ICMS – Transferência de mercadorias entre estabelecimentos pertencentes ao mesmo titular – Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 49 (ADC 49). I. Enquanto não proferida a decisão final referente aos embargos de declaração interpostos em razão de omissões decorrentes do teor da decisão proferida na ADC 49 e, tendo em vista a legislação vigente do imposto (Lei Complementar nº 87/1996, Lei Estadual nº 6.374/1989 e RICMS/2000) e a natureza vinculada da atividade fiscalizatória, entende-se que permanecem aplicáveis as atuais disposições legais condicionantes ao correto aproveitamento do crédito nas transferências entre estabelecimentos pertencentes ao mesmo titular. Data. 28/09/2021.
Relato
1. A Consulente, que declara no Cadastro de Contribuintes do ICMS – CADESP exercer, como atividade principal, o transporte rodoviário de carga, exceto produtos perigosos e mudanças, intermunicipal, interestadual e internacional (Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE 49.30-2/02), ingressa com sucinta consulta referente à operação de transferência de mercadorias para filial localizada no Estado do Rio de Janeiro.
2. Aponta posicionamento deste órgão consultivo acerca da recente decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no curso da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 49 (ADC 49), que declarou a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Complementar nº 87/1996, voltados à incidência do ICMS no deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular em operações interestaduais e indaga se deve destacar o imposto nos documentos fiscais que acobertam as transferências de mercadorias realizadas entre seus estabelecimentos.
Interpretação
3. Preliminarmente, cumpre destacar que, no presente momento, o julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 49 (ADC 49) pelo Supremo Tribunal Federal (STF) encontra-se suspenso tendo em vista pedido de vista dos autos, em 14/09/2021, pelo Ministro Luiz Roberto Barroso.
4. Nesse sentido, o posicionamento desta Consultoria Tributária acerca do tema mantém-se inalterado, permanecendo entendimento proferido em recentes Respostas às Consultas publicadas, conforme se transcreve:
“3. De partida, registre-se que, como é de conhecimento da Consulente, a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 49 (ADC 49), ajuizada pelo Governador do Estado do Rio Grande do Norte, foi declarada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal em sessão virtual do Plenário de 9 a 16 de abril de 2021, tendo sido o acórdão publicado em 04/05/2021. Como consequência, o STF declarou a inconstitucionalidade dos artigos 11, §3º, II, 12, I, no trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”, e 13, §4º, da Lei Complementar Federal nº 87, de 13 de setembro de 1996.
4. Destaque-se que, a nosso ver, a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos em tela foi silente quanto a outros pontos da Lei Complementar nº 87/1996, o que dificulta sobremaneira sua aplicação em aspectos fundamentais da sistemática do ICMS. Isso fica evidente, por exemplo, no que tange à não cumulatividade do imposto, operacionalizada por meio do mecanismo de débito e crédito, com previsão expressa na mesma lei complementar, especificamente em seus artigos 19 a 23.
5. É de se notar que tais dispositivos, que não foram objetos da ADC 49, foram construídos tendo como base a autonomia dos estabelecimentos para fins do ICMS, permitindo que o débito do imposto referente à operação de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, devidamente destacado em documento fiscal próprio, pudesse ser aproveitado, como crédito, pelo estabelecimento destinatário, respeitando assim a não cumulatividade e resultando num valor nulo para efeitos tributários. Nesse sentido, é importante consignar que a legislação paulista contempla o princípio da não cumulatividade, bem como os requisitos para a sua correta observância, no artigo 36 da Lei Estadual nº 6.374/1989 e nos artigos 59 a 61 do Regulamento do ICMS – RICMS/2000.
6. A inobservância dessa sistemática pode levar à impossibilidade do correto aproveitamento do crédito pelo estabelecimento destinatário da mercadoria, mesmo porque o artigo 46 da referida Lei nº 6.374/1989 veda a transferência de crédito de um para outro estabelecimento, ressalvadas as hipóteses previstas em regulamento (albergadas pelos artigos 70 a 70-I do RICMS/2000). Assim, exceto quanto a esses casos expressamente previstos, a legislação vigente, eficaz e presumidamente constitucional, não admite outras formas de transferência de crédito simples do imposto entre estabelecimentos. E, nesse ponto, é de fundamental importância ressaltar a natureza vinculada da atividade fiscalizatória, consagrada pelo artigo 3º do Código Tributário Nacional.
