Se uma das causas da crise financeira é o “desaquecimento” da economia pela quarentena horizontal frente ao novo coronavírus e se essa medida é ato da própria administração pública, então é possível aguardar alguns meses para o recolhimento de tributos, já que uma das consequências diretas é a queda de arrecadação das empresas.
Com esse entendimento, o juiz substituto Rolando Valcir Spanholo, da 21ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, concedeu liminar a uma empresa para suspender o recolhimento de quatro tributos, como forma de preservar mais de 5 mil empregos.
A decisão é excepcional e válida pelo prazo de três meses. Assim, a empresa não fica obrigada a recolher Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Pis e Cofins.
Ao analisar o caso, o magistrado aplicou, por analogia, a teoria do fato do príncipe, normalmente usada em contratos entre o Estado e um particular. Ele considerou que atos e ações da própria administração pública, por conta da pandemia, criaram situação de completa imprevisibilidade.
Segundo a doutrina, o fato do príncipe é o poder de alteração unilateral de um contrato administrativo, levado a efeito pela Administração. Ou, além disso, medidas gerais da Administração, não relacionadas a um dado contrato administrativo, mas que nele têm repercussão, pois provocam um desequilíbrio econômico-financeiro em detrimento do contratado.
No caso concreto, contudo, a autora — uma empresa de call center e outros serviços — não tem faturamento substancialmente atrelado a contratos com o poder público.
“Claramente, ainda que no afã de buscar um bem maior, de interesse coletivo, as amplas ações voltadas à proteção sanitária da população brasileira estão produzindo interferência imprevista no dia a dia da vida econômica da autora”, afirmou.
Segundo o juiz, a empresa não deu causa à quarentena colocada em prática no Brasil e também não tem condições de evitar seus efeitos, que não ficarão restritos aos aspectos sanitários e hospitalares.
“Com a quarentena horizontal imposta, a economia não gira. Não girando a economia, não há receita. Sem receita, há fechamento em massa de empresas e dos postos de trabalho. Sem salário, milhões terão dificuldades para manter as condições mínimas dos respectivos núcleos familiares”, registrou o magistrado.
“Merece ser prestigiada toda e qualquer ação séria e eficaz que seja capaz de minimizar o potencial destruidor que o fechamento de postos de trabalho (e até mesmo de empresas) gerará, muito em breve, no seio da nossa sociedade”, acrescentou.
A decisão destaca ainda que a parte não busca a dispensa do pagamento por imunidade ou isenção, nem o parcelamento, mas apenas evitar a inadimplência e seus efeitos jurídicos.
Estados e municípios são responsáveis também
O juiz do Distrito Federal também determinou, de ofício, que a empresa emende a inicial para incluir no polo passivo do processo todos os entes com quem mantém relação tributária regular — exceto nos casos em que já tiver impetrado ação individual contra o mesmo.
A carga tributária suportada pela empresa, diz o juiz, poderá colocar em risco a manutenção de milhares de postos de trabalho e “não está restrita aos tributos federais”. O magistrado considera ainda que incidem sobre sua atividade “exações cuja competência tributária pertence a outros entes federados”.
“E isso ganha relevo na medida em que são os estados, Distrito Federal e municípios que, por precaução, seguindo orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), mais pressionam pela implantação da chamada ‘quarentena horizontal'”, explicou.
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1016660-71.2020.4.01.3400
Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Fernanda Valente é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 26 de março de 2020.
https://www.conjur.com.br/2020-mar-26/juiz-aplica-fato-principe-garante-moratoria-tributos