ABANDONO. BENS NÃO PERECÍVEIS. ADMINISTRAÇÃO DIRETA. AUTARQUIAS. PROCESSO DE DESTINAÇÃO. Os bens não perecíveis abandonados por órgãos da Administração Pública Direta e suas autarquias, uma vez adotadas as medidas previstas no § 2º do art. 644 do RA/2009, tornam-se disponíveis para serem destinados na forma e condições definidas na Portaria RFB nº 3.010, de 2011. DOU 24/12/2021.
Dispositivos Legais: Decreto-Lei nº 1.455, de 1976, art. 34; Decreto nº 6.759, de 2009, arts. 644 e 645; Portaria MF nº 282, de 2011, art. 1º; e Portaria RFB nº 3.010, de 2011, arts. 1º e 2º.
Relatório
Trata-se de Consulta Interna (CI) formulada pela Alfândega do Aeroporto Eduardo Gomes (ALF/AEG), acerca da destinação de bens que, importados por órgão da administração pública direta e suas autarquias, são considerados abandonados por decurso do prazo de permanência no recinto alfandegado.
2. Conforme narra a consulta, a inércia do ente público importador, por não configurar dano ao Erário, punível com a pena de perdimento, enseja a simples declaração de abandono dos bens prevista no art. 644 do Regulamento Aduaneiro, positivado pelo Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009 (RA/2009).
3. Outra particularidade do caso é que a declaração de abandono, exceção feita aos itens perecíveis, não torna os bens imediatamente disponíveis para destinação; antes disso, a autoridade aduaneira deve comunicar o fato ao importador, para que inicie ou retome o respectivo despacho dentro de 30 dias. Descumprido o prazo, deverá referida autoridade formalizar representação ao Ministério Público. (RA/2009, art. 644, § 2º).
4. Quanto às providências a adotar, depois de encaminhada a Representação, o Regulamento é silente, limitando-se a dispor no § 5º do mesmo art. 644 que “O Ministro de Estado da Fazenda regulará o processo de declaração de abandono dos bens a que se refere este artigo”. É nesse ponto que emerge a questão sob exame.
5. Na leitura da unidade consulente, falta à disciplina do procedimento um dispositivo que estabeleça, depois de efetuada a representação ao Ministério Público, quando a autoridade aduaneira poderá destinar os bens declarados abandonados. Diante dessa lacuna, e por prudência, os bens tendem a permanecer armazenados, por longo período, pendentes de destinação.
6. À guisa de solução do problema, a unidade consulente propõe que se modifique a legislação da matéria, “dando à autoridade tributária aduaneira a prerrogativa de declarar o perdimento em favor da União; contudo, que antes se dê prazo razoável ao Ministério Público para que retire das dependências alfandegárias o bem importado, então, caso não o faça, seguir-se-á o rito ordinário dado à importação realizada por pessoa jurídica de direito privado, que culmina com perdimento e destinação.
Fundamentos
7. À primeira vista, a questão suscitada não satisfaz os requisitos de admissibilidade da Consulta Interna, previstos na Portaria RFB nº 2.217, de 19 de dezembro de 2014, e reproduzidos na Ordem de Serviço Cosit nº 1, de 8 de abril de 2015. Realmente, não é esse o meio processual adequado para se avaliar propostas de aperfeiçoamento da legislação. No entanto, observando-se bem, a dificuldade normativa apontada não se deve propriamente à lacuna dos textos, mas a certa deficiência redacional, suprível pela via interpretativa.
8. Antes de passar à análise, cabe pontuar que o abandono de bens importados por órgão da Administração Pública Direta não configura dano ao Erário e, por conseguinte, não acarreta a pena de perdimento que geralmente sanciona a inércia do importador. No caso em pauta, o descumprimento do prazo para o despacho enseja a simples declaração de abandono de que trata o § 4º do art. 644 do RA/2009.
