DESCONTO VINCULADO A CONTRATO DE PERMANÊNCIA (FIDELIDADE). DESCONTO CONDICIONADO. INCIDÊNCIA DO ICMS. ART. 5º, II, “A” DA LEI Nº 2.657/96. DOE-RJ 14.05.2019.
Como forma de incentivar a manutenção dos clientes, as empresas de telecomunicação têm concedido na sua base de usuários desconto no valor do contrato de prestação de serviços subordinado à fidelização de 12 meses, como tempo mínimo de permanência.
Neste contexto cumpre ressaltar que, segundo disposto na alínea “a” do inciso II do art. 5º da Lei nº 2.657/96 (assim como o art. 13, § 1º, II, “a” da Lei Complementar federal nº 87/96), os descontos condicionados devem ser incluídos na Base de Cálculo do ICMS.
“Art. 5º Integra a base do cálculo do imposto, inclusive na hipótese do inciso V, do artigo 4º:
II – o valor correspondente a:
a) seguro, juro e qualquer importância paga, recebida ou debitada, bem como descontos concedidos sob condição;”.
Por sua vez os descontos incondicionais não são tributados pelo ICMS, conforme interpretação a contrario sensu da regra supra colacionada. Tal entendimento encontra, ainda, amparo em diversos julgados do Superior Tribunal de Justiça\(1) no verbete 457 da Súmula do mesmo tribunal, com o seguinte texto:
“Os descontos incondicionais nas operações mercantis não se incluem na base de cálculo do ICMS.”.
Desta forma, observa-se ser de salutar importância conceituar e distinguir o “desconto incondicional” do “desconto condicionado”, para verificar, posteriormente, em qual deles o aludido desconto de “fidelidade” se enquadra.
Nessa linha, cumpre observar a inexistência na legislação tributária, de norma que justifique os mencionados termos, razão pelo qual devem ser utilizadas as regras de integração previstas no art. 108 do Código Tributário Nacional.
Como anteriormente ressaltado, não encontramos na legislação tributária disciplina jurídica expressa para definir e distinguir o “desconto condicionado” e o “desconto incondicional”, mesmo em relação a outros tributos, inaplicável, portanto, a analogia.
Ao analisar a legislação privada, verifica-se que o Código Civil (Lei nº 10.406/02) prevê em seu art. 121 a definição de “condição”, como uma subordinação dos efeitos do negócio jurídico a eventos futuros e incertos.
“Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto.”.
Deve-se, neste ponto, ressaltar o disposto no art. 110 do Código Tributário Nacional, que determina a utilização das normas privadas para a pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance dos institutos privados.
“Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”.
Assim, utilizando-se o conceito de “condição” fixado na legislação civilista, por força do disposto no art. 110 do CTN supra, verifica-se que, para fins de incidência do ICMS, comporá a base de cálculo do imposto os descontos condicionados, assim considerados, aqueles que dependam de evento futuro e incerto. Por outro lado, o imposto não incidirá sobre os descontos incondicionados, que não dependem de qualquer evento ulterior, sendo definitivo o preço da mercadoria ou do serviço.
Ressalte-se, quanto a este aspecto, que a conclusão supra está de acordo com o decidido pelo Supremo Tribuna Federal, especificamente no voto do Ministro Marco Aurélio(2), no julgamento do RE 567.935-SC, por meio do qual apontou como principal distinção entre os descontos condicionado e incondicionado a inexistência de vinculação a evento posterior, conforme se extrai do trecho a seguir:
“Sob a óptica jurídico-contábil, os descontos incondicionais são parcelas redutoras dos preços de compra e venda, outorgados independentemente de evento posterior, devendo figurar no corpo da nota fiscal emitida. Esse tipo de abatimento, também conhecido como “desconto comercial”, normalmente utilizado para atrair clientela, repercute necessariamente no preço final praticado, ou seja, no “valor da operação”. Uma vez concedido, o valor correspondente não será pago pelo adquirente do produto, não fazendo parte do preço praticado em definitivo.” (grifos nossos)
Deve-se, ainda, observar que o Código Civil conceitua em seus artigos 125 a 127 a condição resolutiva e a suspensiva, sendo: (i) suspensiva aquela que susta os efeitos da regra até seu implemento; e (ii) resolutiva aquela que encerra os efeitos do dispositivo desde a sua ocorrência.
“Art. 125. Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa.
Art. 126. Se alguém dispuser de uma coisa sob condição suspensiva, e, pendente esta, fizer quanto àquela novas disposições, estas não terão valor, realizada a condição, se com ela forem incompatíveis.
Art. 127. Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido.”.
Assim, considerando o supra exposto, em síntese, o desconto será:
(a) incondicional quando não for subordinado a qualquer evento futuro e incerto; (b) sob condição resolutiva quando aplicável desde a celebração do negócio jurídico, mas encerrando seus efeitos com a verificação de determinado evento futuro e incerto; e (c) sob condição suspensiva quando apenas produzir efeitos a partir da ocorrência de determinado evento futuro e incerto.
