EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 6º, VI, 7º (REDAÇÃO ORIGINAL E AQUELA DADA PELA LEI ESTADUAL 4.029/2022) E 8º DA LEI 3.617/2019 DO ESTADO DO TOCANTINS. CONTRIBUIÇÃO AO FUNDO ESTADUAL DO TRANSPORTE – FET INCIDENTE SOBRE O VALOR DAS OPERAÇÕES COM PRODUTOS DE ORIGEM VEGETAL, MINERAL OU ANIMAL, INCLUSIVE OS DESTINADOS À EXPORTAÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. ENTIDADE REPRESENTATIVA DOS PRODUTORES DE SOJA. PERTINÊNCIA TEMÁTICA. EXAÇÃO QUE CARACTERIZA ADICIONAL DO ICMS COM RECEITA VINCULADA. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SENADO FEDERAL PARA ESTABELECER AS ALÍQUOTAS DO ICMS APLICÁVEIS ÀS OPERAÇÕES INTERESTADUAIS (ARTIGO 155, § 2º, IV, DA CRFB/1988). IMPOSSIBILIDADE DE VINCULAÇÃO DA RECEITA DE IMPOSTO SEM AUTORIZAÇÃO CONSTITUCIONAL (ARTIGO 167, IV, DA CRFB/1988). OFENSA À IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS OPERAÇÕES QUE DESTINAM MERCADORIAS AO EXTERIOR (ARTIGO 155, § 2º, X, “A”, DA CRFB/1988). AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE CONHECIDA E JULGADO PROCEDENTE O PEDIDO. 1. A Associação Brasileira dos Produtores de Soja – APROSOJA BRASIL ostenta legitimidade ad causam na presente ação para o ajuizamento de demanda em face dos dispositivos legais que instituíram exação incidente sobre operações com “produtos de origem vegetal, mineral ou animal”. 2. Entidades de classe podem provocar o controle abstrato de normas cujo âmbito de incidência extrapole a categoria econômica ou profissional representada (ADI 4.203, Plenário, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 2/2/2015). 3. O artigo 7º da Lei 3.617/2019 do Estado do Tocantins determina o recolhimento ao Fundo Estadual do Transporte – FET de percentual incidente sobre o valor destacado no documento fiscal relativo a operações de saída de produtos de origem vegetal, mineral ou animal ocorridas em seu território, inclusive com destino à exportação ou equiparadas. O § 5º do referido artigo 7º permite a revisão dos produtos submetidos à exação por ato do Secretário de Estado da Fazenda. 4. A exação não caracteriza preço público, vez que exigida em face de fato gerador (operação de saída de mercadoria) que não denota relação negocial entre o Estado e o particular, nem tampouco voluntariedade na submissão à exigência, pois a cobrança independe da utilização de qualquer bem ou serviço público. A base de cálculo eleita (valor destacado na nota fiscal) não guarda relação com eventuais custos de manutenção das rodovias estaduais porventura utilizadas para o escoamento da produção rural. Destarte, a exação consubstancia tributo, porquanto compulsória, estando sujeita às limitações constitucionais ao poder de tributar. 5. A ADI 7.363, Rel. Min. Dias Toffoli, cuja medida cautelar deferida pelo Relator não foi referendada pelo Plenário da Corte, não serve de paradigma no caso sub judice. É que naquela ação cuida-se de “contribuição no âmbito do ICMS”, destinada a fundo de infraestrutura estadual, exigida como condição para a fruição de incentivos e benefícios fiscais e/ou regime especial de fiscalização e técnica de arrecadação (ICMS-ST). Há controvérsia a respeito do caráter compulsório ou facultativo da “contribuição” mercê do contexto normativo em que inserida a exação criada pelo Estado de Goiás, no qual o pagamento de valores ao Fundo Estadual de Infraestrutura – FUNDEINFRA decorre da fruição de um regime especial de controle de exportação (art. 79-A, § 2º do Decreto 4.852/97, com redação estabelecida pelo Decreto nº 10.187, de 30 de dezembro de 2.022). 6. In casu, o recolhimento criado pelo Estado do Tocantins apresenta características de imposto, pois incide sobre situação reveladora de riqueza relacionada exclusivamente aos contribuintes, não vinculada a qualquer atividade estatal. Ademais, por possuir fato gerador (operações de saída de produtos de origem vegetal) e base de cálculo (valor destacado no documento fiscal) idênticos aos do ICMS, forçoso concluir que se trata de adicional de alíquota do ICMS com receita vinculada, à semelhança dos adicionais do ICMS destinados aos fundos estaduais de combate à pobreza, porém, in casu, sem amparo constitucional. 7. O artigo 155, § 2º, IV, da Constituição Federal preceitua que “resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação”. Desse modo, não podem os Estados-membros criar adicionais sobre as alíquotas interestaduais do ICMS. 8. O artigo 167, IV, da Constituição Federal veda a vinculação da receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, salvo nas hipóteses expressamente previstas na Constituição. As exceções à vedação, exaustivamente listadas em normas constitucionais, devem ser interpretadas literalmente, a fim de que possa se viabilizar uma exegese harmonizadora dos dispositivos da Constituição. Assim, qualquer vinculação de parcela da receita de impostos sem amparo no texto constitucional é, pois, inconstitucional. Precedentes: ADI 3.550, Plenário, Rel. Min. Dias Tofoli, DJe de 6/3/202; ADI 422, Plenário, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 9/9/2019; ADI 553, Plenário, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 14/2/2019; ADI 2.529, Plenário, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 6/9/2007; ADI 3.576, Plenário, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 2/2/2007; ADI 1.750, Plenário, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 13/10/2006; ADI 1.689, Plenário, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 2/5/2003. 9. O adicional do ICMS em questão incide inclusive sobre operações de saída de mercadorias com destino à exportação ou equiparadas à exportação, em manifesta afronta ao disposto no artigo 155, § 2º, X, “a”, da Constituição Federal, que estabelece imunidade em relação ao ICMS para as operações que destinem mercadorias ao exterior. 10. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do inciso VI do artigo 6º e dos artigos 7º e 8º da Lei 3.617/2019 do Estado do Tocantins.
(ADI 6365, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 14-02-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 21-02-2024 PUBLIC 22-02-2024)