9. Quanto ao vácuo normativo apontado na consulta, é de ver que, acaso existisse, remontaria à edição do Decreto-Lei nº 1.455, de 7 de abril de 1976, cujo art. 34, § 3º (matriz legal do art. 644, § 5º do RA/2009) já dispunha àquela altura que “O Ministro da Fazenda disciplinará os procedimentos fiscais a serem adotados pelas repartições da Secretaria da Receita Federal, na ocorrência de infrações na importação que envolvam órgãos da Administração Pública”.
10. O fato, porém, é que sucessivas portarias ministeriais, secundadas por portarias da Receita Federal, têm disciplinado a destinação de bens abandonados ao longo dos anos, e todas elas editadas com expresso fundamento no Decreto-Lei nº 1.455, de 1976.
11. A título ilustrativo, cabe transcrever o preâmbulo e art. 1º da Portaria MF nº 100, de 22 de abril de 2002, que precedeu a atual Portaria MF nº 282, de 9 de julho de 2011 na disciplina da matéria:
O MINISTRO DE ESTADO DA FAZENDA, Interino, no uso de suas atribuições, e tendo em vista o disposto na legislação tributária, em especial no Decreto-Lei nº 1.455, de 7 de abril de 1976, RESOLVE:
Art. 1º A destinação dos bens apreendidos, abandonados ou disponíveis, administrados pela Secretaria da Receita Federal, quando não aplicável o disposto no art. 29, I, do Decreto-Lei nº 1.455, de 7 de abril de 1976, reger-se-á pelas normas estabelecidas nesta Portaria.
12. Calcada naquele diploma, a Portaria SRF nº 555, de 30 de abril de 2002, já definia nestes termos os bens considerados disponíveis para destinação:
Art. 1º Para efeito do art. 1º da Portaria MF nº 100, de 22 de abril de 2002, consideram-se disponíveis para destinação as mercadorias apreendidas em decorrência das atividades de controle aduaneiro ou de fiscalização dos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal (SRF), que tenham sido objeto de aplicação de pena de perdimento, bem assim outras mercadorias que, por força da legislação vigente, possam ser destinadas, ressalvada determinação expressa em contrário, em cada caso, emanada de autoridade judiciária.
13. A vigente Portaria MF nº 282, de 9 de julho de 2011, e a Portaria RFB nº 3.010, de 2011, mantém aquele mesmo escopo e fundamento do processo de destinação:
PORTARIA MF Nº 282, DE 9 DE JUNHO DE 2011
O MINISTRO DE ESTADO DA FAZENDA, no uso de suas atribuições, e tendo em vista o disposto na legislação tributária, em especial no Decreto-Lei nº 1.455, de 7 de abril de 1976, alterado pela Lei nº 12.350, de 20 de dezembro de 2010, RESOLVE:
Art. 1º A destinação das mercadorias abandonadas, entregues à Fazenda Nacional ou objeto de pena de perdimento, administradas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil – RFB reger-se-á pelas normas estabelecidas nesta Portaria.
Portaria RFB nº 3.010, de 2011:
Art.1º A destinação das mercadorias abandonadas, entregues à Fazenda Nacional ou objeto de pena de perdimento, administradas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) reger-se-á pelas normas estabelecidas nesta Portaria.
14. Constata-se dos textos transcritos que o processo de destinação de toda mercadoria abandonada sob administração da RFB, inclusive as importadas por órgão da Administração Pública, encontra-se disciplinado naquelas portarias. Em outras palavras, verifica-se que o Ministro da Fazenda deu cumprimento à regulamentação prevista no § 5º do art. 644 do RA/2009.
15. Assentado esse ponto, resta apenas avaliar se a regulamentação ministerial, complementada pela Portaria RFB nº 3.010, de 2011, oferece adequada solução ao problema suscitado na consulta, de saber se os bens abandonados, não perecíveis, importados por órgãos da administração pública, podem ou não podem ser destinados depois de adotadas as cautelas previstas no § 2º do art. 644 do RA/2009:
Art. 644. Serão declarados abandonados os bens que permanecerem em recinto alfandegado sem que o seu despacho de importação seja iniciado em noventa dias:
(….).
