PEDÁGIO PROCESSUAL
Taxa pelo início do cumprimento da sentença em São Paulo incomoda advogados
20 de janeiro de 2024
A lei paulista que instituiu novos valores para as custas judiciais entrou em vigor no último dia 3. Além de aumentar boa parte das cifras, a norma trouxe cobranças inéditas no estado. A mais preocupante, na visão de advogados, é a taxa pelo início da fase de cumprimento da sentença.
Lei estadual que entrou em vigor neste mês aumenta custas e traz cobranças inéditas
O texto estipula uma taxa de 2% sobre o crédito a ser satisfeito (o valor ao qual o credor obteve direito), a ser paga no momento da instauração do cumprimento da sentença.
Essa é a fase na qual a parte perdedora do processo é intimada a pagar o que deve. Caso não haja pagamento voluntário, o Poder Judiciário promove, por exemplo, a penhora para buscar bens e valores nas contas do devedor e, assim, garantir o cumprimento da obrigação.
Antes da nova lei, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) cobrava apenas uma taxa de 1% ao fim dessa etapa. E ela só era paga quando o credor recebia o valor integral — ou seja, era condicionada à satisfação do débito. É comum que a parte não consiga todo o montante pretendido, pois o devedor pode não ter bens suficientes para quitar o saldo.
Ou seja, a partir de agora, caso uma pessoa acione a Justiça paulista (o que já tem um custo inicial) para cobrar uma dívida ou pedir indenização de alguém e consiga uma decisão favorável, terá de pagar a nova taxa de 2% para tentar receber o valor. A ideia é que o autor pague todas as custas e, ao final, o devedor o reembolse.
Outras mudanças foram feitas nas taxas judiciárias. As custas iniciais dos processos subiram de 1% para 1,5% do valor da causa. E também passou a haver uma distinção para as ações de execução (cobrança de dívida), com uma taxa inicial de 2%.
Os agravos de instrumento (recursos contra decisões interlocutórias, que não entram no mérito do caso) também ficaram mais caros. O custo de interposição aumentou de dez para 15 unidades fiscais do estado de São Paulo (Ufesps).
Pelo valor fixado para 2024, isso significa que a taxa foi de R$ 353,60 para R$ 530,40. Pelo valor da Ufesp em 2023, o custo era de R$ 342,60. A lei não alterou os valores para recursos que discutem o mérito dos casos: a taxa continua no patamar de 4% do valor atualizado da causa ou da condenação.
Advocacia indignada
Na visão da advogada Renata Cavalcante de Oliveira, da equipe de contencioso cível estratégico e recuperação de crédito do escritório Rayes & Fagundes, a parte mais preocupante da lei é mesmo a criação da taxa no início do cumprimento de sentença.
Advogadas acreditam que nova cobrança dificulta o acesso à Justiça
O principal problema, segundo ela, é que o credor precisará adiantar um valor sem a certeza de que receberá algo do devedor. A advogada acredita que isso “dificulta ainda mais o acesso à Justiça” — em um estado no qual não é simples conseguir o benefício da Justiça gratuita.
“A parte já entra com uma ação pagando 1,5%. Se tiver de apelar, paga 4% do valor da causa. Se ganhar, ainda tem de pagar mais 2%, sem saber se a parte contrária é solvente o suficiente para pagar o débito e mais as custas”, explica ela.
Renata entende que esse cenário “onera demais” o processo para quem “já teve todo o prejuízo de ter de entrar com uma ação judicial” — ou seja, de “não ter conseguido resolver isso de forma extrajudicial”.
Quando um processo é encerrado, a parte perdedora precisa pagar as custas finais. Se não paga, é inscrita na dívida ativa. Assim, a Fazenda tem de ajuizar uma nova ação para cobrar esses valores.
De acordo com Renata, a nova lei paulista transfere essa responsabilidade para o credor. Ele passa a ser encarregado por antecipar os valores e cobrá-los do devedor, para além do montante que já é devido.
A inovação nas custas também é criticada pela seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP). A presidente da entidade, Patricia Vanzolini, diz que o adiantamento da taxa de 2% para o início do cumprimento de sentença é “bastante injusta”.
“Nós estamos diante de alguém que já teve seu direito negado, tanto é que teve de ir ao Judiciário para ter o seu crédito reconhecido”, diz ela. “Agora vai precisar pagar ainda mais, com a esperança de o crédito ser quitado.”
A presidente da OAB-SP ressalta que “a taxa de recuperabilidade nas execuções no cumprimento de sentença é muito baixa”. Ou seja, o credor pode ter de arcar com esse custo sem conseguir o crédito ao final. “É uma situação bastante injusta e que pode afastar as pessoas do acesso à Justiça.”
Historicamente, levantamentos do Judiciário apontam que, de modo geral, a fase de cumprimento da sentença é muito mais demorada do que a fase de conhecimento dos processos. É o que destaca a advogada Luciana Bazan Martins Bisetti, sócia da área de contencioso cível do escritório TozziniFreire.
“Parte dessa morosidade se deve à não quitação espontânea dos débitos pelos devedores e às dificuldades na localização de ativos em seus nomes, que sejam passíveis de constrição.” Segundo ela, esses obstáculos tornam essa fase “extensa, trabalhosa e, não raramente, infrutífera”.
Projeto que resultou na lei foi proposto pelo próprio TJ-SP
Para Luciana, “a alteração da lei que versa sobre as taxas judiciárias não parece levar em conta esse cenário de dificuldades”. Na sua visão, “essa medida certamente imporá aos credores uma reflexão mais apurada sobre os benefícios, especialmente financeiros, de se iniciar o cumprimento de sentença e até mesmo de se ajuizar novas ações judiciais visando à recuperação de créditos”.
Magistratura satisfeita
Aprovada pela Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) em setembro do último ano, e sancionada pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) em outubro, a lei é fruto de um projeto apresentado pelo próprio TJ-SP em 2021.
A iniciativa foi do desembargador Ricardo Mair Anafe, então corregedor-geral da Justiça paulista. Em 2022, ele se tornou presidente da corte, cargo que deixou neste mês de janeiro.
A Associação Paulista de Magistrados (Apamagis) defende a taxa pelo início do cumprimento de sentença. De acordo com a juíza Laura de Mattos Almeida, segunda vice-presidente da entidade, “a alteração busca centralizar o recolhimento das custas de execução no início do procedimento, eliminando as custas finais, que eram recolhidas quando da satisfação da execução”.
A ideia pregada é que o autor da ação pode ser ressarcido ao inserir o valor da taxa no total a ser cobrado do executado. Segundo Laura, isso garante um aumento de arrecadação e evita atos — “nem sempre dotados de efetividade” — de intimação e inscrição na dívida ativa com relação às custas finais.
A magistrada destaca que, pela lógica anterior, se o devedor pagasse 99% do crédito, “o Estado não recebia nada, pois o recolhimento das custas finais demandava satisfação integral”.
Assim, caso apenas parte do valor devido fosse quitado — algo bem frequente — “o serviço era prestado sem contraprestação alguma”. Para a juíza, “isso, sim, não parece justo”.
Procurada pela revista eletrônica Consultor Jurídico, a assessoria de imprensa do TJ-SP não se manifestou sobre as críticas da advocacia à nova regra para o cumprimento da sentença.
José Higídio
é repórter da revista Consultor Jurídico.