O Superior Tribunal de Justiça (STJ) poderá julgar, pela primeira vez, a cobrança de contribuição previdenciária sobre venda de ações de empresas a funcionários – as chamadas “stock options”. Os ministros vão analisar um recurso da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) contra decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, em São Paulo, que beneficiou a Skanska Brasil.
Os planos de stock options são usados para reter ou atrair, principalmente, funcionários de alto escalão. A prática varia de acordo com a companhia. Mas em geral permite aos empregados adquirir ações de forma mais vantajosa do que no mercado. Há, geralmente, um período de carência para a aquisição e, após a compra, o funcionário deve ainda aguardar mais um período predeterminado para poder vender os papéis.
Para as empresas, trata-se de um contrato de natureza mercantil. Já a União entende as stock options como uma remuneração indireta aos funcionários. Considera que têm natureza salarial e não mercantil e, por esse motivo, aplica a contribuição previdenciária – de 20% sobre o total destinado aos funcionários.
A Skanska Brasil, subsidiária de uma construtora sueca, adota o plano de stock options mundial. Permite comprar ações da controladora e receber os rendimentos decorrentes, proporcionais aos resultados obtidos pelas subsidiárias em diversos países.
As ações são oferecidas para os funcionários pelo preço de mercado. Mas há vantagens: quanto maior o tempo na empresa, maior será o rendimento, e, além disso, após a carência de três anos, a cada dez ações compradas o funcionário recebe outras dez ações.
A empresa não chegou a ser autuada. Ao observar o entendimento adotado pela Receita Federal, decidiu recorrer à Justiça de forma preventiva para que pudesse usar as stock options com segurança. Em 2013, tinha conseguido tutela antecipada (espécie de liminar), que foi mantida pelo TRF da 3ª Região. Depois, tanto a primeira como a segunda instância confirmaram a decisão de mérito.
A União apresentou, então, o recurso contra o acórdão que dispensou a empresa do pagamento da contribuição previdenciária. A análise desse caso, que tem como relator o ministro Francisco Falcão, será feita pela 2ª Turma do STJ (REsp nº 1.737.555). Não há ainda, porém, uma data prevista para o julgamento.
Já há, no entanto, um parecer do Ministério Público Federal para que o pedido da PGFN não seja aceito. No documento assinado pelo procurador Roberto Moreira de Almeida consta que as características da relação entre os funcionários que aderiram ao plano de compra de ações e a empresa “destoa das premissas legais para a incidência da contribuição previdenciária patronal”.
O procurador cita o caráter voluntário da adesão ao programa e também o fato de os valores auferidos pelos funcionários “não se destinarem a retribuir trabalho”. “Decorrem de uma relação jurídica contratual de natureza mercantil”, afirma o representante do MP no documento que foi anexado aos autos.
Representante da Skanska, o advogado Guilherme de Almeida Henriques, do escritório Henriques Advogados, vê como algo natural as empresas, diante de um cenário de maior competição, tentarem criar mecanismo para reter e atrair funcionários. “Uma das formas mais eficientes de criar essa relação é tornar esses colaboradores sócios das empresas”, diz.
De acordo com o advogado, as stock options têm elementos essenciais que as caracterizam como contrato mercantil. São três. Um deles é a onerosidade, ou seja, os empregados devem comprar a participação acionária. Além disso, a compra tem que ser facultativa – como citou o procurador do MP em seu parecer – e deve haver risco, sem um mecanismo que impeça perdas se o valor das ações cair, por exemplo.
Um posicionamento do STJ sobre esse tema é importante e esperado pelo mercado porque poderá servir como precedente para outros processos. “O caso que será analisado aparentemente preenche todos os requisitos necessários para que se caracterize o contrato mercantil. Há boas chances para os contribuintes”, observa o advogado Pedro Ackel, do escritório WFaria.
Ele chama a atenção que o cenário na esfera administrativa não é bom para as empresas. As companhias têm sofrido reiteradas derrotas, em razão das stock options, no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
Entre elas, por exemplo, estão a Brasil Foods (BRF) e a construtora Gafisa. O processo envolvendo a Gafisa foi julgado pela 2ª Turma da Câmara Superior no ano de 2017 (processo nº 16561. 720198/2012-78). Os conselheiros mantiveram cobranças de contribuição previdenciária referentes aos planos que foram acordados com os funcionários nos anos de 2000, 2006 e 2008.
Já o processo sobre as stock options da BRF foi analisado pela 2ª Turma da 4ª Câmara da 2ª Seção há cerca de um ano. Os conselheiros mantiveram, nesse caso, uma cobrança de contribuição previdenciária de cerca de R$ 90 milhões (processo nº 10983.720240/2015-56).
“O Carf tem sido bastante conservador nesses julgamentos”, enfatiza o advogado Maucir Fregonesi Júnior, do escritório Siqueira Castro. “Os conselheiros vêm entendendo que como o direito de adquirir as ações depende do vínculo de emprego com a empresa, somente em casos extremos o plano de compra de ações não teria natureza salarial”, complementa.
Não há, segundo o advogado, uma legislação específica, do ponto de vista tributário, sobre esse assunto. Ele chama a atenção que além das discussões previdenciárias, existe uma outra, envolvendo o Imposto de Renda incidente sobre os valores recebidos pelos funcionários. Nesse caso, contextualiza, discute-se a aplicação de 15% sobre o ganho que o empregado teve com a venda da ação ou a tabela progressiva, com alíquotas de até 27,5%, que incide sobre o salário.
A PGFN ainda não tem os números preliminares do impacto financeiro da tese que trata da contribuição previdenciária das stock options. O cálculo é considerado difícil, por depender de cada empresa e de cada remuneração combinada aos executivos.
Para a procuradoria, as stock options vem sendo oferecidas a empregados de alto escalão de grandes companhias para retribuir o trabalho prestado. Nesse caso, representam incremento patrimonial e, portanto, a contribuição previdenciária deve incidir sobre elas.
Por Beatriz Olivon e Joice Bacelo | De Brasília
Fonte : Valor-18/04/2019