RE 1402871 / RS – RIO GRANDE DO SUL
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. EDSON FACHIN
Julgamento: 23/02/2023
Publicação: 27/02/2023
Publicação
PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-s/n DIVULG 24/02/2023 PUBLIC 27/02/2023
Partes
RECTE.(S) : COPESUL-CIA PETROQUIMICA DO SUL
ADV.(A/S) : FABIO LUIS DE LUCA
RECDO.(A/S) : UNIÃO
ADV.(A/S) : PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL
Decisão
Decisão: Trata-se de recurso extraordinário interposto em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado (eDOC 26, p. 10-11):
“TRIBUTÁRIO. PIS E COFINS. CREDITAMENTO. DEPRECIAÇÃO. VALOR DECORRENTE DA REAVALIAÇÃO DE BENS INCORPORADOS AO ATIVO IMOBILIZADO. ARTIGOS 30, § 30, l. DA LEI No 10.637/02 E DA LEI Nº 10.833/03. ARTIGOS. 30, VI, E 15, 11, DA LEI Nº 10.833/03. LIMITAÇÕES. EXCLUSÃO. IMPOSSIBILIDADE. EFEITO CONFISCATÓRIO. INEXISTENTE. PARÁGRAFO 2º DO ARTIGO 31 LEI Nº 10.865/04. VEDAÇÃO AO CREDITAMENTO. ARTIGO 31, CAPUT, LEI Nº 10.865/04. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. OFENSA DIREITO ADQUIRIDO. IRRETROATIVIDADE DA LEI TRIBUTÁRIA. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURIDICA.
1. Não se conhece do recurso quando o apelante não for sucumbente. Falta ao recurso da União pressuposto de admissibilidade
2. A Corte Especial do Tribunal, no julgamento da arguição de inconstitucionalidade na AMS 2005.70.00.000594-0/PR, declarou a inconstitucionalidade do caput do art. 31 da Lei no 10.865/2004, por ofensa ao princípio da segurança jurídica e à regra da não-surpresa, em vista da imposição de limite temporal para aproveitamento dos créditos oriundos de bens incorporados ao ativo imobilizado.
3. O § 2º do artigo 31 da Lei nº 10.865/04 veda a aplicação do direito ao desconto de créditos de que trata o § 10 (do mesmo dispositivo), aos valores decorrentes da reavaliação de bens e direitos do ativo permanente.
4. A cumulatividade ou a não-cumulatividade plena, por si sós, não revelam confiscatoriedade.
5. A pretensão de afastamento da distinção quanto a bens adquiridos no exterior não se mostra contundente sob a perspectiva da isonomia.
6. Não há fundamento que permita, com suporte no § 12 do art. 195, autorizar o desconto de créditos em relação a outras aquisições que não as referidas na legislação atinente ao PIS e à COFINS não-cumulativos.”
No extraordinário, interposto com base na alínea a do permissivo constitucional, aponta-se ofensa aos arts. 5º, XXXVI e LV, 150, II e IV, e 195, § 12º, da Constituição Federal, para requerer, ao final, que (eDOC 35, p. 44-45):
“A) assegurar à recorrente o direito aos créditos de PIS e COFINS relativos à depreciação do valor da reavaliação de bens incorporados ao ativo imobilizado, uma vez que a lei não possui palavras inúteis e o ad. 31, §20, da Lei 10.865/2004 deve ser interpretado a contrario .sensu e de acordo com o texto da CRFB3/88;
B) assegurar à recorrente o direito aos créditos de PIS e COFINS relativos relativo à depreciação do valor da reavaliação de bens incorporados ao ativo imobilizado, excluídas as limitações impostas:
(I) pelos arts. 3º, §3º, I, da Lei n. 10.637/02 e 3º, § 3º, I, da Lei n. 10.833/03 quanto à origem desses bens, permitindo o crédito quanto aos bens adquiridos no exterior;
(II) pelos arts. 3º, VI, e 15, II, da Lei n. 10.833/03 quanto à destinação desses bens, permitindo o crédito em relação aos bens que não sejam diretamente utilizados na fabricação de produtos destinados ã venda; e
(III) pelo art. 31 da Lei n. 10.865/04 quanto à data de aquisição desses bens, permitindo o crédito em relação aos bens adquiridos até 30 de abril de 2004,
ordenando à Autoridade Coatora que se abstenha (i) de opor quaisquer óbices à tomada do crédito aqui pretendida e (ii) de exigir valores que porventura deixem de ser recolhidos em função da compensação de tais créditos; e
C) autorizar a compensação/escrituração dos créditos ‘que deixaram de ser tomados pela recorrente à época própria, em função das restrições acima destacadas, os quais devem ser monetariamente corrigidos pela Taxa SELIC ou, na falta desta, do índice legal que a vier suceder.”
