ARE 1365065
Relator(a): Min. FLÁVIO DINO
Julgamento: 26/07/2024
Publicação: 30/07/2024
Decisão
DECISÃO: Trata-se de agravo interposto contra decisão de inadmissibilidade do recurso extraordinário, com base no art. 102, III, “a”, da Constituição Federal, apresentado pelo Estado de Goiás, em face do acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás assim ementado: “DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO E DUPLA APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEFICÁCIA JURÍDICA CUMULADA COM EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS E OBRIGAÇÃO DE FAZER. REPASSE DE PARCELA DA ARRECADAÇÃO DO IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS) AO MUNICÍPIO. PROGRAMAS FOMENTAR E PRODUZIR. INOBSERVÂNCIA DO SISTEMA CONSTITUCIONAL DE REPARTIÇÃO DE RECEITAS TRIBUTÁRIAS. TESE FIRMADA NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 527.762/SC (TEMA Nº 42). INCIDÊNCIA. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. OMISSÃO NÃO OCORRÊNCIA. REGIME DE PRECATÓRIOS. AFASTAMENTO. PRECEDENTES. 1. Em virtude do preceituado no art. 158, IV, da Constituição Federal, o Estado de Goiás não pode dispor do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) referente aos programas FOMENTAR e PRODUZIR, sem repassar aos municípios o percentual que lhes é devido. O repasse de receitas tributárias aos municípios não deve se sujeitar aos planos estaduais de incentivo fiscal, uma vez que tais receitas, de natureza constitucional, qualificam-se como um instrumento necessário para resguardar a independência dos entes federados e a autonomia financeira. 2. À situação concreta, na qual o Estado de Goiás, por meio dos programas FOMENTAR e PRODUZIR, posterga o repasse aos municípios da parcela a eles devida referente ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), aplica-se o precedente firmado pela Corte Suprema no Recurso Extraordinário nº 572.762/SC (Tema nº 42.) 3. A matéria em exame não se amolda à questão discutida no Recuso Extraordinário nº 705.423/SE (Tema nº 653), porque, além de tratar de tributos diversos, o próprio Supremo Tribunal Federal já se manifestou a respeito (Recurso Extraordinário nº 1.191.997/GO), e a recente jurisprudência deste Tribunal também tem decidido no mesmo sentido. Logo, se a sentença recorrida adota igual entendimento, deve ser mantida. 4. A alegação de omissão sobre a tese de inconstitucionalidade da vinculação de receita de impostos (ICMS) a fundo ou despesa para financiamento conjunto dos programas de incentivos fiscais FOMENTAR e PRODUZIR, tema levantado pelo município, não merece ser conhecida. Não ocorreu a omissão apontada pelo ente público municipal, pois, de forma oposta, o magistrado de plano utilizou do argumento em sua fundamentação e a tese da inconstitucionalidade é albergada pelo precedente utilizado naquela decisão. 5. O repasse dos valores devidos pelo Estado ao Município deverá ocorrer de forma direta, sem sujeição ao regime de precatórios, porquanto não se pode impôr ao ente municipal tal ônus quando, na verdade, tinha direito ao repasse integral de sua parte do imposto desde o início, por força de norma constitucional. 6. PRIMEIRA APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. REMESSA NECESSÁRIA E SEGUNDA APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDAS, MAS DESPROVIDAS.” Na minuta, sustenta-se violação dos arts. 100, caput, 102, caput, e 158, IV, da Constituição da República. É o relatório. Decido. O recurso comporta provimento. Da análise dos autos, verifica-se que o Tribunal de origem manteve a sentença que julgou procedente o pedido para determinar que o Estado de Goiás proceda ao repasse integral da quota de ICMS cabível ao Município de Goiandira, “sem a incidência dos descontos, créditos ou diferimento oriundos dos programas FOMENTAR e PRODUZIR”. Nesse cenário, verifica-se que a decisão recorrida não está alinhada com a jurisprudência desta Suprema Corte, firmada no julgamento do Tema 1172 da repercussão geral, no qual fixada a tese de que: “Os programas de diferimento ou postergação de pagamento de ICMS – a exemplo do FOMENTAR e do PRODUZIR, do Estado de Goiás – não violam o sistema constitucional de repartição de receitas tributárias previsto no art. 158, IV, da Constituição Federal, desde que seja preservado o repasse da parcela pertencente aos Municípios quando do efetivo ingresso do tributo nos cofres públicos estaduais”. O paradigma está assim ementado: “Recurso extraordinário. Repercussão geral. Tema 1.172. 