RE 1467113
Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI
Julgamento: 14/12/2023
Publicação: 18/12/2023
Decisão
DECISÃO: Vistos. Trata-se de Recurso Extraordinário interposto contra acórdão proferido pela 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, com fulcro no artigo 102, inciso III, alíneas a, c e d, do permissivo constitucional. O acórdão foi assim ementado: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL C/C INDENIZAÇÃO – DIREITO TRIBUTÁRIO – ISENÇÃO TRIBUTÁRIA – IPTU – MUNICÍPIO DE CONTAGEM – REVOGAÇÃO – JURISPRUDÊNCIA DO STF – OVERRULING – INOCORRÊNCIA – DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO – DESVIO DE FINALIDADE – INEXISTÊNCIA. Conquanto exista uma possível tendência de superação da jurisprudência consagrada na Súmula de nº 615 do STF, o entendimento ainda prevalecente naquela Corte é o de que a revogação de isenção de tributo não se confunde com a sua instituição ou com a sua majoração, de sorte que não atrai os princípios da anterioridade e da garantia nonagesimal. Inocorrência, por ora, de overruling. Em se tratando da interpretação de normas regimentais das Casas Legislativas, o Poder Judiciário deve respeitar as possíveis exegeses autênticas feitas pelo próprio Poder Legislativo na condução de seus trabalhos, como consectário do postulado da separação dos Poderes, desde que aquela adotada esteja entre as possivelmente extraíveis do texto legal. O imposto não é tributo vinculado e nem afetado, sendo do Poder Executivo, a atribuição de alocar os recursos oriundos de sua arrecadação conforme critérios próprios de oportunidade e conveniência. Não foram opostos embargos de declaração. A parte recorrente alega que o acórdão contrariou o artigo 150, inciso III, alíneas a, b e c, da Constituição Federal. Aduz que a lei Municipal nº 214, publicada em 29/12/2016, que revogou benefício de Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) não obedeceria ao princípio da anterioridade geral e da anterioridade nonagesimal, uma vez que referido imposto foi cobrado já em relação ao fato gerador ocorrido em 01/01/2017. Requer a reforma do “acórdão recorrido [para] julgar procedentes os pedidos da petição inicial.”. Decido. O recurso merece prosperar em parte. Com efeito, em ocasiões anteriores, embora eu tenha partilhado do entendimento de que não se aplica nem a anterioridade geral (art. 150, III, b, da CF/88) nem a anterioridade nonagesimal (art. 150, III, c, da CF/88, incluído pela EC nº 42/03) nas hipóteses de redução ou de supressão de benefícios ou de incentivos fiscais – ainda que acarretem majoração indireta de tributos, o que, aliás, consta da Súmula nº 615/STF -, acabei me curvando ao entendimento majoritário mais atual da Corte em sentido diverso. Na oportunidade do julgamento da ADI nº 6.144/AM, de minha relatoria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal se posicionou em favor da necessidade de se observar o princípio da anterioridade quando ocorre majoração indireta de tributos. O acórdão recebeu a seguinte ementa: “Ação direta de inconstitucionalidade. Perda de objeto. Direito tributário. ICMS. Energia elétrica. Necessidade de instituição da substituição tributária por meio de lei estadual em sentido estrito, com densidade normativa. Operações interestaduais. Imprescindibilidade de submissão do Convênio ICMS nº 50/19 à Assembleia Legislativa. Aplicação das anterioridades geral e nonagesimal quanto à majoração indireta de ICMS provocada pela substituição tributária. 1. A antecipação do ICMS com substituição tributária deve se harmonizar com a lei complementar federal que dispõe sobre a matéria (Tema nº 456, RE nº 598.677/RS, de minha relatoria, DJe de 5/5/21). É imprescindível, ademais, que a instituição dessa substituição tributária seja feita por meio de lei estadual em sentido estrito, com densidade normativa (ADI nº 4.281/SP, redatora do acórdão a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 18/12/20). 2. Versando o convênio ICMS interestadual autorizativo sobre matéria em relação à qual se exige, ainda, disciplina em lei estadual em sentido estrito, deve ele ser submetido às respectivas Casas Legislativas. Nessa direção, vide: ADI nº 5.929/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 6/3/20. 3. Por meio do Convênio ICMS nº 50/19, os estados signatários acordaram em adotar, quanto ao ICMS, o regime de substituição tributária nas operações interestaduais com energia elétrica neles iniciadas com destino a distribuidora localizada no Estado do Amazonas. 4. O Decreto nº 40.628/19 do Estado do Amazonas, ao instituir substituição tributária relativamente ao ICMS e incorporar à legislação amazonense o referido convênio, sem a prévia submissão desse à Assembleia Legislativa, incidiu em inconstitucionalidade formal. 