A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) começou a julgar na tarde da última quarta-feira (23/10) se as empresas podem tomar créditos de PIS e Cofins sobre produtos sujeitos ao regime monofásico de tributação. A sistemática concentra o recolhimento das contribuições em uma etapa da cadeia e desonera as demais, sujeitas à alíquota zero. Ainda que as operações seguintes não se concretizem, o tributo pago não é devolvido.
Recolhem o PIS e a Cofins por meio do regime monofásico setores como atacado e varejo de bebidas, medicamentos, fármacos, cosméticos, produtos de higiene, revenda de automóveis, autopeças, pneus, câmaras de ar, entre outros. Segundo o relator do caso, ministro Gurgel de Faria, estão sujeitos ao pagamento pelo regime monofásico setores econômicos geradores de expressiva arrecadação.
Na análise dos embargos de divergência 1.768.224/RS e 1.109.354/SP, por enquanto votou apenas o relator, de forma mais alinhada ao que defende a Fazenda Nacional. Segundo Gurgel de Faria, como não há incidência sucessiva das contribuições, é impossível tomar os créditos.
Para solicitar o creditamento, os contribuintes argumentam que a lei do Reporto (artigo 17 da lei 11.033/2004) determinou que o fato de o produto ser vendido com alíquota zero não impede que o vendedor tome o crédito correspondente, já que ao comprar o bem estavam embutidos os custos com PIS e Cofins.
Isto é, de acordo com os advogados, o critério para autorizar o crédito não é a incidência dos tributos na operação de venda, mas o recolhimento das contribuições nas etapas anteriores. Em sustentação oral o advogado Rafael Nichele argumentou não faria sentido que as revendedoras possam tomar crédito de aluguéis, equipamentos, energia elétrica e fretes, e não dos bens comprados com alíquota majorada destinados à revenda, que compõem seu principal custo.
Quanto a esta matéria, o relator entendeu que a lei do Reporto criou um benefício fiscal que não tem o poder de revogar as leis que balizaram a estrutura básica da não-cumulatividade para o PIS e a Cofins. “Em razão da especialidade, [o artigo 17] não derrogou a lei 10.637/2002 e a lei 10.833/2003, bem como não desnaturou a estrutura do sistema de créditos estabelecida pelo legislador para observância do princípio da não-cumulatividade”, afirmou.
Foge à lógica do razoável uma interpretação que venha a admitir a possibilidade de creditamento do tributo que termine por neutralizar a arrecadação exatamente dos setores mais fortes da economia
Ministro Gurgel de Faria, do STJ
Diante disso, o relator negou provimento a ambos os embargos de divergência dos contribuintes.
Após o voto do relator pediu vista o ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Outros sete ministros aguardam para votar.
Quando os ministros votaram sobre essa matéria nas turmas de Direito Público, sete magistrados se posicionaram contra o direito ao crédito e três a favor. Um dos votos favoráveis aos contribuintes foi proferido na 1ª Turma pelo ministro Benedito Gonçalves, que preside a 1ª Seção e só vota em caso de desempate.
Regime monofásico: impacto além das partes
O relator do caso, ministro Gurgel de Faria, não conheceu um pedido para que o recurso fosse afetado ao rito dos repetitivos e a tese tivesse aplicação automática para as instâncias inferiores da Justiça. Isso porque a associação que sugeriu a afetação havia pedido para participar do julgamento como amicus curiae, e Gurgel de Faria indeferiu a solicitação.
Ainda assim, o precedente deve influenciar o Judiciário como um todo na análise do tema porque a decisão será tomada por meio de embargos de divergência, peça que define a posição da 1ª Seção sobre a matéria. O colegiado é responsável por pacificar controvérsias de Direito Público no STJ.
Os advogados Rafael Nichele e Fabio Calcini, que atuam no processo, avaliam que o debate não envolve matéria constitucional, de forma que dificilmente seria possível recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) após o posicionamento do STJ.
Divergência entre Turmas
Até 2017, as duas Turmas do STJ costumavam afastar o direito ao crédito no regime monofásico de PIS e Cofins. O tema chegou à 1ª Seção depois de uma reviravolta na 1ª Turma, que, ao julgar o EREsp 1.051.634/CE, da rede de farmácias Pague Menos, passou a acolher uma tese mais favorável aos contribuintes.
Por maioria de três votos a dois, a 1ª Turma permitiu a tomada de créditos no regime monofásico por entender que a lei que criou o Reporto determinou que vendas efetuadas com isenção, suspensão, alíquota zero ou não incidência das contribuições não impedem que o vendedor tome créditos vinculados às operações.
Na visão da ministra Regina Helena Costa e dos ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Benedito Gonçalves, a lei não restringiu ao Reporto a permissão ao crédito nas situações em que não há recolhimento de tributo.
Ou seja, a autorização trazida pela lei do Reporto também se aplica para empresas fora do regime especial, como é o caso dos setores com tributação monofásica. Por isso, ocorreria a revogação tácita dos dispositivos das leis 10.637/2002 e 10.833/2003 que proíbem a tomada dos créditos no regime monofásico.
“Se, no regime monofásico, todos os demais elos da cadeia produtiva, à exceção do produtor ou importador – que são responsáveis pelo recolhimento do tributo a uma alíquota mais gravosa – ficam desobrigados do recolhimento porque, sobre a receita por eles auferida, aplica-se a alíquota zero, tal fato não obsta que tais contribuintes mantenham os créditos de todas as aquisições por eles efetuadas, como expressamente assegura o artigo 17 da lei 11.033/2004”, lê-se no voto vencedor de Costa no caso da Pague Menos.
Por outro lado, a 2ª Turma entende de forma unânime que é proibida a tomada de créditos no regime monofásico, porque só pode ser compensado o valor devido em cada operação se houver cobrança tributária em etapas subsequentes, para evitar um efeito cascata da tributação no processo produtivo.
De acordo com a turma, seria proibida a compensação porque no regime monofásico tanto a aquisição de bens para revenda quanto a compra de insumos e a depreciação de bens do ativo imobilizado estão vinculadas a receitas que não foram tributadas. Compartilham dessa interpretação os ministros Sergio Kukina e Gurgel de Faria, que foram vencidos na 1ª Turma.
Fonte: Jota-24/10/2019
JAMILE RACANICCI – Repórter