Benefícios representam renúncia fiscal e, por isso, a União não pode exigir seus tributos sobre os mesmos.
Os benefícios fiscais ou subvenções têm por característica a destinação dos recursos públicos a projetos específicos, geralmente voltados à expansão das atividades econômicas e geração de novos postos de trabalho. É bastante comum a utilização pela União, Estados e municípios de incentivos que representem redução da carga tributária com o intuito de fomentar os mais variados investimentos que possam alavancar a economia.
Esses benefícios fiscais, historicamente, são concedidos de maneiras diferentes no Brasil e comportam duas espécies: as subvenções de custeio e as subvenções de investimento. A subvenção para custeio é a transferência de recursos para uma pessoa jurídica com a finalidade de auxiliá-la no atendimento do seu conjunto de despesas. Trata-se de um auxílio econômico genérico para o adimplemento de seu passivo, de forma indiscriminada. Esse é o caso da concessão de subvenção econômica nas operações de crédito rural, por meio da Lei nº 8.427, de 1992.
Benefícios representam renúncia fiscal e, por isso, a União não pode exigir seus tributos sobre os mesmos.
Já a subvenção de investimento é a transferência de recursos para uma pessoa jurídica com o intuito de auxiliá-la na aplicação em bens ou direitos para implantar ou expandir empreendimentos econômicos. Ou seja, ela está atrelada à aplicação específica em algum eventual plano de investimento.
É o que acontece, por exemplo, com as políticas governamentais que largamente são utilizadas em países desenvolvidos no sentido de estimular a inovação nas empresas. É o caso do marco regulatório estabelecido a partir da aprovação da Lei nº 10.973 (Lei da Inovação), de dezembro de 2004, regulamentada pelo Decreto nº 5.563, de outubro de 2005, e da Lei nº 11.196 (Lei do Bem), de novembro de 2005, regulamentada pelo Decreto nº 5.798, de junho de 2006. Aqui, a contraprestação por parte do contribuinte é mais rigorosa.
Agora, vamos analisar o que está acontecendo com os incentivos fiscais concedidos pelos Estados para atração de investimentos por meio da redução do valor do ICMS. Quando o benefício é concedido, acaba ocorrendo o aumento do lucro real das empresas e, portanto, aumento nas bases de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Isso porque a Receita Federal entende que eles representam a entrada de receita nova ao contribuinte. Só que, com o advento da Lei Complementar nº 160, de 2017, esses incentivos podem passar a ser considerados subvenções para investimento. E as subvenções para investimento, segundo a própria Receita, não precisam ser computadas na determinação do lucro real – sem cobrança, portanto, de IRPJ e CSLL sobre o valor -, desde que observadas as condições impostas por lei.
Surpreendentemente, no fim de 2020, o órgão manifestou posição discrepante. A Solução de Consulta nº 145/2020 diz que os benefícios fiscais de ICMS podem ser excluídos da base de cálculo de ambos os tributos apenas quando comprovado que foram concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos – requisito imposto pelo artigo 30 da Lei nº 12.973, de 2014. No entanto, a exigência de comprovação é irrelevante, já que uma empresa recebe subvenção para investimento somente se cumprir essas condições. Ou seja, mudou de entendimento, mesmo sem a alteração legislativa, e criou mais um desnecessário obstáculo burocrático para o contribuinte.
Trata-se de uma ilegalidade notória. Ora, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu, em recurso especial, que os créditos presumidos de ICMS (subvenções para investimento) não constituem receita tributável e, independentemente se de custeio ou para investimento, as subvenções não serão computadas no lucro real – não havendo pagamento de IRPJ e CSLL.
Em outras palavras, o Superior Tribunal de Justiça entende que, a partir do momento que os Estados da federação concedem determinados benefícios, esses representam renúncia fiscal em favor do contribuinte com o intuito de fomentar a economia. Por isso, não pode o outro ente público, a União, exigir seus tributos sobre os mesmos.
A natureza da subvenção é incentivar e estimular empreendimentos econômicos e não pode ser transformada em requisito. Mais do que nunca, o Judiciário passou a ser aliado do contribuinte na manutenção da legalidade. Segundo Francis Fukuyama, a capacidade institucional de um Estado é fundamental para que ele possa funcionar de forma plena. Ele responde: “O que são Estados fracassados, afinal? A literatura entende o fracasso estatal como a falta de capacidade institucional para desempenhar funções básicas”. Com esse intolerável ativismo fazendário que gera litígio e mais burocracia, somos obrigados a aceitar a crítica: “Temos um Estado fraco”.
FONTE: Valor Econômico – Por Rafael Marin, 19/02/2021.