5. Está sujeita às anterioridades geral e nonagesimal a majoração indireta do ICMS provocada pela instituição da substituição tributária em questão. Precedentes. 6. Ação direta julgada prejudicada quanto ao inciso II do art. 1º do Decreto nº 40.628/19, na parte em que fixou a Margem de Valor Agregado (MVA) de 150% em relação à energia elétrica, e procedente quanto à parte subsistente, declarando-se a inconstitucionalidade formal – por ofensa ao princípio da legalidade tributária – e material – por violação das anterioridades geral e nonagesimal – dos arts. 1º, I e II – na parte remanescente -, e 2º do mesmo decreto. 7. Ficam modulados os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, para que a decisão produza efeitos a partir do início do próximo exercício financeiro (2022), ressalvando-se as ações ajuizadas até a véspera da publicação da ata de julgamento do mérito”. Na situação em comento, tenho, para mim, que o acórdão recorrido diverge da orientação prevalente na Corte a respeito da aplicação das anterioridades tributárias no contexto das majorações indiretas de tributos por meio de revogação de benefícios fiscais. A Lei Municipal 214/2016, ao revogar a isenção de IPTU, refletiu no aumento de carga tributária a ser suportada pelos seus contribuintes, de modo que faz-se imperiosa a incidência da anterioridade prevista no artigo 150, III, alínea b (se tratar da base de cálculo), e o da anterioridade nonagesimal, alínea c, incluído pela Emenda Constitucional nº 43/2003. Nesse sentido, confira-se: “DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INCENTIVO FISCAL. REVOGAÇÃO. MAJORAÇÃO INDIRETA. ANTERIORIDADE. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal concebe que não apenas a majoração direta de tributos atrai a eficácia da anterioridade nonagesimal, mas também a majoração indireta decorrente de revogação de benefícios fiscais. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento, com aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º do CPC/2015” (RE nº 1.053.254-AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma DJe de 13/11/18). “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. TRIBUTÁRIO. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. MARGEM DE VALOR AGREGADO. DECRETO ESTADUAL Nº 45.258/2015. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE TRIBUTÁRIA. 1. Nos termos da jurisprudência da Corte sobre o tema, toda modificação legislativa que, de maneira direta ou indireta, implicar carga tributária maior, há de ter eficácia no ano subsequente àquele no qual veio a ser feita. 2. In casu, os novos percentuais referentes à margem de valor agregado que integra a base de cálculo do ICMS, instituídos pelo Decreto nº 45.258/2015, por acarretarem majoração da carga tributária, devem surtir efeitos apenas no exercício financeiro seguinte à sua publicação. 3. Agravo regimental a que se nega provimento, com fixação de multa, nos termos do art. 1.021, § 4º, do CPC”. (ARE n° 1.281.713-AgR-segundo, Rel. Min. Edson Fachin, Segunda Turma, DJe de 23/3/21). “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREQUESTIONAMENTO. NÃO OCORRÊNCIA. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 282/STF E 356/STF. TRIBUTÁRIO. REDUÇÃO OU SUPRESSÃO DE INCENTIVO FISCAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE GERAL E NONAGESIMAL. MAJORAÇÃO INDIRETA DE TRIBUTOS. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – Consoante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é inadmissível o recurso extraordinário se a questão constitucional nele suscitada não tiver sido apreciada no acórdão recorrido (Súmula 282/STF). Ressalte-se que não prequestiona a matéria constitucional sua suscitação, pela primeira vez, em embargos declaratórios opostos ao acórdão de segundo grau (Súmula 356/STF). II – Nos termos do art. 150, III, c, da Constituição Federal, a redução ou a supressão de benefício fiscal deve observar o princípio da anterioridade geral e nonagesimal. Precedentes. III – Agravo regimental a que se nega provimento” (RE nº 1.365.114-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe de 6/7/22). Ante o exposto dou parcial provimento ao presente recurso extraordinário para que seja observado o princípio da anterioridade previsto constitucionalmente. Invertidos os ônus de sucumbência. Remetam-se os autos ao Tribunal de origem para que prossiga no julgamento dos demais pedidos como entender de direito. Publique-se. Brasília, 1414 de dezembro de 2023. Ministro DIAS TOFFOLI Relator Documento assinado digitalmente