TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. VÍNCULO EMPREGATÍCIO DIRETO COM A TOMADORA DE SERVIÇOS. CONTRATAÇÃO DE EMPREGADOS MEDIANTE INTERPOSTAS PESSOAS JURÍDICAS. INEFICÁCIA PERANTE O FISCO.
I – Na origem, Lunender S.A., tomadora de serviços, ajuizou ação visando à declaração da nulidade do lançamento de contribuições previdenciárias – estimadas, no mês de outubro de 2008, em R$ 10.081.940,07 (dez milhões, oitocentos e um mil, novecentos e quarenta reais e sete centavos) – alegando a inexistência de vínculo empregatício com os empregados das prestadoras, em razão da legalidade da terceirização de serviços, tendo sido o pedido julgado procedente. Interposta apelação pela Fazenda Nacional, o Tribunal de origem reformou a sentença, para considerar a legalidade da cobrança de contribuições previdenciárias e reconhecer a existência de vínculo empregatício direto entre trabalhadores das interpostas pessoas jurídicas (Gisabel, MJM, D’Layons, Neon, C’Darwin e ARV) e referida tomadora, sob o fundamento de que ficaram comprovadas fraude e simulação. Interpostos embargos infringentes pela Lunender S.A. perante o Tribunal de origem, ficou decidido que não houve a comprovação da subordinação laboral, em termos de quantidade e intensidade das ordens permanentes de serviço pela Lunender S.A. em relação aos empregados das referidas empresas interpostas.
II – A contradição que autoriza a oposição de embargos de declaração é a interna, caraterizada pela existência de proposições inconciliáveis entre si. Precedentes. A construção do fundamento do acórdão, que anota possíveis circunstâncias fático-jurídicas para prosseguir com o enquadramento do caso concreto não implica contradição a ensejar violação do art. 1.022 por negativa de prestação jurisdicional, com a consequente nulidade do acórdão.
III – Afasta-se a incidência do óbice contido no Enunciado Sumular n. 7/STJ, considerando que o enquadramento fático está inteiramente delineado nos acórdãos exarados pelo Tribunal de origem (em sede do julgamento da apelação, dos embargos de declaração, dos embargos infringentes e dos últimos declaratórios), incumbindo ao Superior Tribunal de Justiça, na espécie, a uniformização da interpretação acerca da lei federal aplicável à hipótese. Conforme apontado pelo Tribunal de origem, “não há nenhum impedimento para o reconhecimento da existência de vínculo empregatício de fato entre os trabalhadores das supostas facções e a empresa demandante. Com efeito, ficou comprovado que a relação de subordinação e o recebimento da remuneração, requisitos do contrato de trabalho (Consolidação das Leis do Trabalho, art. 3º), existia de fato entre os empregados e a Lunender por meio de interpostas pessoas jurídicas, criadas para fazer formalmente as contratações de mão-de-obra.” (fl. 783) IV – Evidente a ofensa às normas que embasam a autuação fiscal, na espécie, que estabelecem o conceito de segurado para fins previdenciários (art. 12, I, a, da Lei n. 8.212/1991), e o fato gerador de contribuições previdenciárias consistentes nas remunerações creditadas aos segurados empregados (arts. 20, 21 e 22, I, II e III, da Lei n. 8.212/1991), autorizando a que a administração tributária lance de ofício o tributo, diante de situação de fato que reúne as circunstâncias materiais da relação empregatícia (arts. 33, § 3º, da Lei n. 8.212/1991 e 116, I, do CTN ).
V – Configurada a ilicitude da terceirização, mediante pessoas jurídicas interpostas (empresas “de fachada”), com fraude, simulação e confusão patrimonial entre estas e a tomadora – principalmente na administração de pessoal – , firma-se o vínculo empregatício direto entre a tomadora e os empregados fictamente contratados pelas empresas interpostas. Distinção fática (distinguishing) em relação ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF n. 324 e do RE n. 958252/MG, no sentido da viabilidade da terceirização de atividade-fim.
VI – Não cabe reconhecer eficácia à conduta do contribuinte que simula negócios jurídicos com o escopo de escapar artificiosamente da tributação, dissimulando a ocorrência do fato gerador da contribuição previdenciária em seu elemento constitutivo consistente na subordinação laboral presente no vínculo firmado diretamente entre a tomadora e os empregados das empresas “de fachada”.
VII – Incidência do dever fundamental de pagar tributos (arts. 145 e seguintes da Constituição Federal de 1988) (REsp n. 1.074.228/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 5/11/2008) e, por conseguinte, da higidez do auto de infração a fim de garantir integral adimplemento do débito tributário.
VIII – Recurso especial parcialmente provido.
(REsp n. 1.652.347/SC, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 13/8/2024, DJe de 22/10/2024.)