PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. IPI. CLASSIFICAÇÃO FISCAL DE MERCADORIA QUE CONTÉM DERIVADOS DO LEITE. AÇÃO ANULATÓRIA DA DECISÃO DA RECEITA FEDERAL, PROFERIDA EM SOLUÇÃO DE CONSULTA. NECESSIDADE DE EXAURIMENTO DA EXEGESE DE NORMAS DO MERCOSUL, ANTES DE PROCEDER AO ENQUADRAMENTO DO BEM COM BASE EM ATOS NORMATIVOS INFRALEGAIS NACIONAIS. AUSÊNCIA DE VALORAÇÃO. OMISSÃO CONFIGURADA.
- Não há espaço para aplicação das Súmulas 283 e 284 do Supremo Tribunal Federal, pois, segundo a argumentação veiculada no Recurso Especial do ente público, os critérios definidos na legislação aduaneira seguem o conteúdo de tratados internacionais.
Consequentemente, a utilização da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), que encampa o Sistema Harmonizado de Designação e Classificação de Mercadorias (SH) e as Notas Explicativas que o subsidiam (NESH), não pode ser substituída por sistemas de classificação elaborados por órgãos internos brasileiros (como é o caso do Ministério da Agricultura), sob pena de causar desequilíbrio no comércio internacional.
- Tal argumento foi elaborado para impugnar o entendimento da Corte regional (que optou genericamente pela aplicação de ato infralegal do Ministério da Agricultura), de modo que não há deficiência nas razões do Recurso Especial do ente fazendário, sendo inaplicáveis as Súmulas 283 e 284 do STF.
- Igualmente, deve ser mantida a parcela da decisão que acolheu a tese de violação do art. 1.022 do Código Processual Civil de 2015, pois o Tribunal de origem, ao deduzir que as Regras Gerais de Interpretação do Sistema Harmonizado (RGI/SH) eram inconclusivas para fins de enquadramento da mercadoria na Tabela de incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (TIPI), passou a adotar imediatamente a normatização local produzida pelo Ministério da Agricultura.
- Ao assim proceder, a Corte regional deixou de enfrentar a argumentação veiculada nos Aclaratórios da Fazenda Nacional, no sentido de que os tratados internacionais a respeito do tema preveem a ordem sequencial das normas que disciplinam a classificação dos produtos: em primeiro lugar, as Regras Gerais de Interpretação do Sistema Harmonizado (RGI/SH); em segundo lugar, caso a RGI/SH não seja suficiente, passa-se à regra seguinte, e assim sucessivamente, observando-se que, em caráter subsidiário e também obrigatório, empregam-se as disposições das Notas Explicativas do Sistema Harmonizado (NESH), aprovadas pelo Decreto 435/1992, com texto consolidado na IN RFB 807/2008.
- Assim, cabe ao órgão colegiado rejulgar os Aclaratórios, suprindo a omissão consistente em examinar, fundamentadamente, o argumento de que as disposições das Notas Explicativas do Sistema Harmonizado (NESH), aprovadas pelo Decreto 435/1992, com texto consolidado na IN RFB 807/2008, devem prevalecer sobre os critérios da Instrução Normativa 16/2005, do Ministério da Agricultura.
- Em memoriais elaborados no dia 29.7.2024, a agravante alega que o Tribunal de origem, afirmando que os produtos “LactoPro M” e “LactoPro V” constituem misturas compostas majoritariamente por leite e seus derivados, entendeu que é “aplicável a RGI/SH 3b, a qual determinaria a classificação pelo código correspondente ao elemento que confira característica essencial (preponderante) ao produto, declarando-se correta a classificação fiscal na posição 04.04/NCM e não na 22.02/NCM, como pretendia a Receita Federal”.
- Não foi essa, contudo, a premissa adotada pelo Tribunal de origem: o acórdão proferido no julgamento dos Embargos Infringentes reportou-se, para definir o enquadramento do produto para fins fiscais, exclusivamente à classificação do Ministério da Agricultura, definida em ato normativo editado para disciplinar o controle sanitário (ou seja, não fiscal). Nesse sentido, o Voto condutor expressamente afirma que a solução da demanda se fez com base na “verificação do enquadramento mais condizente com a caracterização do produto, ou seja, de acordo com a classificação feita pelo Ministério da Agricultura, órgão responsável pela inspeção, classificação e fiscalização agropecuárias” (fl. 666, e-STJ).
- Como se vê, em momento algum o acórdão hostilizado se refere expressamente à RGI/SH 3b, como alega a agravante no seu memorial.
Pelo contrário, menciona apenas a existência de norma interna do Ministério da Agricultura, sem justificar, conforme acima mencionado, a razão pela qual esta deveria se sobrepor às Notas Explicativas do Sistema Harmonizado (NESH), circunstância que configura omissão relevante, até porque não enfrentada mesmo após a oposição dos Embargos de Declaração pelo ente público.
- Agravo Interno não provido.
(AgInt no REsp n. 1.729.082/DF, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 15/8/2024, DJEN de 5/2/2025.)