Uma vez fixado o alcance dos termos acima referidos, faz-se necessário analisar as características do desconto concedido pelas prestadoras de serviços de telecomunicações, para verificar o seu enquadramento em algumas daquelas espécies.
O desconto conferido pelas prestadoras de serviços de telecomunicações possui três características principais:
(i) o desconto somente seria concedido aos usuários que firmassem, além do contrato de prestação de serviços, um contrato de permanência que defina um período de fidelização;
(ii) o desconto seria aplicável apenas durante o período de fidelização previsto no contrato de permanência;
(iii) caso o usuário cancelasse o contrato de prestação de serviços antes do período de fidelização, haveria a incidência de multa cujo montante seria calculado pelo o somatório dos valores dos descontos recebidos, multiplicado pela proporção do tempo restante para o final do prazo de fidelização.
Conforme facilmente se verifica, o desconto concedido não é definitivo, dependendo de condição ulterior e incerta (a permanência pelo período de 12 meses) para sua confirmação, o que indica ser, materialmente, qualificado como desconto sob condição resolutiva.
Deve-se, ainda, ressaltar que a multa referida no item III acima, configura, na realidade, o cancelamento retroativo do desconto concedido, com o abatimento proporcional do tempo de carência cumprido, o que reforça o entendimento supra exposto.
Pelo exposto, conclui-se que os descontos concedidos por contrato de permanência (também conhecidos como desconto de fidelização), são descontos concedidos sob condição resolutiva, devendo, portanto, seu valor integrar a Base de Cálculo do ICMS, conforme disposto na alínea “a” do inciso II do art. 5º da Lei nº 2.657/96.
Por fim, cumpre ressaltar que existem decisões judiciais no mesmo sentido da conclusão acima apresentada, como, por exemplo, a Apelação / Reexame Necessário nº 1040396-81.2016.8.26.0053 proferida pela 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, cuja ementa se segue.
“NULIDADE DA SENTENÇA. Inocorrência. Sentença adequadamente fundamentada. Inexistência de vícios. Preliminar afastada.
ICMS. AIIM. Base de cálculo do imposto. Desconto condicionado à contratação de prestação de serviços de telefonia. Auto de Infração e Imposição de Multa lavrado por falta de recolhimento de ICMS em operação de contratação de telefonia. Descontos condicionados à contratação de prestação de serviço de telefonia e manutenção de tais servidos por certo período. Cláusula contratual que prevê o pagamento dos descontos concedidos no caso de rompimento do contrato antes do prazo contratual ou por rescisão por culpa da contratante. Desconto que se caracteriza como condicionado. Valor do desconto que deve integrar a base de cálculo do ICMS nos termos dos artigos 12 e 13 da Lei Complementar nº 87/96, Lei Estadual nº 6.374/89, e art. 37, §1º, item 01 do Decreto Estadual nº 45.490 (RICMS/SP). Súmula nº 457 do STJ.
MULTA PUNITIVA. Pretensão de reduzir a multa. Inadmissibilidade. Multa de 50% do valor do imposto devido. Precedente do STF. Correta a incidência dos juros e correção monetária sobre a multa, com a ressalva de que a taxa dos juros deve ser limitada à taxa Selic.
JUROS DE MORA. A taxa de juros deve ser limitada à taxa da SELIC. Reconhecimento da inconstitucionalidade parcial da Lei Estadual nº 13.918/09 pelo Órgão Especial. Decisão que vincula os demais julgamentos. Sentença mantida. Reexame necessário e recurso improvidos.
(Apelação / Reexame Necessário nº 1040396-81.2016.8.26.0053, Relator Des. Claudio Augusto Pedrassi, 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, julgado em 21/03/2017) Grifos Nossos.”.
Deve-se, ainda, ressaltar que o fato de os contribuintes denominarem a cobrança ulterior como “multa” não impede a aplicação da alínea “a” do inciso II do art. 5º da Lei nº 2.657/96, por força do disposto no § 2º do art. 2º da Lei Complementar Federal nº 87/96.
“§ 2º A caracterização do fato gerador independe da natureza jurídica da operação que o constitua.”..
II – CONCLUSÃO
Pelo supra exposto, conclui-se que os descontos concedidos por contrato de permanência (também conhecidos como desconto de fidelização), são descontos concedidos sob condição resolutiva, devendo, portanto, seu valor integrar a Base de Cálculo do ICMS, conforme disposto na alínea “a” do inciso II do art. 5º da Lei nº 2.657/96.
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(1) Por exemplo o REsp 1.111.156/SP, cuja ementa apresenta o seguinte trecho:
” 3. A literalidade do art. 13 da Lei Complementar n. 87/96 é suficiente para concluir que a base de cálculo do ICMS nas operações mercantis é aquela efetivamente realizada, não se incluindo os ‘descontos concedidos incondicionais’.”.
(2) RE 567935, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 04/09/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-216 DIVULG 03-11-2014 PUBLIC 04-11-2014.
SMJ é o parecer.