Lei municipal 12.350/1997. Incentivo fiscal. Recuperação externa e conservação de imóvel. Certificados expedidos de modo contrário à interpretação fixada no parecer ementado sob o n. 11.832. Eventual apuração de valor indevido a maior objeto do benefício fiscal. Possibilidade de compensação de valores entre os certificados passados e futuros. Aferição do benefício financeiro pelo prazo decenal total. Termo a quo do prazo prescricional: encerramento do prazo global. Teoria da actio nata. Definição administrativa pretérita sobre o benefício no caso concreto. Manutenção do entendimento.
A Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB) formula consulta sobre a aplicação da Lei municipal n.° 12.350/97, que estabelece incentivos fiscais decorrentes de obras de restauração de imóveis situados na região central. A dúvida decorreu do pronunciamento da Assessoria Jurídica da Pasta, nos termos do parecer de fls. 374/388.
Suscitam-se, em complementação às dúvidas pretéritas lançada no âmbito do PA n.° 1998-0.106.761-6, outros pontos atinentes à denominada Lei de Fachadas. São eles: (a) possibilidade de aplicação de compensação; (b) incidência de prescrição como causa impeditiva da compensação; (c) reanálise da conclusão jurídica feita no ano de 2004 acerca da incidência da Lei municipal n.° 12.350/97, notadamente da hipótese contida na parte final de seu art. 1º, §2º; (d) possibilidade de concessão do benefício em razão de obras realizadas em momento anterior ao tombamento; (e) interpretação do art. 2º, §4º, do mesmo diploma.
Previamente a uma deliberação conclusiva por esta Assessoria Jurídico-Consultiva, o expediente foi remetido para a Secretaria Municipal da Fazenda, que se pronunciou a fls. 410/414, bem como para a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento, a qual expediu as manifestações de fls. 419/421, 447/448 e 452.
É o relatório do quanto necessário.
Esta Assessoria Jurídico-Consultiva já se manifestou acerca dos pontos levantados inicialmente pela SEHAB no PA n.° 1998-0.106.761-6, nos termos do parecer ementado sob o n.° 11.832 (Informação n.° 152/2018-PGM.AJC – cópia a fls. 389/403), em que foi fixada a interpretação acerca do regime jurídico vertido na Lei municipal n.° 12.350/97.
Em suma, foram fixadas duas teses jurídicas, quais sejam:
(i) O incentivo previsto na Lei n.° 12.350/97 não detém a natureza jurídica de isenção (artigo 175 do CTN), aproximando-se com o regime da subvenção financeira.
(ii) Partindo-se da premissa que não se trata de isenção, o cálculo do benefício deve estrita obediência ao quanto preconizado no art. 2º, §4º, da Lei n.° 12.350/97 c/c. o art. 5º, “caput”, do Decreto municipal n.° 37.302/98, e em conformidade com o procedimento regulamentado pela Portaria PREF n.° 49/99.
Ocorre que a SEHAB suscitou outras questões jurídicas relacionadas à Lei de Fachadas, prejudiciais à continuidade da análise do presente processo administrativo. Esclareça-se que as conclusões já alcançadas pela Procuradoria Geral do Município subsidiarão, por óbvio, a nova análise suscitada pela Pasta consulente.
Passa-se, doravante, à análise das questões arguidas.
I. POSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO E A QUESTÃO DA PRESCRIÇÃO
SEHAB-AJ questiona, na ocorrência de uma eventual diferença entre os valores envolvidos nos exercícios anteriores, sobre a possibilidade de compensação de parcela de quantias apuradas em favor do Poder Público, a ser consignada nos certificados futuramente expedidos. A mesma Assessoria manifesta-se no sentido da possibilidade1.
Paralelamente, a SEHAB-AJ suscita a questão da prescrição, “tendo em vista que os certificados anteriores foram concedidos há mais de 5 (cinco) anos”. Em tais casos, seria incabível proceder-se à compensação.
Posta a se pronunciar, a Secretaria Municipal da Fazenda manifestou-se a fls. 410/414, afastando a possibilidade de compensação, nos termos do regime incorporado na Lei municipal 16.670/2017, que somente admite a compensação de créditos tributários com débitos da mesma natureza. Nesse sentido, não foi vislumbrada “possibilidade de compensação de valores consignados nos certificados de incentivo com débitos do IPTU”. Além disso, SF acompanhou o entendimento da SEHAB acerca da incidência da prescrição, causa de extinção do crédito fazendário.
Diante da conjugação de tais posições, SF conclui pela impossibilidade jurídico-operacional da compensação ao caso em análise”.
A despeito das pertinentes considerações da SF, entende-se possível a compensação recíproca dos certificados, caso seja constatada diferença dos montantes envolvidos.
