PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ARBITRAMENTO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INCIDÊNCIA SOBRE O VALOR DA PENHORA, DISTINTO DO MONTANTE PERSEGUIDO NA EXECUÇÃO FISCAL. ERRO DO PODER JUDICIÁRIO. INAPLICABILIDADE DA TESE FIXADA EM JULGAMENTO DE RECURSO REPETITIVO NO STJ (TEMA 1076). INTERPRETAÇÃO DINÂMICA DO CONCEITO DE PROVEITO ECONÔMICO. AFASTAMENTO DO ART. 85, § 3º, DO CPC. PECULIARIDADE DOS AUTOS. BREVE HISTÓRICO DA DEMANDA
- Trata-se de Recurso Especial contra acórdão que deu parcial provimento à Apelação do Estado do Rio de Janeiro, para modificar o valor dos honorários advocatícios fixados em razão do acolhimento da Exceção de Pré-Executividade.
- A recorrente se insurge contra acórdão do Tribunal a quo que arbitrou honorários advocatícios em percentual incidente sobre o montante bloqueado eletronicamente (R$ 7.723.579,48 – sete milhões, setecentos e vinte e três mil, quinhentos e setenta e nove reais e quarenta e oito centavos), quantia, em seu sentir, muito inferior à que seria devida se, à luz do art. 85, § 3º, do CPC, fosse a verba estipulada sobre o valor da Execução Fiscal (R$ 111.357.628,36 – cento e onze milhões, trezentos e cinquenta e sete mil, seiscentos e vinte e oito reais e trinta e seis centavos).
INAPLICABILIDADE DO TEMA 1076/STJ. SUCUMBÊNCIA CAUSADA POR ERRO DO JUDICIÁRIO
- Inicialmente, observa-se ser inaplicável a tese repetitiva definida no julgamento do Tema 1.076/STJ, pois, em primeiro lugar, nenhuma das partes discute, no caso concreto, a aplicação do juízo equitativo (art. 85, § 8º, do CPC). Ademais, o próprio Tribunal de origem fixou honorários com base no art. 85, § 3º, do CPC, porém consignou que o proveito econômico não correspondia ao valor da execução, mas sim ao do bem penhorado porque a intenção originalmente apresentada pela Fazenda Pública era de intimação da parte executada, para fornecimento de elementos probatórios aptos a confirmar sua intenção (isto é, da Fazenda exequente) de extinguir o feito, mediante cancelamento da CDA, o que só não ocorreu em razão de erro do Judiciário.
MÉRITO DESCRIÇÃO DOS FATOS CONFORME NARRATIVA APRESENTADA NAS RAZÕES RECURSAIS DA RECORRENTE
- A narrativa da recorrente não corresponde à realidade dos autos.
- Segundo as razões apresentadas no Recurso Especial, a Execução Fiscal foi indevidamente ajuizada – em suas palavras, “não satisfeita em ajuizar indevidamente a execução fiscal… a Recorrida requereu expressamente o arresto de dinheiro” (fl. 500, e-STJ) -, tendo-se proferido despacho de citação e posteriormente determinado o uso do sistema eletrônico de bloqueio eletrônico de dinheiro, o que ensejou a contratação de advogado para apresentação de defesa nos autos, efetivada mediante protocolo de Exceção de Pré-Executividade. Esta foi acolhida e ensejou o cancelamento da CDA e a extinção do feito executivo. Alega-se que, por essa razão, cabem honorários advocatícios de sucumbência e, mais que isso, seu arbitramento deve tomar por base o valor do proveito econômico, que corresponde ao da Execução Fiscal, e não ao valor da penhora via BacenJud (no caso, conforme acima indicado, bastante inferior ao do crédito fiscal objeto da demanda).
OS FATOS CONFORME DESCRIÇÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO
- A leitura da decisão hostilizada evidencia que, ao contrário do que afirma a empresa, a Execução Fiscal, à luz da teoria da asserção, foi apresentada em situação de absoluta regularidade, pois, ao tempo do ajuizamento, a relação jurídica já se encontrava sub judice, diante da impetração anterior de Mandado de Segurança por ela, encontrando-se em vigor acórdão que, dando provimento à Apelação do ente público, denegou a ordem. O Tribunal a quo acrescentou que, no contexto acima, o ajuizamento da Execução Fiscal se mostrava legítimo e obrigatório, dada a indisponibilidade do interesse público.
- Consta nas fls. 472-475, e-STJ: “O executado, no ano de 2002, impetrou mandado de segurança (2002.001.068.253-6) visando o reconhecimento da não incidência de ICMS no contrato de arrendamento mercantil, sem opção de compra, tendo como objeto um avião turbo jato. O juízo de primeiro grau concedeu a segurança. Em sede recursal, a sentença foi reformada, concluindo o colegiado, por maioria: ‘que, ante essa nova realidade, tanto a importação realizada sob a forma de leasing operacional como de arrendamento mercantil, inexiste a alegada inconstitucionalidade ou ilegalidade na cobrança do ICMS, que incide em razão da entrada do bem importado no país.’ (índex 10). A empresa interpôs Recurso Especial, obtendo a concessão do efeito suspensivo, em 03/04/2006 (índex 10). A presente execução fiscal foi ajuizada em 02/02/2006. (…) De pronto, necessário destacar que a presente execução fiscal foi ajuizada, no ano de 2006, após o julgamento em segunda instância do mandado de segurança interposto pela empresa ré, que reformou a sentença, denegando a segurança, e antes do STJ ter concedido efeito suspensivo ao recurso especial. Ressalta-se, neste ponto, a obrigatoriedade da Administração em distribuir a execução, tendo em vista ser dever do Estado a sua providência.”.
- Como se verifica, a Execução Fiscal foi ajuizada em momento no qual se entendeu legal e constitucional (e exigível, portanto) o ICMS. Como ao Recurso Especial interposto pela empresa foi concedido efeito suspensivo somente em 3.4.2006, aí sim a demanda executiva ficou sobrestada (fl. 472, e-STJ: “Diante do efeito suspensivo concedido ao Recurso Especial, os autos da execução permaneceram suspensos por vários anos”).
- O acórdão hostilizado menciona outro importante fato, no ano de 2013, que deixou de ser mencionado pela recorrente: a Fazenda Pública, sem acesso aos autos do Mandado de Segurança, pleiteou, nos autos da Execução Fiscal – suspensa pouco tempo após o respectivo ajuizamento -, a simples intimação da parte executada, para que esta fornecesse informações e documentos do writ, no intuito de analisar a situação dos autos executivos, para o fim de confirmar a intenção da exequente de cancelar a CDA e pleitear a extinção do feito executivo.
- O Tribunal de origem observou, a esse respeito, que, de fato, naquela época os autos tramitavam somente em meios físicos, e que o Mandado de Segurança estava inacessível ao exequente, motivo pelo qual considerou legítimo o requerimento para intimação da parte executada (fl. 476, e-STJ): “No ano de 2013, como já ressaltado, o ERJ requereu a intimação do executado para que comprovasse os elementos de correspondência entre o referido mandado de segurança e os presentes autos, de modo a determinar o cabimento da extinção destes últimos (índex 00097). Ressalte-se que, no ano de 2013, os autos não eram eletrônicos e, portanto, somente poderiam ser consultados fisicamente. Os autos do mandado de segurança, contudo, não se encontravam disponíveis na secretaria, conforme comprovado pelo exequente (índex 098)”.
- O requerimento da Fazenda Pública foi para simples intimação da parte adversa, para que sua manifestação pudesse ensejar, conforme o caso, a iniciativa do próprio exequente de requerer a extinção do feito. Aqui o erro manifesto do Judiciário, que, em vez de deferir a intimação da parte, determinou a triangularização da relação processual, mediante citação da parte executada (para pagamento ou nomeação de bens, sob pena de penhora ou arresto de bens) -, providência essa que, também ao contrário do que dá a entender a devedora, ocorreu antes da penhora eletrônica.
- Do erro acima indicado, e reconhecido como imputável ao Judiciário pelo próprio Tribunal de origem, sobreveio requerimento de penhora pela Fazenda Pública (requerimento esse não apreciado pelo juízo de primeiro grau), tendo a autoridade judicial determinado, de ofício, ordem para o bloqueio eletrônico de dinheiro. INTERPRETAÇÃO DINÂMICA DO CONCEITO DE PROVEITO ECONÔMICO 13. É imprescindível destacar a necessidade de proceder à interpretação dinâmica do conceito de proveito econômico, definido no art. 85 do CPC como principal parâmetro para o arbitramento da verba de honorários sucumbenciais: no contexto rigorosamente descrito pelo acórdão do Tribunal de origem, tem-se que, na realidade vigente naquele momento, nem sequer haveria proveito econômico em disputa judicial, pois a Execução Fiscal estava suspensa “há vários anos” e, se atendida a tempo e modo a solicitação da Fazenda Pública, ter-se-ia simples intimação da parte executada para fornecimento de peças processuais da demanda conexa, as quais levariam à extinção do feito, promovida pela própria parte credora – em situação na qual, repita-se, haveria somente a intimação da parte devedora, ainda não citada e até então não submetida a qualquer medida constritiva sobre seu patrimônio.
