Foi retomado na sexta-feira (10/12) o julgamento, pelo Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre o fim da cobrança do ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias) no deslocamento de produtos entre estabelecimentos de um mesmo dono, em estados diferentes. A decisão do caso, que havia sido interrompida, ainda não tem um horizonte claro à vista.
A discussão, neste momento, se dá sobre a modulação dos efeitos da decisão, ou seja, a partir de quando ela começará a fazer efeito, o que interessa de fato às empresas atingidas pela medida. Calcula-se que haveria perdas de mais de R$ 5 bilhões por parte de empresas varejistas. O cálculo foi feito pela Tendências Consultoria Integrada e citado pelo jornal Valor Econômico.
Em setembro último, a votação também ocorria no Plenário Virtual e o ministro Luís Roberto Barroso apresentou pedido de vista. O relator, ministro Luiz Edson Fachin, já havia votado para que o dispositivo começasse a vigorar a partir de 2022. Ele foi acompanhado por Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia, na ocasião.
A interrupção do julgamento afetou a expectativa de empresas que aguardavam uma redução de impostos pagos por estabelecimentos que têm operações em mais de uma região. Mas os estados podem se sentir temporariamente aliviados, pois temiam perder arrecadação com uma eventual modulação da decisão do STF.
Na retomada iniciada ontem, Fachin voltou a insistir na modulação temporal, sem mudar o mérito. A ministra Carmen Lúcia o acompanhou, e também o ministro Ricardo Lewandowski.
Os ministros Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli, no entanto, divergiram, quanto à modulação. No primeiro caso, Barroso afirmou, em voto depositado no Plenário Virtual, que precisam ser ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data de publicação da respectiva ata de julgamento. Exaurido o prazo, e sem que os Estados disciplinem a transferência de créditos de ICMS entre estabelecimentos de mesmo titular, fica reconhecido o direito dos sujeitos passivos de transferirem tais créditos.
Toffoli, por sua vez, propõe, a título de modulação de efeitos, que a decisão de mérito tenha eficácia após o prazo de 18 meses, contados da data de publicação da ata de julgamento dos presentes embargos de declaração. Mas ressalva as ações judiciais propostas até a data de publicação da ata de julgamento do mérito.
A advogada tributarista Fernanda Rizzo Paes de Almeida, do Vieira Rezende, afirma que o julgamento deverá esclarecer vários pontos ainda sem definição. Dessa forma, a expectativa é a de que o julgamento dos embargos de declaração defina como a decisão deverá ser aplicada e em que extensão.
“A depender do resultado do julgamento, a possibilidade de modulação dos efeitos do julgado para 2022 poderá colocar em xeque a atuação dos contribuintes que se basearam em jurisprudência consolidada há mais de 50 anos. Certamente, a decisão a ser tomada, seja qual for o seu resultado, ainda gerará muitos efeitos sequer imaginados no momento da definição da tese original”, analisou.
Segundo ela, os contribuintes sempre se insurgiram contra tentativas do Fisco de exigir o ICMS no simples deslocamento de bens entre os estabelecimentos do mesmo contribuinte, por não haver transferência de titularidade. Desde a década de 1990 o STJ já possuía o entendimento sumulado de que não haveria fato gerador na transferência entre os estabelecimentos. Há registro, ainda, de decisões favoráveis no STF desde a década de 1970, mas como as decisões não eram vinculantes, os estados sempre mantiveram a possibilidade de cobrança em suas legislações.
Décadas depois, continua a advogada, finalmente o STF, por oportunidade de julgamento da ADC nº 49, confirmou o entendimento segundo o qual o deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular não configura fato gerador da incidência de ICMS, ainda que se trate de circulação interestadual, declarando inconstitucionais dispositivos da Lei Kandir que tratavam da autonomia entre os estabelecimentos da pessoa jurídica. A tese favorável ao contribuinte já havia sido reconhecida em decisão de repercussão geral no Tema nº 1.099.
No entanto, confirmada a não incidência do ICMS, surgiu um problema em relação à autonomia dos estabelecimentos. Isso porque o imposto é tributo não cumulativo, e os contribuintes, no envio dos bens, destacavam o tributo, de maneira que o estabelecimento que os recebia aproveitava o crédito.
Considerando-se a empresa como um todo, o efeito fiscal seria nulo. Entretanto, havia certamente uma transferência de créditos entre os estabelecimentos.
No julgamento da ADC 49, todavia, não teria havido o devido esclarecimento sobre como deveria ser tratada a questão da tomada de créditos nessas operações, e como os estados deveriam passar a atuar para a aplicação do precedente. Nesse sentido, diversos estados deixaram de cumprir o precedente. “Haveria a possibilidade de os estados, baseados no argumento sobre a não incidência do ICMS na operação, glosarem o crédito de ICMS tomado? Até que ponto a decisão teria decretado o fim da autonomia entre os estabelecimentos?”, questiona.
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ADC 49
Por Severino Goes
Severino Goes é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 11 de dezembro de 2021.
https://www.conjur.com.br/2021-dez-11/stf-retoma-discussao-modulacao-icms-mesmo-grupo