É o relatório. Decido.
A irresignação merece prosperar em parte.
No que diz respeito as limitações previstas no art. 3º, § 3º, I, da Lei 10.637/2002 e art. 3º, § 3º, I, da Lei 10.833/2003, o acórdão recorrido está em harmonia com as orientações adotadas por esta Corte, no julgamento do RE 698.531, Tema 707 da repercussão geral, em que se analisou a validade da restrição ao direito ao crédito da contribuição PIS apenas quanto aos bens, serviços, custos e despesas relacionados a negócios jurídicos contratados com pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil.
Na ocasião, fixou-se a seguinte tese:
“Revela-se constitucional o artigo 3º, § 3º, incisos I e II, da Lei nº 10.637/2003, no que veda o creditamento da contribuição para o Programa de Integração Social, no regime não cumulativo, em relação às operações com pessoas jurídicas domiciliadas no exterior.”
É certo que orientação se limitou expressamente à contribuição destinada ao PIS, no entanto, dada a similaridade de fundamentos, o entendimento deve ser aplicado igualmente a COFINS, na forma prevista no art. 3º, § 3º, I, da Lei 10.833/2003.
Em relação aos arts. 3º, VI, e 15, II, da Lei 10.833/2003, o Tribunal de origem também decidiu de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, tendo em conta os fundamentos adotados no julgamento do Tema 337 da repercussão geral, RE 607.642, em que a Corte apreciou a constitucionalidade dos regimes de não cumulatividade estabelecidos para a COFINS e para a contribuição para o PIS, na forma estabelecida nas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003.
Dentre as orientações adotadas, destaco, quanto ao ponto em discussão, as seguintes fixadas na ementa desse paradigma:
“7. Diante de contribuições cuja materialidade é a receita ou o faturamento, a não cumulatividade dessas contribuições deve ser vista como técnica voltada a afastar o “efeito cascata” na atividade econômica, considerada a receita ou o faturamento auferidos pelo conjunto de contribuintes tributados sequencialmente ao longo do fluxo negocial dos bens ou dos serviços.
8. Os objetivos propalados na exposição de motivos das Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03 de harmonização, de neutralidade tributária e de correção dos desequilíbrios na concorrência devem direcionar o legislador no processo gradual de inserção da cobrança não cumulativa para todos os contribuintes de um setor econômico, mediante a graduação das bases de cálculo e das alíquotas (art. 195, § 9º CF), de modo a não acentuar ainda mais as distorções geradas pela cumulatividade.
9. O modelo legal, em sua feição original, abstratamente considerado, embora complexo e confuso, mormente quanto às técnicas de deduções (crédito físico, financeiro e presumido) e aos itens admitidos como créditos, não atenta, a priori, contra o conteúdo mínimo de não cumulatividade que pode ser extraído do art. 195, § 12, da Constituição.
10. O § 9º do art. 195, ao autorizar alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas em razão de determinados critérios (atividade econômica, utilização intensiva de mão de obra, porte da empresa ou condição estrutural do mercado de trabalho), não exime o legislador de observar os princípios constitucionais gerais, notadamente a igualdade.”
Nesse contexto, considerando a ausência de fluxo negocial sequencial e direto que corresponda a um efeito cumulativo em cascata, não há como se reconhecer a inconstitucionalidade de vedação ao reconhecimento de créditos decorrentes da aquisição de bens que não sejam diretamente utilizados na fabricação de produtos destinados à venda.
Por outro lado, o pleito recursal merece provimento quanto as insurgências relativas ao art. 31, caput e § 2º da Lei 10.865/2004.
Com efeito, a Corte definiu tese na apreciação do Tema 244 da repercussão geral, RE 599.316, com aseguinte redação:
“Surge inconstitucional, por ofensa aos princípios da não cumulatividade e da isonomia, o artigo 31, cabeça, da Lei nº 10.865/2004, no que vedou o creditamento da contribuição para o PIS e da COFINS, relativamente ao ativo imobilizado adquirido até 30 de abril de 2004.”
