Decisão da 1ª Seção, por maioria de votos, foi dada em recursos repetitivos.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) mudou o entendimento sobre as despesas com descarga, manuseio e conferência de mercadorias em portos e aeroportos – a chamada capatazia. Os ministros da 1ª Seção decidiram ontem, por um placar apertado de cinco votos a quatro, que esse custo está inserido na composição do valor aduaneiro e, consequentemente, deve ser incluído na base de cálculo do Imposto de Importação.
A decisão foi proferida em caráter repetitivo, o que significa que deverá ser seguida pela primeira e segunda instâncias e também pelos ministros das duas turmas que julgam as questões de direito público na Corte.
O efeito prático, para as empresas, será um aumento na tributação. E não só do Imposto de Importação. Advogados chamam a atenção que o julgamento de ontem terá reflexo em outras situações. Isso porque o valor aduaneiro serve como base de cálculo também para o IPI, PIS e Cofins- Importação e ICMS.
A discussão, se tivesse desfecho contrário, geraria prejuízo de cerca de R$ 12 bilhões para a União – levando em conta a devolução do que foi pago pelos contribuintes nos últimos cinco anos.
Os ministros analisaram o tema por meio de três recursos (REsp 1799306, REsp 1799308 e REsp 1799309). Todos eles haviam sido apresentados pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) contra decisões do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4 ª Região que favoreciam as empresas.
As decisões nas turmas vinham sendo proferidas, até então, em sentido contrário à Fazenda. Os julgamentos, no entanto, não eram unânimes. E foi justamente por uma mudança na composição que se deu a virada na jurisprudência.
O ministro Francisco Falcão, que ocupou o lugar de Humberto Martins – atual corregedor nacional de Justiça – proferiu o voto que acabou virando o jogo. Humberto Martins tinha posicionamento favorável ao contribuinte, já o ministro Falcão proferiu voto em sentido diferente, que favoreceu a União.
A discussão, na 1ª Seção, era saber se o artigo 4º da Instrução Normativa da Receita Federal de nº 327, publicada no ano de 2003, poderia servir de base para a cobrança do imposto.
Esse julgamento teve início em dezembro do ano passado. Naquela ocasião votou somente o relator, ministro Gurgel de Faria, de forma favorável ao contribuinte – que acabou ficando vencido. Ele aplicou o entendimento que até então prevalecia na Corte.
O artigo 40 da Lei nº 12.815, de 2013, para Gurgel de Faria, é claro no sentido de que os serviços de capatazia “não integram o valor aduaneiro e, portanto, não devem ser considerados para fins de composição da base de cálculo”. Por esse motivo, segundo o relator, a norma que foi editada pela Receita Federal acabou por ampliar a base de cálculo do imposto sem amparo em lei.
Já o ministro Francisco Falcão, que abriu o julgamento na sessão de ontem, apresentou voto divergente. Ele afirmou que não se tratava apenas de ato administrativo interno. O ministro citou que o Decreto nº 6.759, de 2009, que regulamentou as atividades aduaneiras de fiscalização, controle e tributação das operações, ratificou a norma que anos antes foi editada pela Receita Federal.
Falcão levou em conta, ainda, o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, conhecido como GATT, de 1994, que no artigo 7º estabelece normas para a determinação “do valor para fins alfandegários”. “Ou seja, o valor aduaneiro”, disse o ministro ao proferir o voto. “O referido artigo 7º foi regulamentado pelo Decreto 2.498, de 1998, que no artigo 17 prevê o valor aduaneiro independentemente do método de valoração utilizado”, frisou.
Os ministros Herman Benjamin, Og Fernandes, Sérgio Kukina e Napoleão Nunes Maia Filho acompanharam o voto do ministro Francisco Falcão. Já Regina Helena Costa, Mauro Campbell e Assusete Magalhães seguiram o relator e ficaram vencidos.
O procurador Péricles de Sousa, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, diz que há decisão do parlamento do Mercosul para que as despesas de capatazia sejam incluídas no código aduaneiro comum e que, se a decisão do STJ tivesse sido contrária, o Brasil seria o único país a considerar a cobrança como ilegal. “Os outros países podem escolher se querem ou não incluir e o Brasil não teria escolha”, diz. “Politicamente pode ser zerado. Mas a decisão, aí, será do Ministério da Economia.”
Entidades do setor devem levar o caso ao governo e ao Congresso, afirma Paulo Castelo Branco, presidente executivo da Associação Brasileira de Máquinas e Indústrias (Abimei). Ele vê a decisão do STJ como uma “distorção”. ‘Máquinas e equipamentos deveriam ser isentos de impostos. Quando você compra máquina para a produção aqui no Brasil, você vai gerar emprego e vai gerar imposto também”, afirma.
Valor Econômico – Por Joice Bacelo – 12 de março de 2020