PROCESSUAL CIVIL, ECONÔMICO E CONCORRENCIAL. OFENSA AOS ARTS. 489 E 1.022 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. INOCORRÊNCIA. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO DOS ARTS. 141, 342, I, E 493 DO CPC/2015. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 211/STJ. CERCEAMENTO DE DEFESA. MATÉRIA NÃO OPORTUNAMENTE SUSCITADA. PRECLUSÃO LÓGICA. VIOLAÇÃO À COISA JULGADA. DESCABIMENTO. ARTS. 12, VII, 20, II, B, E 27, IV E XXX, DA LEI N. 10.233/2001. PODER NORMATIVO DA AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES AQUAVIÁRIOS – ANTAQ. AUSÊNCIA DE ISENÇÃO ANTITRUSTE. SUBMISSÃO DE REGULAMENTOS EDITADOS POR AUTARQUIAS REGULADORAS À LEGISLAÇÃO DE DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA. INTELIGÊNCIA DAS LEIS NS. 12.529/2011 E 13.848/2019. TERMINAL HANDLING CHARGE 2 – THC2 (SERVIÇO DE SEGREGAÇÃO E ENTREGA DE CONTÊINERES – SSE). TARIFA ANTICOMPETITIVA. IMPOSIÇÃO UNILATERAL DE CUSTOS PELOS OPERADORES PORTUÁRIOS EM FACE DE CONCORRENTES DIRETOS. ABUSO DE POSIÇÃO DOMINANTE. CONSTATAÇÃO DE COMPRESSÃO DE PREÇOS (PRICE SQUEEZE). RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, IMPROVIDO. REVOGADA A TUTELA PROVISÓRIA DEFERIDA NA TP N. 2.787/SP.
I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 9.3.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015.
II – A Corte de origem efetuou detida análise das teses alusivas à competência regulatória da Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, à não inclusão da Terminal Handling Charge 2 – THC2 no conceito de Box Rate, à suscitada aplicabilidade da jurisprudência consolidada pelo tribunal a quo e à apontada ausência de elementos de convicção a subsidiar as conclusões alcançadas, não havendo, quanto ao ponto, ofensa aos arts. 489, § 1º, I, II, III, IV e VI, e 1.022, caput, I e II, e parágrafo único, II, do CPC/2015.
III – A falta de enfrentamento da questão atinente à prolação de decisão extra petita, a despeito da oposição de Embargos de Declaração, impede o acesso à instância especial, porquanto não preenchido o requisito constitucional do prequestionamento, nos termos da Súmula n. 211/STJ.
IV – Inviável conhecer da alegação de cerceamento de defesa, pois a parte postulou pelo julgamento antecipado da lide e não pleiteou a produção de provas a tempo e modo, operando-se, por conseguinte, a preclusão lógica. Precedentes.
V – Não há violação à res judicata quando, a par de ausente trânsito em julgado e pendente exame de recurso interposto no processo apontado como paradigma, a questão incidental discutida em demanda pretérita não era imprescindível à solução da controvérsia.
Inteligência dos arts. 502 e 503 do CPC/2015.
VI – A preclusão de pronunciamentos judiciais submetidos a juízo perfunctório quanto à presença dos requisitos necessários ao deferimento da tutela antecipada não impede o estabelecimento de diretriz hermenêutica diversa quando da apreciação dos pedidos formulados na petição inicial mediante cognição exauriente.
VII – Conquanto os arts. 12, VII, 20, II, b, e 27, IV e XXX, da Lei n. 10.233/2001 confiram à ANTAQ, além de competências normativas e regulatórias voltadas a conformar a atuação dos agentes econômicos a práticas que estimulem a concorrência, atribuições para reprimir ações e fatos caracterizadores de competição imperfeita ou infrações à ordem econômica, tais disposições não significam a outorga de isenções antitruste aos setores de transporte aquaviário e de exploração de infraestrutura portuária, sendo viável, por conseguinte, controle dos atos infralegais editados pela respectiva autarquia com base em critérios concorrenciais.
VIII – Em matéria de interrelação entre autoridades de defesa da concorrência e entidades normatizadoras setoriais, as Lei ns.
12.529/2011 e 13.848/2019 amparam os modelos de articulação complementar e coordenada, conferindo, de um lado, proeminência à atuação da agência reguladora no estabelecimento das políticas e projetos concernentes ao exercício de atividades econômicas, sem prejuízo, de outra parte, do desempenho das atribuições de defesa da competitividade pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE enquanto entidade dotada de expertise geral quanto à matéria e à qual incumbe, em última instância no âmbito do Poder Executivo, avaliar a existência de condutas ou regramentos contrários à legislação antitruste.
IX – Embora a cobrança do Serviço de Segregação e Entrega de Contêineres – SSE, tarifa igualmente denominada de Terminal Handling Charge 2 – THC2, encontre arrimo em atos normativos editados pela ANTAQ, não há óbice a que as autoridades de defesa da concorrência e o Poder Judiciário avaliem sua validade à luz da legislação antitruste, descabendo chancelar, em consequência, a presença de zona infensa à incidência da Lei n. 12.529/2011 decorrente do mero exercício do poder regulamentar pela entidade setorial.
X – A exigência da Terminal Handling Charge 2 – THC2 (ou Serviço de Segregação e Entrega de Contêineres – SSE) pelos operadores portuários em face dos terminais retroportuários configura abuso de posição dominante, na modalidade compressão de preços (price squeeze), porquanto, a um só tempo, (i) autoriza detentor de facilidade essencial verticalmente integrado a impor custos a serem suportados unicamente por seus concorrentes diretos no mercado subsequente, (ii) viabiliza a restrição das margens de fixação de preços pelos competidores no contexto da armazenagem de cargas provenientes do exterior e, ainda, (iii) importa ofensa ao dever legal de garantir acesso isonômico às instalações portuárias, restringindo a competitividade no setor, em contrariedade às normas estampadas nos arts. 27, IV, da Lei n. 10.233/2001, 36 da Lei n. 12.529/2011, e 3º, V e VI, da Lei n. 12.815/2013.
XI – Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, improvido. Revogada a tutela provisória deferida na TP n. 2.787/SP.
(REsp n. 1.899.040/SP, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 27/8/2024, DJe de 27/9/2024.)