Para o tribunal, cumprimento parcial de um contrato de fornecimento de software gera sua rescisão.
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o cumprimento parcial de um contrato de fornecimento de software gera sua rescisão. Para os ministros, a entrega de produto que não resolve completamente o que foi pedido pela empresa não caracteriza o cumprimento parcial.
Os advogados do caso desconhecem precedentes sobre o tema. Segundo eles, o STJ entrou no mérito da ação, o que não ocorreu em casos similares. Para o relator, ministro Moura Ribeiro, as peculiaridades do caso afastaram as súmulas 5ª e 7ª, que impedem a análise de provas pela Corte.
O julgamento reformou decisão de primeira instância e do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que haviam negado o pedido de rescisão contratual. Para o TJ-SP, o pagamento deveria ser mantido já que o sistema foi entregue e implantado, mesmo que parcialmente.
A ação judicial foi proposta em 2012. A Universal Automotive Systems alegou descumprimento de contrato pela Totvs – que previa desenvolvimento e implementação de software para gestão empresarial integrada. O caso chegou ao STJ em recurso da Universal (REsp 1731193).
Para o ministro Moura Ribeiro, a prestação deficitária ou incompleta só representa cumprimento parcial da obrigação quando o credor consegue aproveitar a parte entregue. Caso contrário, fica configurado inadimplemento total.
“Segundo afirmado pelas instâncias de origem, soberanas na análise das provas, o software foi desenvolvido e implementado parcialmente. Mas isso não significa, necessariamente, que houve adimplemento parcial da obrigação”, diz ele no voto.
Ainda de acordo com o relator, para distinguir o cumprimento parcial do inadimplemento total é preciso levar em consideração a conduta do devedor, a intenção das partes no momento da contratação e o proveito do credor. “Apenas haverá cumprimento parcial quando a prestação, ainda que de forma deficitária ou incompleta, tenha atendido ao interesse jurídico do credor”, afirma.
Por isso, Moura Ribeiro considerou necessário analisar a natureza da obrigação assumida e do interesse que moveu as partes para celebração – questões que são jurídicas e não fáticas. Segundo ele, como os serviços prestados não atenderam nem de forma parcial o interesse da Universal no momento de celebração do contrato, não caracterizam cumprimento parcial da obrigação.
O pedido de perdas e danos, contudo, não foi aceito. Para o relator, não ficou comprovado o nexo causal entre a conduta da Totvs e os prejuízos alegados.
O advogado da Universal, Leonardo Fernandes Ranna, destaca que, para o STJ, o desenvolvimento de um software é uma obrigação de resultado. “Só há cumprimento da obrigação prevista no contato se o software é entregue e funciona”, afirma.
A obrigação do resultado não significa que o software deve promover um aumento de lucros ou diminuição de custos na empresa, de acordo com Ranna, mas que o software seja entregue pronto, desenvolvido e funcionando.
A Totvs pretende apresentar embargos de declaração para pedir esclarecimentos sobre a decisão, segundo seu advogado, Aluisio Berezowski, do escritório Tepedino, Berezowski e Poppa. Para ele, o STJ não esclareceu como ficam os quase 20 anos de uso do software.
“Não houve má prestação de serviço, se discutia a extensão dos serviços”, diz. A Universal, acrescenta, ganhou “muito pouco” com a devolução do valor pago e sem as indenizações que pedia. “A decisão não é ruim para a Totvs em termos de valores, mas não é comum o STJ entrar na apreciação de fatos. O contrato foi adimplido e o serviço bem-prestado.”
Valor Econômico – Por Beatriz Olivon – 13 de outubro de 2020