Não se trata de aplicar o instituto da compensação tributária, vez que o benefício decorrente da Lei de Fachadas não detém tal natureza, conforme já sedimentado no parecer pretérito desta Procuradoria Geral do Município. Trata-se, isso sim, de proceder-se a um ajuste financeiro recíproco, tendo em vista, de um lado, a benesse geral concedida legalmente e, de outro, os valores pontuais envolvidos ano a ano.
A bem da verdade, o benefício financeiro resultante da Lei 12.350/1997 deve ser considerado globalmente, pelo período total de seu auferimento (10 anos), de modo a legitimar um acerto dos respectivos montantes.
Com base em tal premissa, aliás, entende-se que o prazo prescricional somente passaria a incidir após o encerramento in totum do prazo legal do benefício financeiro, em razão da aplicação do princípio da actio nata, pelo qual o dies a quo do prazo prescricional ocorre no momento em que possível o exercício da correspondente pretensão, associado à ciência da irregularidade. Trata-se de entendimento consagrado no âmbito doutrinário e jurisprudencial, a exemplo da decisão abaixo reproduzida:
“O STJ possui entendimento sedimentado na teoria da actio nata acerca da contagem do prazo prescricional, segundo a qual a pretensão nasce quando o titular do direito subjetivo violado obtém plena ciência da lesão e de toda a sua extensão, bem como do responsável pelo ilícito, inexistindo, ainda, qualquer condição que o impeça de exercer o correlato direito de ação.”2
Ora, considerando que a apuração de eventual valor devido somente pode ser consolidado ao final do período decenal – ante a possibilidade de ajuste recíproco dos certificado-, a efetiva cobrança do respectivo montante inicia-se no mesmo momento, a partir do qual passa a fluir a prescrição.
Conclui-se, portanto, que a compensação (rectius, ajuste financeiro) mostra-se legítima, devendo ser computada como termo inicial para fins de prescrição a fluência in totum do prazo do benefício previsto na Lei de Fachadas.
II. BENEFÍCIO FISCAL IN CONCRETO E O REQUISITO PREVISTO NO ARTIGO 1º, §2º, IN FINE, DA LEI 12.350/97.
Outro ponto arguido pela SEHAB envolve especificamente a ora interessada – Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) – e o auferimento per se do benefício fiscal.
A AASP deu início à realização das obras de restauro no ano de 2003, mesma época em que realizou o pedido de concessão de incentivo fiscal. Nos termos do artigo 1º, §2º, da Lei 12.350/97, pode solicitar a concessão do benefício aquele que promover ou patrocinar referidas obras, considerando-se recuperação externa as intervenções realizadas (a) em imóveis tombados ou (b) em imóveis considerados de valor histórico, cultural, estético, arquitetônico ou paisagístico, nos termos do artigo 2º da Lei 8.328/75.
Considerando que o tombamento definitivo do imóvel deu-se somente no ano de 2007, prevaleceu a posição, inclusive desta PGM-AJC3, segundo a qual o tombamento provisório não daria ensejo à concessão do benefício. Nesse sentido, não houve a concessão do incentivo durante os primeiros anos do pedido, autorizado apenas no ano de 2009, ocasião em que foi avalizado o estado de conservação do imóvel.
A despeito disso, SEHAB-AJ aponta o seguinte: “Ocorre que, à época, não foi abordada a possibilidade de concessão do benefício em razão de o imóvel ser considerado de valor histórico, cultural, estético, arquitetônico ou paisagístico, nos termos do artigo 2º da Lei municipal 8.328/75, o que também permitiria, em tese, a concessão do benefício”. Ainda de acordo com a Pasta, existiriam circunstâncias para a realização de tal enquadramento, o que teria resultado no deferimento inicial da pretensão.
Sobre as pertinentes considerações do SEHAB-AJ, dois pontos merecem consideração.
Em primeiro lugar, restou afastada pela Secretaria Municipal da Cultura (SMC) e pela Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL) a possibilidade de deferimento do pedido administrativo no período que antecedeu o tombamento definitivo da edificação.
Nos termos da informação de fls. 447/448, da SMC, o imóvel objeto do presente não foi abarcado pelo Decreto municipal 19.835/1984, que regulamentava o artigo 2º da Lei municipal 8.238/754 “Desta forma, a mencionada edificação de atual propriedade da AASP, em 2003, não era tombado em qualquer esfera de governo ou preservado em razão de seu valor histórico, cultural, estético, arquitetônico ou paisagístico, nos termos do artigo 2º da Lei 8.328, de 2 de dezembro de 1975” (fls. 447/448 – grifo nosso).
Com base nisso, SMUL ratificou que “a interessada, realmente, não preenchia nenhum dos requisitos previstos na Lei no exato momento do Requerimento” (fls. 452/verso).
Em segundo lugar, a despeito da prerrogativa de autotutela detida pela Administração, restaria afastada a possibilidade de proceder a uma revisão de enquadramento mais de guinze anos após o encerramento da avaliação administrativa inicial, sob pena de indesejada insegurança jurídica.
