Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) resolveu uma grande controvérsia sobre a base de cálculo do Imposto Sobre a Transmissão de Bens Imóveis Inter Vivos (ITBI), por meio do Tema nº 1.113 dos recursos repetitivos. A solução alcançada pelo STJ poderá, espera-se, ser adotada também para outros casos de arbitramento de base de cálculo de tributos (vulgarmente denominada pauta fiscal), em especial para o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) incidente na construção civil.
Tome-se o exemplo tirado da Prefeitura Municipal de São Paulo: ao invés de permitir que o contribuinte informe o valor do serviço de construção civil efetivamente contratado (preço do serviço) como base de cálculo do ISSQN, a Prefeitura determina que o responsável pela obra preencha a Declaração Tributária de Conclusão de Obra (DTCO), um formulário digital para informação da metragem construída, padrão da obra, benfeitorias etc. Na DTCO, o contribuinte também poderá informar eventuais serviços de mão de obra própria ou de terceiros tomados ao longo da construção.
Os fundamentos adotados pelo STJ para afastar o valor venal de referência do ITBI são plenamente aplicáveis para o ISS
A base de cálculo do ISSQN será definida pela multiplicação da metragem construída do imóvel, conforme informada pelo contribuinte, por um índice baseado na divulgação do Custo Unitário Básico (CUB) pelo Sindicato das Indústrias da Construção Civil de São Paulo (Sinduscon), e o valor da mão de obra informada poderá ser deduzido dessa base de cálculo.
Ainda que o procedimento acima encontre fundamento nas normas infralegais do município, ele não passa de um arbitramento por pauta fiscal mínima de valores para definição da base de cálculo para o ISSQN devido na construção civil, desconsiderando o critério eleito pelo legislador nacional: o preço do serviço (artigo 7º da Lei Complementar nº 116/2003). E o mais grave: onerando demasiada e injustamente o contribuinte.
Observe-se que a legislação não proíbe o arbitramento do preço de serviço para determinação da base de cálculo, desde que preenchido o requisito mínimo imposto pelo artigo 148 do Código Tributário Nacional: a documentação comprobatória do contribuinte deverá ser declarada inidônea ou omissa. Ainda assim, o Fisco deverá instaurar procedimento administrativo para arbitramento da base de cálculo, oportunizando o contraditório e a ampla defesa.
Mas infelizmente essa não é a realidade do contribuinte paulistano, já que a base de cálculo do ISSQN será sempre arbitrada com base na metragem e padrão do imóvel, sem qualquer possibilidade de impugnação ou questionamento, exceto por meio do Poder Judiciário. Destaque-se, inclusive, que o contribuinte paulistano é compelido (de maneira claramente inconstitucional, diga-se) ao recolhimento do imposto sob pena de, em não o fazendo, não obter o Habite-se do imóvel.
Justamente nesse ponto é que o recente Tema nº 1.113/STJ poderá, espera-se, sanar a controvérsia sobre a (i) legalidade do procedimento adotado pela Prefeitura de São Paulo e tantas outras.
O Tema nº 1.113/STJ definiu que as bases de cálculo do IPTU e do ITBI são distintas e, portanto, a base de cálculo do ITBI não pode ser vinculada ao valor do IPTU, “nem mesmo como piso de tributação”. Apesar de ambas denominarem suas bases de cálculo enquanto valor venal do imóvel, a base do IPTU, cuja origem está na Planta Genérica de Valores aprovada pelo Legislativo, não se confunde com a base do ITBI, que deve considerar o valor de mercado do imóvel.
A despeito de reconhecer a facilidade que essa vinculação traz para os municípios, o STJ consignou que a adoção de tais padrões “desconsideram a realidade de cada operação de transmissão de propriedade imobiliária efetivamente realizada”, decidindo, afinal, pela ilegitimidade da adoção do valor venal de referência previamente estabelecido pelas prefeituras como parâmetro para fixação da base de cálculo do ITBI.
Mais precisamente, o STJ entendeu que o valor de mercado depende de diversas variáveis que interferem diretamente na formação do real preço do imóvel, tais como benfeitorias, estado de conservação e interesses pessoais do vendedor e do comprador. Tais circunstâncias, em sua maioria, são de conhecimento exclusivo dos negociantes e não das prefeituras, razão pela qual não é possível o conhecimento prévio de todas essas circunstâncias para predeterminação do valor de referência do imposto.
Apoiando-se no princípio da boa-fé objetiva, o STJ determinou que o valor declarado pelo contribuinte “presume-se condizente com o valor médio de mercado do imóvel transacionado”, o que poderá ser afastado pelo Fisco por meio dos procedimentos previstos no Código Tributário Nacional (artigos 147 e 148) para verificação da veracidade dessas informações, ressalvado o direito do contribuinte ao contraditório.
Os fundamentos adotados pelo STJ para afastar o valor venal de referência do ITBI são plenamente aplicáveis para o ISSQN incidente na construção civil, já que o valor venal de referência nada mais é do que uma pauta fiscal mínima de valor tributável para o ITBI. Havendo clara identidade entre as matérias, a conclusão lógica reside na aplicação analógica da solução adotada no Tema nº 1.113/STJ também para a hipótese de pauta fiscal no ISSQN devido na construção civil.
Dessa forma, espera-se que o novo Tema nº 1.113/STJ pacifique a discussão e promova uma mudança de postura das prefeituras que adotam a pauta fiscal no cálculo do imposto. Até lá, a saída para evitar o cálculo arbitrário do ISSQN na construção civil continuará, infelizmente, sendo a via judicial.
Fonte: VALOR/ Gabriel A. Nascimento e Tiago S. B. dos Santos