O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional o regime tributário instituído pelo Estado de São Paulo para a comercialização de energia elétrica no mercado livre. A sistemática – que serviu de modelo para os demais Estados do país – estabelece a substituição do responsável pelo recolhimento do ICMS: as distribuidoras no lugar das geradoras e comercializadoras.
Os ministros atenderam a um pedido da Associação dos Agentes Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel). A entidade havia ingressado, em 2009, com uma ação direta de inconstitucionalidade, a ADI 4.281, contestando o regime paulista.
A Abraceel argumentava que a sistemática foi instituída pelo Regulamento do ICMS sem que houvesse previsão em lei. Trata-se do Decreto nº 54.177, de 2009, que alterou os parágrafos 2º e 3º do artigo 425 do Decreto nº 45.490, do ano 2000.
Alegava ainda prejuízos à livre concorrência. Com a mudança do regime tributário, as geradoras e comercializadoras passaram a ser obrigadas a fornecer os dados dos contratos de aquisição de energia – incluindo o preço praticado – para o Estado, que, por sua vez, os repassava às distribuidoras.
Foram mais de dez anos de idas e vindas na pauta. O desfecho se deu no Plenário Virtual, na última sexta-feira, por um placar de oito votos a dois. Houve modulação de efeitos e, com isso, a norma paulista só perderá a validade a partir da publicação.
Segundo os ministros, existem dois requisitos para que a hipótese de substituição tributária seja válida: tem de estar prevista em lei; e o substituto precisa ter vínculo com o fato gerador da obrigação tributária. No caso de São Paulo, afirmaram, nenhum deles foi cumprido.
No mercado comum, o doméstico, as tarifas são reguladas pelo governo e o consumidor paga uma fatura única por mês incluindo os serviços de distribuição e geração de energia. Já o mercado livre – alvo da discussão no STF – é um ambiente de contratação de energia em que grandes empresas negociam o fornecimento (preços, prazos e volume) diretamente com os geradores ou comercializadores.
A distribuidora não participa das negociações. Ela detém a estrutura física necessária para transportar a energia e é obrigada, por lei, a compartilhar a rede para que a geradora ou a comercializadora consiga entregar o volume adquirido, no mercado livre, pelo consumidor.
O ressarcimento dos custos desse transporte é estabelecido em um contrato específico, o que, segundo os ministros, não se confunde com a negociação para o fornecimento da energia. A distribuidora foi classificada pelos magistrados como um “elemento estranho à relação e à própria cadeia produtiva”, já que “não recebe qualquer valor referente ao contrato celebrado”.
A relatora original desse caso é a ministra Ellen Gracie, que deixou o STF em agosto de 2011, sendo substituída, em dezembro daquele ano, por Rosa Weber. A ADI
O Estado, no processo, argumentava que o objetivo da norma era evitar sonegação fiscal. Justificava a distribuidora como substituta tributária pelo fato de apenas ela ter a possibilidade de medir a quantidade de energia efetivamente consumida. A legislação paulista serviu como modelo para vários outros Estados – entre eles, o Rio de Janeiro.
Para o advogado Guilherme Berejuk, do Martorelli Advogados, a decisão, no caso de São Paulo, sinaliza para os outros Estados o entendimento do STF sobre o tema. Apesar de tratar, essencialmente, sobre a ausência de previsão em lei, diz, a discussão avançou “sobre o plano da garantia da ordem econômica”.
“Deve impedir que o regime de substituição tributária, tal como proposto pelo ente federativo, configure uma situação em que informações sensíveis do negócio das comercializadoras [o preço da venda de energia] sejam abertas a outras empresas do setor [distribuidoras], cujos controladores, frequentemente, também possuem participação ou controle de empresas no segmento de comercialização”, afirma.
FONTE: Valor Econômico, 14 de outubro de 2020