O Supremo Tribunal Federal (STF) analisará se a União deveria ter aguardado um ano, a chamada anterioridade anual, para colocar em prática em 2015 e 2018 as reduções de benefícios previstos no Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para Empresas Exportadoras (Reintegra). A repercussão geral do tema foi reconhecida no começo do mês e ainda não há previsão de data para o julgamento.
Com a medida, os processos sobre o assunto serão suspensos no país pelo prazo de um ano, até a decisão do STF. O debate sobre o Reintegra afeta exclusivamente os exportadores de manufaturados — como os setores automotivo, naval e de mármores e granitos. O regime foi criado em 2011 pela Lei nº 12.546 para estimular as exportações e a competividade nacional.
Em 2015 e 2018 foram editados, respectivamente, os Decretos nº 8.415 e nº 9.393. O rimeiro diminuiu o percentual de crédito sobre receita com exportações de 3% para 1%. O segundo, de 2% para 0,1%. O objetivo, em 2018, foi compensar a queda na arrecadação federal decorrente da desoneração do diesel para atender a uma reivindicação dos caminhoneiros.
Nos processos, os exportadores discutem com a Receita Federal se as reduções nesses dois anos só poderiam começar a valer após o prazo de um ano, em respeito à chamada anterioridade anual. As duas turmas do Supremo já julgaram um outro aspecto desse tema. Decidiram pela necessidade de aguardar 90 dias para a redução entrar em vigor. Mas divergem sobre a aplicação do princípio da anterioridade.
Segundo a advogada Flávia Holanda, do escritório FH Advogados, que representa a empresa na repercussão geral, o assunto vem sendo discutido no STF desde 2017, quando surgiram as primeiras decisões monocráticas sobre o tema.
Por causa da natureza de benefício fiscal deveria haver a anterioridade, afirma a advogada. “No caso de benefício fiscal, uma redução no meio do exercício significa aumento de carga tributária, o que só poderia surtir efeitos dentro do prazo anual”, diz.
A aplicação do decreto de 2018 reduziu em 20 vezes o direito de ressarcimento ou compensação do benefício fiscal do Reintegra, alega a empresa na ação. De acordo com Flávia, outros casos do escritório já foram suspensos por causa da repercussão geral, especialmente os que tramitam no Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, com sede em Porto Alegre.
Para a União, o Reintegra é um benefício fiscal relacionado ao PIS e à Cofins, contribuições que não se submetem à anterioridade geral, mas apenas à nonagesimal. No processo, a União alega que os valores apurados no Reintegra não representam aumento ou majoração de tributo, concessão de isenção ou desoneração em relação a qualquer espécie tributária.
Afirma que não se pode cogitar violação aos princípios da não surpresa, da proteção da boa-fé e da anterioridade de exercício. Procurada, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não deu retornou até o fechamento da edição.
A repercussão geral foi reconhecida por unanimidade (ARE 1285177). Para o relator da ação, ministro Luiz Fux, o tema revela potencial impacto em outros casos, já que existem muitos processos sobre o assunto, com centenas de julgados no STF, de forma monocrática ou em turmas.
Apesar do julgamento sobre a anterioridade nonagesimal, não há manifestação pacífica da Corte sobre a anterioridade anual, segundo o relator. “Tenho que a controvérsia constitucional em apreço ultrapassa os interesses das partes, avultando-se relevante do ponto de vista econômico, político, social e jurídico”, afirma Fux em seu voto.
O ministro Marco Aurélio Mello apresentou manifestação de voto no mesmo sentido. Para ele, cabe ao Supremo definir se as reduções de alíquotas do Reintegra devem observar, ou não, o princípio da anterioridade geral, de um ano.
Valor Econômico- Por Beatriz Olivon, Valor, 23 de novembro de 2020.