RECURSO ESPECIAL Nº 2142338 – SP (2023/0177777-6)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. NEGATIVA
DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. MULTA DO ART. 1.026, § 2º, DO
CPC. NÃO INCIDÊNCIA. PENHORA DE IMÓVEL. USUFRUTUO VITALÍCIO. NUPROPRIETÁRIA DEVEDORA QUE NÃO RESIDE NO BEM. MORADIA DOS
GENITORES NA CONDIÇÃO DE USUFRUTUÁRIOS. BEM DE FAMÍLIA.
CARACTERIZAÇÃO. IMPENHORABILIDADE. FRAUDE À EXECUÇÃO. INEFICÁCIA
DA ALIENAÇÃO. PROTEÇÃO DA IMPENHORABILIDADE MANTIDA. IMÓVEL
QUALIFICADO COMO BEM DE FAMÍLIA ANTES DA ALIENAÇÃO. SITUAÇÃO
INALTERADA PELA ALIENAÇÃO APONTADA COMO FRAUDULENTA. DISSÍDIO
JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO.
- Embargos de terceiro, dos quais foi extraído o presente recurso especial,
interposto em 18/8/2022 e concluso ao gabinete em 6/6/2023.
- O propósito recursal é decidir se (I) houve negativa de prestação
jurisdicional; (II) deve ser afastada a multa dos embargos de declaração; (III) o
único imóvel de propriedade da devedora, onde residem seus genitores em
razão de usufruto vitalício, pode ser considerado bem de família, mesmo que
a devedora não resida nele; (IV) a configuração de fraude à execução afasta a
impenhorabilidade do bem de família, ainda que o imóvel ostentasse essa
qualidade antes da alienação apontada como fraudulenta.
- Ausente omissão, contradição, obscuridade ou erro material no acórdão
recorrido, afasta-se a alegada violação do art. 1.022 do CPC.
- A oposição de embargos de declaração, com manifesto caráter
protelatório, enseja a aplicação de multa, na forma do art. 1.026, § 2º, do
CPC, situação, contudo, não presente na espécie.
- O imóvel no qual residem apenas os genitores da proprietária devedora,
em razão de usufruto vitalício, é considerado bem de família impenhorável.
- Não é necessário que a devedora proprietária resida no bem para ele
merecer a proteção do bem de família, bastando que seja o único imóvel da
entidade familiar e seja utilizado com a finalidade de moradia permanente,
como estabelece o art. 5º da Lei nº 8.009/1990.
- Sobre a fraude envolvendo bem de família impenhorável, a jurisprudência
atual desta Corte entende que o parâmetro crucial para discernir se há ou não
fraude contra credores ou à execução é verificar a ocorrência de alteração na
destinação primitiva do imóvel – qual seja, a morada da família – ou de desvio
do proveito econômico da alienação (se existente) em prejuízo do credor.
Inexistentes tais requisitos, não há alienação fraudulenta.
- Assim, havendo alegação de alienação em fraude à execução envolvendo
bem de família impenhorável, será necessário analisar: I) se, antes da
alienação, o imóvel já se qualificava como um bem de família, não incidindo
nenhuma exceção legal, como aquelas previstas no art. 3º da Lei nº
8.009/1990; e II) se, após a alienação, o imóvel manteve a qualidade de bem
de família, ou seja, se continuou a servir de moradia à entidade familiar.
- No recurso sob julgamento, os genitores da devedora residem no imóvel de
propriedade desta, na condição de usufrutuários, desde 2014, quando já se
qualificava como bem de família impenhorável. Embora o imóvel tenha sido
doado pela devedora aos seus pais em 2018, a situação fática em nada se
alterou, considerando que o bem continuou servindo como residência da
entidade familiar, permanecendo na posse das mesmas pessoais e com a
destinação de moradia inalterada.
- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente
provido, tão somente para afastar a multa aplicada à recorrente no
julgamento dos embargos de declaração.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da TERCEIRA TURMA, por unanimidade, conhecer em parte do recurso
especial e, nessa extensão, dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto da Sra.
Ministra Relatora.
Os Srs. Ministros Humberto Martins, Ricardo Villas Bôas Cueva, Moura Ribeiro
e Carlos Cini Marchionatti (Desembargador Convocado TJRS) votaram com a Sra. Ministra
Relatora. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Humberto Martins.
Brasília, 11 de fevereiro de 2025.
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora