Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) devem decidir nessa quarta-feira (1º/6) se o fisco pode cobrar uma multa dos contribuintes ao negar um pedido de compensação tributária, isto é, de utilização de um crédito junto à fazenda pública para a quitação de um débito.
Por meio de dois processos, o STF vai decidir se é constitucional a multa isolada prevista no artigo 74, parágrafo 17, da Lei 9.430/96. De acordo com esse dispositivo, se o fisco negar o pedido de compensação tributária, a Receita aplica multa de 50% sobre o valor do débito declarado e não compensado. Além dessa multa, incide uma outra, de mora, de 20%, sobre os mesmos valores.
O tema está previsto para ser apreciado no plenário físico em julgamento conjunto do ADI 4905 e do RE 796939, este último elencado no Tema 736 da sistemática da repercussão geral. No entanto, como os ministros devem julgar dois processos da área trabalhista antes, pode ser que o julgamento seja adiado.
O julgamento dos dois processos foi iniciado em abril de 2020 e foi suspenso por um pedido de destaque do ministro Luiz Fux. Antes disso, os relatores, ministros Edson Fachin e Gilmar Mendes, votaram pela inconstitucionalidade da multa.
Em sua defesa, os contribuintes alegam que a multa isolada é inconstitucional por, entre outros motivos, violar o direito fundamental de petição aos poderes públicos, previsto no artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a” da Constituição Federal. Segundo esse dispositivo, é assegurado a todos, independentemente do pagamento de taxas, o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder.
Assim, para os contribuintes, a cobrança da multa diante da negativa ao pedido de compensação desestimularia o pedido e representaria, com isso, uma violação ao próprio direito de petição. Eles argumentam ainda que a multa é aplicada aos contribuintes que exercem, de boa-fé, o seu direito de compensação, sem qualquer abuso ou fraude.
Para a União, porém, a cobrança da multa não representa qualquer violação ao direito de petição, uma vez que a aplicação da penalidade ocorre depois o pedido de compensação. Por outro lado, para a União, ao não prestar informações corretas, o contribuinte violaria o princípio da colaboração com a administração pública.
O entendimento da União é que, ao permitir a autodeclaração do crédito e a sua compensação, o contribuinte ganhou um voto de confiança e que, ao prestar informações inverídicas, estaria quebrando esse voto. Além disso, no caso de infração à legislação tributária, a Fazenda defende, com base no artigo 136 Código Tributário Nacional (CTN), que a responsabilidade é objetiva, ou seja, não depende da intenção do contribuinte de fraudar ou não o erário.
No Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2023, a União estima perda de arrecadação de R$ 3,7 bilhões em cinco anos caso seja derrotada nos processos.
Pressuposto da multa é o ato ilícito, afirmam contribuintes
O pedido de compensação é feito administrativamente por meio do Pedido Eletrônico de Ressarcimento, Restituição ou Reembolso e Declaração de Compensação (PER/DCOMP)
O advogado Paulo Coimbra, professor de direito tributário da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e sócio do escritório Coimbra, Chaves & Batista Advogados, explica que esse pedido de compensação é a outra face da moeda do dever do contribuinte de realizar o lançamento do tributo por homologação. Nesta modalidade de lançamento, o próprio contribuinte apura e antecipa o pagamento do tributo, o que fica sujeito à concordância posterior do fisco a respeito dos valores pagos.
“O fisco transfere esse ônus para o contribuinte. Como o contribuinte apura e lança o tributo por si mesmo, ele também faz o pedido administrativo para compensar os créditos de que ele acredita ser titular, em exercício da boa-fé”, afirma Coimbra, que participou de painel sobre o assunto durante o VI Congresso Internacional de Direito Tributário do Rio de Janeiro, promovido pela Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF).
O advogado ressalta que o pedido de compensação é administrativo e, se o fisco o indefere, não caberia a multa, uma vez que o pressuposto para a aplicação de uma sanção é o ato ilícito.
“O exercício de petição não pode ser equiparado a um ato ilícito, não ensejando qualquer multa ou sanção”, diz Coimbra.
Autora da ADI 4905, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) afirma que a multa é aplicada ao contribuinte que exerce o seu direito de compensação de boa-fé, sem abuso, burla ou fraude. Para a entidade, a instituição da multa isolada de 50% teve o “nítido propósito de, por meio de ameaça de penalização, desencorajar o cidadão-contribuinte a exercitar seu constitucional direito de peticionar aos poderes públicos e de reaver valores recolhidos impropriamente”.
Para a CNI, a multa isolada, além do direito de petição, fere o direito fundamental ao contraditório e à ampla defesa e os princípios da vedação da utilização de tributos com efeito de confisco e da razoabilidade e da proporcionalidade;
Na opinião da tributarista Maria Danielle Rezende de Toledo, do Lira Advogados, o julgamento será uma oportunidade para o STF reconhecer o excesso da multa. “O STF pode corrigir uma distorção da lei, afastando penalidade extremamente onerosa e desproporcional, pois não há uma mensuração da conduta do contribuinte para a aplicação da multa. Se houvesse valoração sobre má-fé ou ilicitude dos créditos objeto da compensação, restaria justificada a penalidade em 50%”, diz Maria Danielle.
Estímulo ao envio de declarações corretas
O procurador da Fazenda Nacional e assessor especial da Advocacia-Geral da União (AGU) Cláudio Seefelder contesta a argumentação dos contribuintes. De acordo com o procurador, a multa é um estímulo para que o contribuinte tenha zelo ao realizar o pedido de compensação.
Seefelder explica que, no passado, o contribuinte pedia a compensação e o fisco tinha até cinco anos para analisar e deferir o pedido. Desde 2002, afirma, essa ordem foi invertida. O contribuinte consegue realizar a compensação imediatamente e, a partir de então, a Fazenda tem cinco anos para analisar o pedido e, se o indeferir, exigir o recolhimento do tributo, com multa.
O problema, diz ele, é que, com essa mudança, o fisco identificou que entre 25% e 30% das declarações possuíam inconsistências no intervalo entre 2022 a 2010. Em face disso, em 2010, a administração tributária federal passou a cobrar essa multa, que foi introduzida por meio da Lei 12.249/2010. Hoje, segundo o procurador, o percentual de declarações com inconsistências fica entre 8% e 9%.
“Com a aplicação da multa, estamos falando de boa-fé ou má-fé? Não estamos. Se houvesse má-fé ou fraude, a multa seria de 150%. O que estamos discutindo é se o modelo que prevê a aplicação da multa estimula ou não o contribuinte a prestar as informações corretamente”, diz Seefelder.
O procurador afirma ainda que, na contramão do argumento de que a multa desestimula os pedidos de compensação, houve uma alta nesses requerimentos. Em 2009, foram 940 mil pedidos, englobando créditos da ordem de R$ 39,0 bilhões. Em 2021, foram 2,2 milhões de pedidos, com créditos da ordem de R$ 218,2 bilhões. Os dados foram levantados pela Receita Federal e fornecidos pela PGFN.
Para o procurador, a multa não viola o direito fundamental à petição, uma vez que ocorre posteriormente aos pedidos. Por outro lado, a declaração de informações inconsistentes por parte dos contribuintes representaria uma violação ao princípio da colaboração.
Além disso, afirma Seefelder, nos termos do artigo 136 do Código Tributário Nacional (CTN), a responsabilidade do contribuinte por infrações à legislação tributária é objetiva, ou seja, independe da sua intenção ou de má-fé. Segundo esse dispositivo, “salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato”.
“A responsabilidade é objetiva e não depende de se analisar a boa-fé ou má-fé do contribuinte”, afirma o procurador.
Fonte: JOTA/Cristiane Bonfanti