7. Tais omissões, decorrentes do teor da decisão proferida na ADC 49, foram cristalizadas pela admissão dos embargos de declaração opostos pela Governadora do Estado do Rio Grande do Norte, a fim de modular seus efeitos, com o subsequente pedido de ingresso como amicus curiae de diversas entidades representativas de contribuintes do ICMS, acrescentando preocupações semelhantes às apresentadas na presente resposta.
8. A admissão de algumas dessas entidades já foi aceita pelo Ministro Relator, e entendemos oportuna a transcrição de trecho dessa decisão:
“Como é sabido, a interação dialogal entre o STF e pessoas naturais ou jurídicas, órgãos ou entidades especializadas, que se apresentem como amigos da Corte, tem um potencial epistêmico de apresentar diferentes pontos de vista, interesses, aspectos e elementos que, não raro, excedem os limites estritos da controvérsia entre as partes em sentido formal.
Possibilita-se, assim, a produção de decisões mais adequadas e legítimas do ponto de vista do Estado Democrático de Direito.
O vigente Código de Processo Civil inovou ao incorporar ao ordenamento jurídico nacional regramento geral para o instituto no âmbito da jurisdição civil.
É extremamente salutar que a Corte reflita com vagar sobre as vascularidades existentes entre o regramento das ações de controle de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal e o Processo Civil em geral, especialmente no que diz respeito à legitimidade recursal, etc.
De um lado, tem-se a necessidade de relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia. De outro, a representatividade adequada do amicus curiae.
A relevância da matéria e repercussão social da matéria evidenciam-se pelo próprio conhecimento da Ação Declaratória, que exige a “controvérsia judicial relevante” (art. 14, par. único, da Lei 9.868/99).
As entidades que requerem o ingresso são todas, conforme trechos grifados no relatório, representantes de setores econômicos atingidos pela decisão e especificamente interessadas na interpretação e modulação dos seus efeitos, objeto dos Embargos de Declaração.
Resta evidente, portanto, a existência de pertinência entre as suas finalidades e a controvérsia dos autos. Desse modo, entendo serem legítimas as suas intervenções como amicus curiae, sobretudo em virtude da possibilidade de sua contribuição relevante, direta e imediata para tema em pauta.” (grifos nossos)
9. Parece-nos clara a necessidade de manifestação da Suprema Corte quanto aos pontos levantados nos embargos de declaração opostos à ADC 49, de modo a esclarecer seus efeitos – e, possivelmente, modulá-los – e proporcionar a segurança jurídica necessária, tanto a contribuintes como aos fiscos, quanto aos pontos objeto da presente consulta.
10. Além disso, é importante notar que o artigo 28 da Lei Federal nº 9.868/1999 estabelece que a eficácia normativa e efeito vinculante dos julgamentos realizados pelo STF em ações de controle concentrado de constitucionalidade advêm de seu caráter definitivo, capaz de manter ou excluir a referida norma do ordenamento jurídico, o que, s.m.j., não nos parece ser o caso do acórdão publicado nos autos da ADC 49, diante das admissões de ingresso de entidades como amicus curiae e da oposição dos Embargos Declaratórios, os quais, conforme §4º do artigo 1024 do CPC, podem implicar modificação da decisão embargada.
11. Assim, enquanto não proferida a decisão final dos embargos de declaração em tela, e tendo em vista a legislação vigente do imposto (Lei Complementar nº 87/1996, Lei Estadual nº 6.374/1989 e RICMS/2000) e a natureza vinculada da atividade fiscalizatória (Código Tributário Nacional), entendemos que permanecem aplicáveis as atuais disposições legais condicionantes ao correto aproveitamento do crédito nas transferências entre estabelecimentos pertencentes ao mesmo titular. […]”
5. Nestes termos, considera-se respondido o questionamento da Consulente.