Nesse sentido, conclui-se que o requerente somente passou a preencher os requisitos necessários para a concessão do benefício a partir de seu tombamento definitivo, efetivando-se a partir da constatação do estado de conservação do bem.
III. BENEFÍCIO FISCAL IN CONCRETO E A REALIZAÇÃO DAS OBRAS DE RESTAURO ANTES DO TOMBAMENTO
SEHAB-AJ vislumbra um imbróglio entre o regime da Lei de Fachadas o caso in concreto. Em razão da realização das obras de conservação quando da realização do pedido inaugural em 2003, e em virtude do ulterior tombamento definitivo em 2007, “a Associação interessada não teria, da mesma forma, direito ao incentivo a partir de 2007, a menos que comprovasse com novo pedido e novas obras de restauro ou conservação as condições legais exigidas”.
No entanto, consigne-se que as obras a serem consideradas como parâmetro para a concessão do benefício são aquelas posteriores ao tombamento definitivo, ocorridas no ano de 2009. De fato, após a aprovação do tombamento pelo CONPRESP em 2007, foi realizada avaliação técnica na qual foi verificada a necessidade de reparos na fachada do imóvel (fls. 193/197). Devidamente comunicada (fls. 204), a entidade interessada apresentou as respectivas medidas (fls. 208/223). Em nova avaliação, a Comissão PROCENTRO constatou que as obras recomendadas foram devidamente executadas, conforme o laudo de vistoria técnica de fls. 228/230, elaborado em 2009. Esse o parâmetro temporal que merece prevalecer para o cálculo do benefício.
A propósito, essa foi a deliberação tomada pelo Comitê Gestor do PROCENTRO/G-CENTRO, nos termos da ata acostada a fls. 232/234, datada de julho de 2009, bem como da respectiva Deliberação 001/2009 (fls. 235). Assim, no tocante ao processo envolvendo a Associação dos Advogados de São Paulo, o início da concessão do benefício fiscal (fls. 232 – item 1 e fls. 235) levou em consideração o “exercício de 2009” (fls. 233, segundo parágrafo).
Afastado, portanto, qualquer imbróglio a respeito da concessão inicial do benefício fiscal, tampouco a necessidade hermenêutica de se elastecer os ditames do artigo 2º, §4º, da Lei de Fachadas.
IV. CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, conclui-se, em relação ao caso ora tratado, que:
(i) Legítimo o ajuste financeiro recíproco envolvendo os certificados emitidos e aqueles a serem expedidos;
(ii) Para fins de análise da prescrição, deve ser computada como termo inicial a fluência in totum do prazo decenal do benefício previsto na Lei de Fachadas;
(iii) A entidade interessada somente passou a preencher os requisitos necessários para a concessão do benefício a partir de seu tombamento definitivo, efetivando-se a partir da constatação do estado de conservação do bem;
(iv) Inexiste qualquer imbróglio a respeito da concessão inicial do benefício fiscal, tampouco a necessidade hermenêutica de se elastecer os ditames do artigo 2º, §4º, da Lei de Fachadas. Assim, no tocante ao processo envolvendo a Associação dos Advogados de São Paulo, o início da concessão do benefício fiscal levou em consideração o exercício de 2009.
À consideração superior.
1 “É que, se, de um lado, a compensação é um instituto que viabiliza a extinção de dívidas líquidas, vencidas e fungíveis entre si, existentes entre credores e devedores recíprocos, no limite em que se equipararem, por outro lado, a situação dos autos, após a definição do valor correto a constar dos certificados (…), revelará exatamente a diferença concedida a maior, quanto aos certificados já expedidos, bem como o valor dos futuros títulos, sendo pertinente aventar-se a aplicação do instituto”.
2 REsp 1.460.474/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 3/09/2018). Em outro julgado, o mesmo STJ entendeu que “a contagem do prazo para se aferir a ocorrência de prescrição deve observar o princípio da actio nata, pois o fluxo do lapso prescricional somente se inicia quando há pretensão exercitável por parte daquele que suportará os efeitos do fenômeno extintivo.” (AgInt no AREsp 1154146/SP, DJe 28/03/2019). No mesmo sentido: “pela teoria da actio nata, a pretensão nasce quando há ciência inequívoca da lesão” (AgInt no REsp 1694327/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 03/04/2019).
3 Parecer ementado sob o n. 10.610 (Informação 01/2014-PGM.AJC).
4 “A conclusão é que o imóvel da Rua Álvares Penteado, 151 e 165 não era classificado como Z 8-200 e posteriormente ZEPEC, nos termos do artigo 2º da Lei municipal 8.328 de 1975 e artigo 115, II, da Lei municipal 13.885 de 2004” (fls. 447).