Em seu voto, o Min. Marco Aurélio, relator do feito, asseverou que:
“O Constituinte, diferentemente do alegado pela recorrente, não deixou a critério do legislador o delineamento do regime não cumulativo das contribuições. O artigo 195, § 12, da Lei Maior autorizou, tão somente, a definição dos setores em relação aos quais as contribuições podem ser não cumulativas. Estabelecidos os segmentos de atividade econômica, cumpre ao legislador observar o princípio da não cumulatividade, viabilizando a compensação sempre que gravada pelos tributos a operação precedente.
É meia verdade o argumento de, sendo a receita fenômeno individual, não poderem estar a contribuição para o PIS e a COFINS sujeitas a regime de não cumulatividade semelhante ao do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços — ICMS e ao do Imposto sobre Produtos Industrializados — IPI. Tecnicamente, receita consiste na diminuição do passivo ou no aumento de ativo, a resultar na ampliação do patrimônio líquido. Como o auferimento de receita deriva de operação econômica, surge pertinente, sem limitações, o princípio constitucional da não cumulatividade, compensando-se na saída o montante devido e recolhido na entrada.
Ao simplesmente vedar o creditamento em relação aos encargos de depreciação e amortização de bens do ativo imobilizado, afrontou o legislador a não cumulatividade, incorrendo em vício de inconstitucionalidade material.
A par disso, o dispositivo institui tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalente, ofendendo o princípio da isonomia, revelado no artigo 150, inciso II, da Constituição Federal.
(…)
A ausência de fundamento lógico para a distinção é flagrante. Tome-se como exemplo a hipótese de contribuinte adquirente de computadores, os quais, segundo a Instrução Normativa nº 1.700/2017, da Receita Federal do Brasil, possuem vida útil de 5 anos, devendo ser depreciados à taxa de 20% ao ano. Se determinado contribuinte houver comprado as máquinas no mês anterior à vigência da Lei nº 10.865/2004, poderá creditar-se apenas em relação a 1,7% do valor dos bens – 20% ao ano = 1,7% ao mês. Já concorrente que tenha feito aquisição semelhante no mês seguinte creditar-se-á no tocante a 100% do preço, considerada a depreciação até o fim da vida útil. Inexiste razão aceitável para a diferenciação, a não ser a finalidade arrecadatória.
Não se está a afirmar que há direito adquirido a regime jurídico. A questão é de violação à isonomia. O regime jurídico do creditamento, ressalvadas alterações pontuais, permaneceu o mesmo, tendo o legislador apenas afastado o direito dos contribuintes que incorporaram bens ao ativo imobilizado até 30 abril de 2004.
Houvesse fixado, como termo inicial para o direito ao creditamento, o começo da sistemática da não cumulatividade – 1º de dezembro de 2002, para o PIS, e 1º de fevereiro de 2004, para a COFINS –, poder-se-ia alegar a ausência de arbitrariedade na distinção. Ainda assim, o argumento seria duvidoso. A aparente regra de transição afrontaria o princípio da não cumulatividade, na medida em que a operação anterior teria sido gravada pelos tributos, no regime cumulativo, às alíquotas gerais de 0,65% e 3%, sendo cabível o crédito, tal como ocorreu expressamente com os estoques de abertura – artigos 11 da Lei nº 10.637/2002 e 12 da Lei nº 10.833/2003. Daí o motivo pelo qual não se pode acolher o pedido sucessivo da União no sentido de limitar o direito a crédito às aquisições posteriores à instituição da não cumulatividade. A decisão, a pretexto de corrigir inconstitucionalidade, esbarraria em outra.”
Dessa forma, considerando os motivos que levaram à inconstitucionalidade do caput do art. 30 da Lei 10.856/2004, é de se reconhecer o mesmo vício em relação a restrição estabelecida no § 2º desse mesmo dispositivo, quanto à reavaliação de bens e direitos do ativo permanente, ao impedir a correta consideração do patrimônio líquido da empresa e, consequentemente, da sua receita.
Ante o exposto, nos termos do art. 21, §2º, do RISTF, dou provimento parcial ao recurso extraordinário para afastar a aplicação dos art. 30, caput e § 2º, da Lei 10865/2004, nos limites do pedido contido na exordial.
Saliento que as questões referentes à eventuais restituições e/ou compensações devem ser solvidas no juízo de origem.
Sem honorários, por se tratar de mandado de segurança (Súmula 512/STF e art. 25 da Lei 12.016/2009).
Custas judiciais ex lege.
Publique-se.
Brasília, 23 de fevereiro de 2023.
Ministro EDSON FACHIN
Relator