2. Direito Tributário. Repartição de receitas tributárias. 3. Programas FOMENTAR e PRODUZIR, do Estado de Goiás. Concessão de benefício fiscal de postergação/diferimento do pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). 4. Inaplicabilidade do tema 42 (RE 572.762). Ausência de ingresso efetivo da parcela incentivada nos cofres públicos estaduais. Impossibilidade de exigência de repasse aos Municípios. Observância do conceito técnico de arrecadação firmado no julgamento do tema 653 (RE 705.423). Ausência de violação ao art. 158, IV, da Constituição Federal. 5. Fixação da tese: ‘Os programas de diferimento ou postergação de pagamento de ICMS – a exemplo do FOMENTAR e do PRODUZIR, do Estado de Goiás – não violam o sistema constitucional de repartição de receitas tributárias previsto no art. 158, IV, da Constituição Federal, desde que seja preservado o repasse da parcela pertencente aos Municípios quando do efetivo ingresso do tributo nos cofres públicos estaduais.’ 6. Recurso extraordinário a que se nega provimento”. Ao julgamento dos embargos de declaração opostos, o Tribunal Pleno determinou que as decisões judiciais ainda em curso não deveriam ser ressalvadas da tese. Na mesma assentada foram modulados os efeitos para que fossem preservados: (i) os valores já repassados, ainda que antecipadamente, pelo Estado de Goiás aos Municípios, com base na regra do art. 158, IV, da Constituição Federal, até a data de publicação da ata do julgamento do mérito do presente apelo extraordinário; e (ii) os valores que os Municípios ainda deverão receber por meio das ações judiciais, que transitaram em julgado, na fase de conhecimento, até a data de publicação da ata de julgamento do mérito deste recurso. O acórdão recebeu a seguinte ementa: “Embargos de declaração em recurso extraordinário. Repercussão geral. Tema 1.172. Modulação dos efeitos da decisão. 1. Alegação de omissão quanto à necessidade de modulação dos efeitos da decisão proferida, em razão da existência de decisões judiciais que aplicaram o entendimento firmado no Tema 42 à controvérsia do presente recurso extraordinário. 2. Considerando a existência de diversas decisões favoráveis à aplicação do Tema 42, em razão, principalmente, das impropriedades técnicas dos conceitos conferidos aos programas FOMENTAR e PRODUZIR, do Estado de Goiás, criou-se um cenário de insegurança jurídica quanto à correta interpretação dos benefícios fiscais em análise. Configurada, portanto, a necessidade de modulação dos efeitos da decisão para atender ao excepcional interesse social e garantir a segurança jurídica, salvaguardando os repasses já realizados às Municipalidades do Estado de Goiás. 3. Impossibilidade de se ressalvar as decisões judiciais ainda em curso, haja vista que, no julgamento do mérito deste recurso extraordinário, a Corte fixou, em sede de repercussão geral, com eficácia geral, tese no sentido da constitucionalidade do diferimento implementado pelo Estado de Goiás. 4. Modulação de efeitos da decisão embargada apenas para preservar os valores já repassados, ainda que antecipadamente, pelo Estado de Goiás aos Municípios, com base na regra do art. 158, IV, da Constituição Federal, até a data de publicação da ata do julgamento do mérito do presente apelo extraordinário. Ficam preservados, da mesma forma, os valores que os Municípios ainda deverão receber por meio das ações judiciais, que transitaram em julgado, na fase de conhecimento, até a data de publicação da ata de julgamento do mérito deste recurso. 5. Embargos de declaração parcialmente acolhidos”. Ante o exposto, conheço do agravo e dou provimento ao recurso extraordinário para, nos termos da tese fixada no Tema nº 1.172, assentar a legitimidade da exclusão das parcelas relativas aos programas FOMENTAR e PRODUZIR da base de cálculo do repasse de 25% do ICMS ao município recorrido, devendo ser observada a modulação de efeitos estabelecida no julgamento do referido tema. Quanto aos honorários, não sendo líquida a sentença, a definição do percentual ocorrerá na liquidação do julgado (art. 85, § 4º, II, do CPC). Publique-se. Brasília, 26 de julho de 2024. Ministro FLÁVIO DINO Relator Documento assinado digitalmente