- Na moldura fática acima delineada, se tivesse o Juízo procedido rigorosamente conforme demandado pela parte exequente, a hipótese seria de afastamento completo da condenação ao pagamento de honorários, pois incidiria rigorosamente a aplicação integral do art. 26 da Lei 6.830/1980, já que seria dispensável o protocolo de Exceção de Pré-Executividade (relembre-se, havia mero requerimento de intimação para apresentação de documentos). Tal situação é facilmente constatável, pois em nenhum momento a Fazenda Pública manifestou intenção de recorrer contra a decisão que determinou o cancelamento da CDA. SUCESSÃO DE ATOS PROCESSUAIS: ERRO DO PODER JUDICIÁRIO QUE INDUZIU, POSTERIORMENTE, TAMBÉM A FAZENDA PÚBLICA A ERRO, ATRAINDO OS ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA
- Não obstante o requerimento fazendário para singela intimação da parte executada, houve erro imputável ao Poder Judiciário, assim reconhecido expressamente no acórdão do Tribunal a quo, pois a autoridade condutora do processo determinou sua citação, ensejando a triangularização da relação processual. Na sequência, com o resultado infrutífero da citação, passou também o ente público a agir com erro, pois, intimado a se manifestar sobre a não ocorrência da citação, este requereu o arresto de bens, medida que culminou com o bloqueio de dinheiro e causou danos à empresa executada, motivo pelo qual esta contratou advogado para se defender – mediante protocolo de Exceção de Pré-Executividade -, contexto no qual cabe condenação ao pagamento dos honorários profissionais (fl. 477, e-STJ): “Sucede que, ao invés de determinar a intimação da executada, conforme pleiteado pelo exequente, o magistrado a quo, veio a determinar a sua citação. A citação não se efetivou eis que a empresa ré não foi localizada no endereço constante nos autos. A partir de então, o exequente também se equivocou eis que requereu o arresto on line do valor do débito. É incontroverso ser entendimento pacificado que na hipótese de a execução fiscal ser extinta por cancelamento da CDA, após a citação do executado, os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser suportados pela Fazenda”.
- Como todos os fatos acima encontram-se perfeitamente delineados no acórdão hostilizado, a valoração jurídica a eles atribuída não é obstada pela Súmula 7/STJ. Com efeito, a parte recorrente não busca modificar tais premissas fáticas (embora, como dito, a empresa tenha optado por não trazer o contexto integral da questão controvertida), mas apenas ver prestigiada conclusão jurídica diferente da adotada no acórdão impugnado.
SOLUÇÃO DO CASO CONCRETO
- Não se desconhece a orientação fixada pelo STJ, no julgamento dos Recursos Repetitivos relacionados com o Tema 1.076/STJ, na sessão da Corte Especial realizada em 16.3.2022.
- A tese repetitiva, como dito anteriormente, é inaplicável ao caso dos autos, porque os precedentes julgados no rito dos Recursos Repetitivos não examinaram situação fática semelhante à debatida nestes autos, onde ficou evidenciado erro judiciário como fator preponderante da reação da recorrente. Isso em virtude de que a intenção da Fazenda Pública era obter a simples intimação da parte contrária para, a partir de sua manifestação, viabilizar a extinção do feito, sem que fosse promovida a sua citação e/ou realizada a penhora de bens e, portanto, sem que se contratasse advogado.
- No sentido de igualmente afastar a aplicação do Tema 1.076/STJ em situação jurídica distinta da analisada no julgamento do Recurso Repetitivo: AgInt no AgInt no AREsp 1.967.127/RJ, Rel. Ministro Gurgel de Faria, DJe de 1º.8.2022.
- Em conclusão, tem-se que não está em discussão a utilização do juízo equitativo, pois o debate não gira em torno do art. 85, § 8º, do CPC.
- Consequentemente, ressalvado aqui que não se está a definir tese genérica, mas solução restrita à lide sob análise, diante de sua singularidade, tem-se que o acórdão hostilizado fixou honorários advocatícios com base nos parâmetros do art. 85, §§ 3º e 5º, do CPC, definindo, corretamente, que o valor do proveito econômico deve ser considerado, à luz das peculiaridades do caso concreto (intenção da Fazenda Pública de promover a extinção do feito antes mesmo da citação da parte executada, bem como indução da exequente a erro, erro esse imputável ao Judiciário, o qual ensejou a indevida penhora eletrônica de dinheiro), como o montante equivalente ao da penhora realizada.
- Recurso Especial não provido.
(REsp n. 1.914.062/RJ, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 9/11/2023, DJe de 12/7/2024.)