foi mantida, por unanimidade, a jurisprudência do STF que impossibilita o direito ao crédito por parte do adquirente de mercadorias com diferimento.
Por outro lado, quando o Ministro André Mendonça julgou o caso concreto, de acordo com a fenomenologia de combustíveis correta, não foi considerada a aquisição de biocombustíveis pela distribuidora como diferimento, mas sim como substituição tributária para frente. Por conseguinte, conforme o tópico II do voto-vista, como na substituição progressiva há cobrança do ICMS antecipadamente, cuja responsabilidade cabe ao importador ou à refinaria de petróleo, o voto irretocável do referido Ministro admitiu o crédito das distribuidoras de combustíveis em relação às referidas aquisições.
As conclusões desses dois tópicos, propostos pelo Ministro André Mendonça para a fixação da tese de julgamento do Tema 694, coincidem com a análise da tributação do ICMS nas operações com combustíveis, abordada por Antônio Alcoforado[1] no artigo do livro do Congresso Nacional de Estudos Tributários, em 2015, cujo teor é reproduzido no Notus, na seção “Doutrina”.
Clique aqui para acessar.
[1] ALCOFORADO. Antônio Machado Guedes. Análise da fenomenologia da não cumulatividade do ICMS nas operações relativas à circulação de combustíveis derivados de petróleo. Congresso Nacional de Estudos Tributários. Direito Tributário e os Novos Horizontes do Processo. São Paulo: Noeses, 2015, p. 122.