§ 2º Tratando-se de importação realizada por órgãos da administração pública direta, de qualquer nível, ou suas autarquias, se não for promovido o despacho de importação, nos termos do art. 546, ou se ocorrer a interrupção deste por mais de sessenta dias, a autoridade aduaneira:
I – comunicará o fato ao órgão importador, para início ou retomada do respectivo despacho aduaneiro; e
II – encaminhará representação ao Ministério Público, se não for adotada a providência prevista no inciso I, no prazo de trinta dias, contados da ciência da comunicação
16. A resposta afirmativa se impõe, em primeiro lugar, pela absoluta falta de disposição normativa que autorize a permanência indefinida da carga abandonada em recinto alfandegado. Ao contrário, longe de transigir com sobrestamentos do processo, a Portaria RFB nº 3.010 de 2011, é categórica ao estabelecer que a destinação só não poderá ser levada a termo em presença de expressa e específica vedação judicial. Confira-se:
Art. 2º Às mercadorias de que trata esta Portaria poderá ser atribuída uma das seguintes formas de destinação:
(…)
§ 1º As mercadorias de que trata este artigo poderão ser destinadas:
I – após decisão administrativa definitiva, ainda que relativas a processos pendentes de apreciação judicial, inclusive as que estiverem à disposição da Justiça como corpo de delito, produto ou objeto de crime, salvo determinação expressa em contrário, em cada caso, emanada de autoridade judiciária;
§ 3º Aplica-se o disposto neste artigo a outras mercadorias que, por força da legislação vigente, possam ser destinadas, ainda que relativas a processos pendentes de apreciação judicial.
17. Veja-se que até mesmo as amostras de mercadorias com indício de prática delituosa devem ser destruídas após noventa dias de depósito, “salvo se houver determinação judicial ou requerimento da respectiva Procuradoria da República para entrega à polícia judiciária ou transferência para depósito do Poder Judiciário” (RA/2009, art. 42, §§ 4º e 5º).
18. Diante de disposições tão claras e terminantes, pode-se concluir que, uma vez adotadas as cautelas do inciso II do § 2º do art. 644 do RA/2009, os bens abandonados por órgãos da Administração Pública Direta e suas autarquias, não só podem como devem ser destinados. As circunstâncias impeditivas do procedimento são aquelas expressamente ressalvadas na Portaria RFB nº 3.010 de 20111.
19. Desnecessário enfatizar que a imediata destinação dos bens, é mais que justificável em tais casos, pois não seria justo nem jurídico a Receita Federal seguir suportando os prejuízos resultantes da reiterada conduta omissiva do importador. Seria agravar as perdas com a depreciação e obsolescência dos bens, além das despesas de guarda e armazenagem da mercadoria abandonada. (Portaria RFB nº 3.518, de 2011, art. 11, parágrafo único).
20. Por último, cumpre anotar que a questão objeto na presente consulta há muito tem suscitado dúvidas e controvérsias, sinal inequívoco da necessidade de aperfeiçoamento da Portaria RFB nº 3.010 de 2011. Estamos certos de que a compreensão do procedimento resultaria mais simples e fácil se o diploma viesse a dispor, com todas as letras, que os bens abandonados por órgãos da Administração Direta e suas autarquias tornam-se disponíveis para destinação depois de adotadas as cautelas previstas no inciso II do § 2º do art. 644 do RA/2009.
Conclusão
21. Pelos fundamentos expostos, conclui-se, em resposta à questão da consulta, que os bens não perecíveis abandonados por órgãos da Administração Pública Direta e suas autarquias, uma vez adotadas as medidas previstas no § 2º do art. 644 do RA/2009, tornam-se disponíveis para serem destinados na forma e condições definidas na Portaria RFB nº 3.010 de 2011.