Ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm rejeitado os recursos apresentados pela Prefeitura de São Paulo para impedir que escritórios de advocacia com atuação na arbitragem paguem o Imposto sobre Serviços (ISS) como sociedade uniprofissional. Há uma decisão proferida pela ministra Regina Helena Costa e outra por Og Fernandes.
As sociedades uniprofissionais são comuns entre colegas de uma mesma profissão e têm direito ao recolhimento de um ISS diferenciado. Os valores são, geralmente, mais baixos que os cobrados das empresas tradicionais.
Essa regra está prevista no Decreto-Lei nº 406, de 1968. Paga-se uma quantia fixa para cada sócio, enquanto as demais empresas têm de repassar um percentual sobre o faturamento.
Em São Paulo, por exemplo, um escritório de advocacia paga entre R$ 300 e R$ 400 por sócio a cada trimestre. Se for desenquadrado do regime especial do ISS, no entanto, terá de pagar ao município, todos os meses, 5% sobre os valores das notas fiscais que foram emitidas.
Desde 2018 percebe-se, no meio jurídico, um movimento da prefeitura para tentar desenquadrar os escritórios que têm, em seu quadro societário, profissionais que atuam na arbitragem. Trata-se de uma via alternativa ao Judiciário – muito usada pelas empresas para resolver conflitos contratuais. Nesses procedimentos, os advogados podem atuar tanto como representantes das partes como julgadores (árbitros).
Só que a prefeitura entende que a arbitragem não é privativa à área e, ao oferecer esse serviço, a banca deixa de ter como atividade exclusiva a advocacia – critério exigido para as sociedades uniprofissionais. É por esse motivo que ocorrem os desenquadramentos.
Os advogados passaram, então, a recorrer à Justiça e vêm obtendo sucesso no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Os desembargadores consideram o fato de os escritórios só conseguirem o registro na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) se atenderem as cláusulas que constam no Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906, de 1994). Entre elas, está a vedação ao funcionamento de sociedade com característica empresarial e estranha à advocacia.
A prefeitura tenta reverter essas decisões por meio de recursos ao STJ. Até agora, no entanto, não teve sucesso. Os dois casos julgados – contrários aos pedidos do município – são os únicos que se têm notícias sobre o tema.
Os ministros sequer entraram no mérito da discussão. Regina Helena Costa, integrante da 1ª Turma, por exemplo, nem admitiu o recurso. Segundo a ministra, o município, no caso que estava em análise, não atacou os fundamentos da decisão do tribunal paulista (REsp 1852325).
“Esta Corte tem firme posicionamento segundo o qual a falta de combate a fundamento suficiente para manter o acórdão recorrido justifica a aplicação, por analogia, da Súmula 283”, diz a ministra na decisão.
Já no outro caso, o ministro Og Fernandes, integrante da 2ª Turma do STJ, conheceu do recurso, mas negou provimento. Ele considerou que para desenquadrar do regime, a prefeitura teria que demonstrar, por meio de provas, que o escritório infringiu as regras da OAB. E, nesse caso, a análise teria de ser feita na segunda instância.
“Se a violação do dispositivo legal invocado perpassa pela necessidade de se fixar premissa fática diversa da que consta no aresto impugnado, inviável o apelo”, afirma o ministro na decisão (REsp 1891277).
O município de São Paulo ainda pode recorrer dessas decisões às turmas de direito público. Em nota, informa que o ordenamento municipal é claro ao vedar a realização de mais de uma atividade por sociedades enquadradas no regime das uniprofissionais.
Para a prefeitura, ao prestarem serviços de arbitragem, juntamente com os de advocacia, os escritórios estão ferindo tal regra, o que deve, necessariamente, levar ao desenquadramento. Acrescenta ainda que o impacto dessa discussão para os cofres do município está estimado em centenas de milhões de reais.
Entre os advogados, no entanto, a expectativa é de que as decisões sejam mantidas. Especialmente porque a atividade da arbitragem consta nas regras do Conselho Federal da OAB. O pleno decidiu, em 2013, tratar-se de “modalidade legítima” e que “faz parte da natureza da advocacia”.
“Os ministros não entraram no mérito, o que seria ideal para sedimentar a questão no âmbito do STJ, mas os dois casos, sem dúvida alguma, indicam que a tese dos contribuintes deve prevalecer”, diz o advogado Marcelo Escobar, que tem atuação em ambos os recursos.
Além desses casos, os profissionais que atuam como árbitro obtiveram, recentemente, uma decisão importante em relação aos tributos federais. O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) definiu que os honorários recebidos pelos advogados nesses trabalhos devem ser tributados na pessoa jurídica. Com isso, pagam 15% – e não 27,5% – de Imposto de Renda.
A decisão foi proferida pela 2ª Turma da 2ª Câmara da 2ª Seção. É a primeira que se tem notícias em favor dos advogados (processo nº 12448.730776/2014-91).
A OAB, além disso, recebeu consulta sobre o tema e publicou o Provimento nº 196, de 2020. Reforça, nesse documento, que constitui atividade advocatícia a atuação de advogados como conciliadores, mediadores, árbitros ou pareceristas. E acrescenta que a remuneração pela prática dessas atividades tem natureza de honorários advocatícios.
Valor Econômico – Por Joice Bacelo, 14/09/2021.