A Eletrobrás poderá ganhar uma segunda chance do Superior Tribunal de Justiça (STJ) na discussão sobre a correção dos empréstimos compulsórios. Os ministros começaram a julgar os embargos de declaração em que a empresa contesta a forma como foram fixados os juros remuneratórios dos valores que têm de ser devolvidos aos consumidores. Há, por enquanto, sete votos – quatro deles para atender o pedido da empresa.
Essa é uma discussão cara para a Eletrobrás. São R$ 11 bilhões envolvidos. Todo esse montante está diretamente ligado ao prazo de incidência dos juros remuneratórios. A 1ª Seção decidiu, em junho de 2019, que a correção deve ser aplicada até o efetivo pagamento dos valores não convertidos em ações – e não até 2005, ano da última assembleia de conversão, como queria a empresa.
A Eletrobrás contesta, nos embargos, a possibilidade de cumulação dos juros remuneratórios e moratórios (EAREsp 790 288). Esse caso entrou na pauta de ontem da 1ª Seção, mas o julgamento foi interrompido por um pedido de vista da ministra Assusete Magalhães.
“Eu tenho sido muito rigorosa no julgamento de embargos de declaração, para evitar que em sede de declaratórios se rejulgue uma causa, mas confesso que alguns pontos que aqui foram colocado me suscitaram algumas dúvidas”, disse a ministra.
O depósito compulsório foi criado nos anos 60 com a finalidade de gerar recursos ao governo para a expansão do setor elétrico. A contribuição era cobrada na conta de luz dos clientes com consumo superior a dois mil quilowatts/hora (kWh) por mês.
A cobrança seria extinta em 1977, mas foi prorrogada até 1993. Por lei, os consumidores poderiam depois converter os valores pagos em ações da Eletrobrás.
Em 2009, o STJ decidiu, em caráter repetitivo, que a empresa deveria corrigir os créditos. Boa parte do compulsório, naquela data, já havia sido paga pela empresa por meio da conversão dos valores em ações. A última assembleia ocorreu no ano de 2005.
Os consumidores alegaram, depois disso, no entanto, que a correção efetuada foi menor do que a devida. Alguns não tiveram todo o montante convertido em ações e, por isso, ainda têm valores a receber.
É o caso da Decoradora Roma, uma das partes do processo em julgamento na 1ª Seção. A empresa questionou a data final de aplicação dos juros remuneratórios, de 6% ao ano, para os valores que não foram convertidos em ações. Pediu aos ministros para que seja a data do efetivo pagamento e não a da última assembleia, em 2005, como entendia a Eletrobrás.
O julgamento teve placar apertado: cinco a quatro. Prevaleceu o voto do relator, o ministro Gurgel de Faria. Ele entendeu que, ao julgar o repetitivo, a Seção decidiu que são devidos juros remuneratórios de 6% ao ano sobre a correção monetária.
O ministro disse que o STJ entende que a diferença a ser paga em dinheiro, sobre o número não convertido em ações, deve ter correção plena, expurgos inflacionários e juros remuneratórios até o efetivo pagamento.
Agora, em sede de embargos, ele manteve o posicionamento – negando o recurso apresentado pela Eletrobras. Gurgel de Faria está sendo acompanhado, por enquanto, por Napoleão Nunes Maia Filho e Og Fernandes.
Os ministros Sérgio Kukina, Herman Benjamin, Francisco Falcão e Mauro Campbell Marques divergiram. Para eles, esse entendimento é diferente da decisão proferida em repetitivo no ano de 2009. Eles consideram existir erro material no acórdão que deu ganho de causa à Decoradora Roma.
Para a divergência, existem duas situações diferentes: a de consumidores que converteram os seus créditos em ações, mas por um erro no cálculo, ainda têm valores a receber e a de consumidores impossibilitados de converter os créditos em ações.
Na primeira hipótese – em que está a Decoradora Roma -, afirmam, não poderiam incidir os juros remuneratórios. Os ministros dizem que essa peculiaridade não foi levada em conta na decisão.
O voto do ministro Mauro Campbell Marques tem um peso importante no julgamento dos embargos. Quando a decisão foi proferida, em favor da Decoradora Roma, ele não participou do julgamento porque ocupava o cargo de presidente da Seção. Hoje, quem está na presidência é o ministro Benedito Gonçalves, que, na ocasião, havia votado contra a Eletrobrás.
Como, na época, o placar foi apertado – cinco a quatro – há chances de, com essa mudança de composição, o julgamento dos embargos ter resultado invertido.
FONTE: Valor Econômico – Por Joice Bacelo e Beatriz Olivon, 15 de outubro de 2020